Um novo ciclo de alta das commodities começa a marcar a economia internacional. De acordo com o índice CRB (Commodity Research Bureau), os preços destes produtos tiveram alta de quase 70% em 2020. As commodities metálicas triplicaram de preço, alavancadas pelo ferro, com alta acumulada de 150%. Já as agrícolas, que já vêm de período de valorização, continuarão com a demanda aquecida. As projeções do Fórum Econômico Mundial sugerem que o consumo da classe média asiática pode aumentar 75% nos próximos dez anos, contribuindo para o aquecimento deste mercado.
Cerca de 60% da valorização do CRB foi puxada pela China, que, no curto prazo, está demandando mais metais para investir em infraestrutura e construção civil e retomar projetos e obras da Nova Roda da Seda. A China cresce nesse novo momento de seu plano quinquenal, dando maior ênfase ao seu gigantesco mercado interno, com ousadas metas de desenvolvimento social. Além disso, os sucessivos pacotes de investimentos anunciados por Joe Biden nos EUA também têm contribuído para melhorar a expectativa sobre o reaquecimento do mercado de commodities.
No mercado de petróleo, na esteira dos movimentos da China e nos EUA, a OPEP revisou suas estimativas e espera uma retomada da demanda global por óleo e gás já no segundo semestre de 2021. Além disso, os planos da OPEP+ de controlar o retorno da produção e a possibilidade de um acordo entre EUA-Irã têm estimulado a elevação do preço do petróleo. No entanto, o avanço da COVID-19 no Brasil e na Índia e algumas mudanças provocadas pelo home office na dinâmica da produção e do consumo fazem com que a AIE alerte para a incerteza dessa recuperação. O vetor resultante, provavelmente, será de alta no médio e longo-prazos, com flutuações mais intensas no curto-prazo.
No Brasil, essa nova onda encontrará um ambiente marcado por uma regressão no padrão de desenvolvimento econômico do país. De um lado, a desindustrialização se acelera, e de outro lado a reprimarização da pauta exportadora se intensifica também estimulada pela intensidade da desvalorização cambial. Esse processo está sendo acompanhado pela expansão da fronteira agrícola para o interior e floresta adentro, com queimadas devastadoras, garimpos ilegais, pecuária e monocultura. O índice de área plantada de soja, cana e milho tem aumentado, enquanto os estoques reguladores de grãos e o crédito rural do governo federal para a produção de arroz, feijão, batata e mandioca tem diminuído, segundo a CONAB.
O resultado é que, em 2020, o país teve a pior inflação dos últimos anos, e o grupo que mais pesou foi o de alimentos e bebidas, com alta de cerca de 14%. O preço da cesta básica saltou em todas as capitais e o brasileiro está comprometendo, na média, 56,6% do salário mínimo líquido com a compra dos itens da subsistência, de acordo com IBGE e DIEESE. Como se não bastasse a carestia, pesquisas dão notícia de que já temos mais de 19 milhões de pessoas passando fome e mais de 125 milhões de brasileiros vivem a situação de algum grau de insegurança alimentar durante a pandemia.
Esse processo é agravado pela atual política de desinvestimentos e paridade de preços de importações (PPI) da Petrobras. A estratégia de privatização das refinarias e de redução da carga de refino, acompanhada da abertura do mercado para importadores e da elevação das importações de derivados, criou um ambiente favorável a pressões econômicas para a internacionalização e dolarização dos preços dos combustíveis. Exportamos óleo cru com menor valor agregado e importamos derivados com maior valor adicionado, resultando em preços elevados e em uma cadeia de abastecimento em descoordenação.
Em resumo, haverá um novo ciclo das commodities, fundamental para o desenvolvimento econômico do país. Mas, tudo o mais constante em nossa vida política nacional, o Brasil de 2019-2021 não está em condições de aproveitar esse momento em favor de um modelo que associe recursos naturais estratégicos a recursos industriais e tecnológicos em direção a um Green New Deal ou a um Big Push Ambiental. Nessa toada, vamos deixar a Nova República cada vez mais parecida com a República Velha em matéria de padrão de desenvolvimento econômico.
- William Nozaki é coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP) e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
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