A renovação das direções do PT mobilizou mais de 500 mil filiados. Em grande medida, essa ampliação pode ser vinculada às eleições de 2010 e às perspectivas de vitória do partido. Essa relação ajuda a compreender a nova disposição e distribuição das correntes internamente ao partido, mas ela é mediada pelas posições adotadas por cada agrupamento.
É fundamental assinalar os principais elementos que definem a composição e a dinâmica inicial da nova direção nacional.
De outro lado, reconhece-se, de modo geral, que o último PED evidenciou o esgotamento de um modelo de disputa, especialmente na relação com a base de filiados. A revisão crítica do PED passa a ser uma agenda obrigatória para o PT.
A nova Executiva Nacional
Difundiu-se a imagem de que o PED 2009 levou a uma mudança muito grande na direção do partido. Um exame mais detido da nova Executiva Nacional, no entanto, mostra apenas uma pequena alteração na composição.
Podemos destacar que:
– A chapa liderada pelo presidente eleito José Eduardo Dutra, Partido que muda o Brasil (PQMB), fica com 10 vagas, que representa exatamente a soma das vagas que as correntes que a compõem têm na Executiva atual. A Construindo um novo Brasil (CNB) tem 8 vagas e as duas outras correntes que a integram, Partido de Luta e de Massa (PTLM) e Novo Rumo (NR), têm uma vaga cada uma na Executiva atual;
– A chapa Mensagem ao Partido, movimento que apresentou a candidatura de José Eduardo Cardozo e que reúne a Democracia Socialista, correntes regionais e diversas lideranças, mantém suas 3 vagas;
– A chapa Movimento: Partido para Todos, que propôs Geraldo Magela para presidente e que é estruturada em torno da corrente Movimento PT, mantém suas 2 vagas;
– A Esquerda Socialista, que apresentou a candidatura Iriny Lopes, tem direito a 2 vagas, mas as correntes que a integram – Articulação de Esquerda, Tendência Marxista e Militância Socialista – tem 3 vagas na Executiva atual, uma de cada corrente;
– A chapa mineira Partido para Todos – Unidade na Diversidade, composta por setores que nacionalmente se identificam com o CNB, o Movimento PT e pelo grupo em torno ao deputado estadual Durval Ângelo (que, em 2007, apoiou Gilney Viana), que em Minas defendem a candidatura a governador do ex-prefeito Pimentel, ganha a vaga perdida pela Esquerda Socialista.
Apenas uma vaga da Executiva foi alterada, em um cenário de elevado número de novas filiações, que passaram do patamar de 900 mil (2007) para 1,4 milhão (2009), e de comparecimento para além de 500 mil, contra pouco mais de 300 mil em 2007.
Outra análise
É necessário avaliar para além da pequena variação numérica. É preciso ver a localização e a evolução das correntes.
Diferente de 2007, as eleições internas de 2009 foram definidas no 1º turno. Isso se deu por conta do deslocamento do PTLM e NR para a órbita do CNB. Em 2007, esses dois setores compuseram, com o Movimento PT, a chapa liderada por Jilmar Tatto, que passou ao 2º turno contra Berzoini. Da confrontação de 2007 esses setores passaram à adesão de 2009.
Cada um deles atravessa uma situação relativamente crítica. O PTLM diminuiu seu tamanho. O NR encontra-se dividido desde o último PED; e, agora, diante do debate sobre candidatura ao governo do estado de São Paulo, uma parte do grupo defende Ciro Gomes, e outra, Pallocci.
A atração desses setores pelo CNB produziu uma alteração nas relações internas cujo desdobramento deve ser observado. De todo modo, esse arranjo, considerando os resultados do PED de 2007, já se apresentava como possivelmente majoritário. Acrescente-se a isso, o fato de que a candidatura e a chapa articuladas pelo CNB apresentaram-se como as preferidas de Lula e como antecipadamente vitoriosas desde o início do PED. Aparentemente, buscava-se uma vitória maior que a obtida. Nesse sentido, seu resultado parece ter ficado aquém da expectativa.
Para isso, podem ter pesado insuficiências históricas do CNB e suas divisões internas. A elas se somam as novas diferenciações incorporadas. Por isso, a idéia mais simples de que a composição do CNB com PTLM e NR representa uma reedição do antigo campo majoritário ainda está por ser verificada. Essa questão dependerá de fatores regionais – em diversos estados, seus setores disputam entre si – e, sobretudo, nacionais, que exigirão respostas para as quais parece haver pontos de vista diferentes no interior da chapa.
A Mensagem ao Partido emerge da votação como segunda força nacional. Ao manter sua representação na Executiva (mesmo perdendo uma vaga no Diretório, de 14 para 13), ela cresceu com o partido – isso aparece também de forma estatística: enquanto o montante de votos válidos cresceu 56%, os votos na chapa Mensagem cresceram cerca de 50%.
No plano regional, alcançou a presidência estadual no Rio Grande do Sul (com Raul Pont), no Ceará (com Luizianne Lins, com acordo de quase todas as correntes) e no Espírito Santo (com Givaldo Vieira). Além disso, novos agrupamentos passaram a integrar o movimento, como o Reencantar, da Bahia. Essa evolução positiva foi respaldada por sua continuidade desde 2007, por se desenvolver como um movimento de opinião interna coerente, democrático no seu funcionamento e que soube combinar trabalho unitário na direção do PT e defesa de pontos de vista programáticos que adensaram a identidade socialista-democrática que busca construir (para além da defesa do Código de Ética).
O Movimento PT perdeu setores importantes, como na Bahia. Sua evolução tem sido pragmática e em conflito com o CNB.
A Esquerda Socialista juntou as chapas do PED 2007 encabeçadas então por Valter Pomar e Gilney Viana. Difundiu a idéia de que seria a única chapa de esquerda no partido, o que a leva a incorrer no duplo risco de colocar-se à margem da direção e no recolhimento doutrinário, o que seria muito negativo. Sua evolução no sentido de retomar o diálogo com outros setores (não só a Mensagem), que também defendem uma direção socialista democrática para o PT, é importante para favorecer resoluções de esquerda para os próximos desafios partidários.
A chapa mineira em torno à candidatura de Pimentel a governador tem natureza basicamente conjuntural.
Mais que as correntes
A nova direção do PT – como as anteriores – depende da capacidade de realizar sínteses, de responder aos problemas políticos e organizativos do PT. Nesse sentido, ela é mais que a expressão numérica estabelecida pela eleição interna.
O curto espaço que separa o PED da realização do 4º Congresso será decisivo na definição dos rumos da nova direção, pois a agenda inclui a formação da Executiva Nacional, a construção da plataforma de 2010 (programa e tática eleitoral) e a renovação do funcionamento organizativo do PT. Nessas questões estarão expressos os compromissos fundamentais da nova direção.
Face a elas, estará mais clara a relação entre as principais correntes, seu grau de acordo e de conflito em torno às tarefas gerais de direção, e a resultante real das respostas aos difíceis problemas postos: o lugar do PT na disputa de 2010, seu programa, a política de alianças e a capacidade de mudar (ou não) o modo de funcionamento orgânico do partido.
Nesse período se definem os termos da nova disputa de hegemonia no partido.
O 4º Congresso
As principais teses apresentadas ao PED convergem no objetivo estratégico de conquistar o 3º mandato presidencial do PT com Dilma Roussef, e na ideia de um governo à esquerda. Esse cenário corresponde a uma conjuntura mais à esquerda, cuja expressão principal no último período apresentou-se com o Brasil saindo da crise a partir de uma plataforma anti-neoliberal. E, talvez, esse cenário reflita uma tendência mais geral observada ao longo da trajetória do PT, de que o partido não só influencia, mas é bastante influenciado pelo movimento geral das forças sociais. É um cenário positivo que pode se colocar com destaque no 4º Congresso.
São desafios específicos no 4º Congresso face à elaboração programática:
• Concretizar a luta pela reforma política – avaliar a realização de um plebiscito em conjunto com a eleição presidencial – e inscrever a democracia participativa como eixo do novo programa;
• Elevar as conquistas materiais, sociais e políticas dos trabalhadores e do povo pobre no processo de desenvolvimento;
• Avançar na expressão de uma sociedade com mais direitos e mais igualdade;
• Aprofundar e democratizar o planejamento público e a presença do Estado na economia, a soberania democrática em detrimento do mercado, em especial, face ao capital financeiro;
• Avançar na concepção do desenvolvimento econômico em conjunto com a defesa do meio-ambiente;
• Avançar na construção de elementos de uma nova organização internacional das finanças e das relações internacionais em oposição à ordem imperialista.
Essa evolução programática tem a ver com uma política de alianças de esquerda. Estamos, no entanto, tendo de considerar a hipótese de alianças ao centro. Nossa resposta tem sido a de defender a prioridade para as alianças no campo popular de esquerda e admitir alianças eleitorais com partidos de centro, como o PMDB, em uma situação de hegemonia do PT. Além disso, defendemos uma relativa autonomia dos processos estaduais de modo a preservar a capacidade de fortalecimento do PT.
Em alguma medida, a situação de lidar com alianças para além do campo popular de esquerda responde ao fato de que o governo Lula avançou na conquista de hegemonia para a agenda desenvolvimentista e distributivista. Assim, pode ser aceitável a busca de uma maior segurança eleitoral. Mas, ao mesmo tempo, a situação responde também ao escasso avanço na luta pela reforma política e na efetivação da democracia participativa, o que implica na dependência de alianças conservadoras.
A evolução dessa situação dependerá da conjuntura, da polarização político-eleitoral e das próprias definições do PT. O 4º Congresso será um momento decisivo nessa questão, embora possa não ser o momento definitivo de um processo que poderá se desenvolver ao longo do semestre até as convenções partidárias no meio do ano.
Enfrentar riscos
“(…)Esta quarta edição do PED reforça a necessidade de aprofundar o debate interno sobre a relação partido/filiado, com o objetivo de dar um sentido mais orgânico à filiação partidária, estabelecendo regras para participação e sustentação financeira e política do PT, que não se limite ao ato de votar diretamente em suas direções, uma conquista da militância petista que não pode ser maculada por distorções típicas das disputas de poder”.
Esse trecho da resolução da última reunião do Diretório Nacional (08.dez.09) denota um aspecto central do PT hoje: o risco de uma regressão organizativa. E reflete uma contradição fundamental que vive o partido, com teses à esquerda e com um funcionamento orgânico sujeito a deformações. Sua resolução é um dos eixos centrais da disputa de hegemonia no partido pós-PED.
A preocupação com esse tema não é exclusiva do nosso movimento. O presidente atual, Ricardo Berzoini, vem se manifestando nesse sentido, assim como outros setores do partido. Por isso, devemos propor a todas as correntes uma plataforma de reorientação organizativa do partido a ser apresentada ao 4º Congresso.
Nossa visão parte da necessidade de reverter o curso de “eleitoralização” do partido. Estamos falando do processo que transforma filiados em eleitores, que desorganiza o partido na base e que assiste à formação de blocos de interesse eleitoral em substituição à organização de correntes definidas com uma base política ou programática. É nesse contexto que se desenvolveram as práticas de filiação em massa e os cenários de substituição da contribuição financeira individual por pagamento coletivo.
A reversão dessa deformação organizativa pode ser iniciada por uma revisão crítica do Processo de Eleições Diretas, garantindo a livre e ampla participação dos filiados. Ela deve ser combinada com a mudança do sistema de filiações, com a reintrodução dos núcleos e da organização na base, com o compromisso de sustentação financeira pelos filiados, com a formação política em larga escala e, sobretudo, com a participação política continuada. Devemos buscar o diálogo com todas as correntes nesse sentido e construir um projeto de reorganização do partido para ser aprovado no 4º Congresso. Com base na experiência recente, devemos aprimorar o debate e apresentar ao 4º Congresso projetos de resolução amplamente acordados, consensuados se possível, para colocar a eleição interna do PT à altura da democracia que defendemos, dos valores socialistas que nos orientam e do Código de Ética que aprovamos. Defendemos a viabilidade de um partido de massas de caráter democrático e socialista.
O primeiro PED com o Código de Ética mostrou que não basta a lei, é preciso a defesa e a prática da lei. Como na sociedade, ela expressa uma relação de forças e uma determinada moral. Frente ao desafio não devemos recuar, mas lutar pela mudança na correlação de forças e por uma hegemonia que corresponda à “lei” avançada.
Novo impulso para a Mensagem
Este esboço de interpretação do estado atual do PT e dos desafios que há pela frente reforça a necessidade de existir o movimento Mensagem ao Partido. O resultado obtido no PED pode ser considerado “heróico” e reforça seu espaço de construção como instrumento fundamental de disputa de rumos do partido.
Em todos os estados e nacionalmente, sua melhor organização é possível com:
• Coordenações em todos os níveis;
• Aplicação dos critérios organizativos aprovados no Encontro do Rio;
• Comunicação através do site e de boletins;
• Em todas as instâncias de que participa, sobretudo aquelas em que detém maior influência, desenvolver o programa que defende para o PT.
No 4º Congresso, reuniremos nossos 215 delegados e delegadas, devemos eleger nossa coordenação nacional e aprovar um plano de fortalecimento do movimento.