Notícias
Home / Conteúdos / Artigos / A oportunidade de um novo paradigma para a economia

A oportunidade de um novo paradigma para a economia

Fonte: Carta Maior

O cientista político Juarez Guimarães responde ao economista Ricardo Carneiro sobre os rumos do governo Lula. Para Guimarães, sem uma afirmação da legitimidade política da economia do setor público, o pensamento econômico crítico que aspira por um desenvolvimento com distribuição de renda pode se perder em meio ao isolamento.

JUAREZ GUIMARÃES

Sem avançar nas dimensões realistas da sua análise e na afirmação clara da legitimidade política da economia do setor público, o pensamento econômico crítico  que aspira por um desenvolvimento com distribuição de renda arrisca se perder em meio ao isolamento e à dispersão.

Só podemos nos sentir honrados e agradecidos ao artigo polêmico do companheiro e economista Ricardo Carneiro, intelectual orgânico da rica tradição desenvolvimentista organizada em torno à Unicamp. Este diálogo deveria ser entendido  como parte de  um esforço mais amplo  de renovar os laços entre os vários centros da economia política do desenvolvimento e a cultura petista no momento em que o PT está desafiado a fazer o balanço da experiência de governo  e projetar suas propostas de transformação  para o futuro do país.

Como não se tratam de posições antagonistas, que excluem-se pelos fundamentos alternativos que adotam, a postura que adotamos é a de reconhecer  os pontos comuns, desfazer falsas polêmicas e acentuar o foco nas divergências que podem contribuir para uma nova síntese.

É exatamente por valorizar a natureza deste debate que não podemos concordar com a afirmação de Ricardo Carneiro de que o pequeno ensaio “O realismo da crítica e a invenção do futuro” faz “coro com os que desqualificam as alternativas” ao paradigma neoliberal ou às orientações econômicas predominantes no governo Lula. O pluralismo e a capacidade auto-reflexiva são dimensões constitutivas ao pensamento crítico. O que se busca  é a maior agudeza e  potência persuasiva da crítica e, principalmente, uma nova postura  na construção de um paradigma alternativo ao liberal.

Não se partilha do diagnóstico unilateral  que as razões das derrotas recentes das tradições desenvolvimentistas não residem “nas debilidades do pensamento crítico no plano das idéias, mas na esfera do poder, em particular, nas práticas do governo Lula e na sua opção por determinado caminho”. Entre o campo das idéias e o poder político existe o princípio da legitimidade, que em um contexto democrático, resulta do embate entre tradições que encarnam valores, racionalidades e projetos antagonistas para o país. Quando o governo Lula tomou posse em 2003 estavam construídos os fundamentos de legitimidade democrática para se adotar um novo paradigma econômico para o país, alternativo ao neoliberal em crise?

Uma resposta realista teria que afirmar um sim parcial e condicionado. A histórica eleição de Lula significou uma magnífica rejeição ao projeto neoliberal mas não a afirmação clara de uma alternativa. A votação expressiva do “continuísmo sem continuidade” de Serra no segundo turno, a vitória de candidatos liberais e conservadores para os governos estaduais de maior peso do país, a eleição de uma maioria conservadora na Câmara Federal e no Senado indicavam por sua vez  o caminho democrático difícil da construção de um novo paradigma.

Claramente ainda não se afirmou no país uma cultura pública de um novo paradigma de desenvolvimento, baseado na soberania nacional, na distribuição de renda e na universalização da cidadania. E isto tem relação direta com a própria história do nacional-desenvolvimentismo e do pensamento marxista sobre a economia brasileira. 1964 representou uma derrota histórica de uma síntese imperfeita e em processo, os anos do regime militar foram de exílio e resistência, a transição para a democracia não forneceu um chão histórico sólido para a retomada e os anos neoliberais foram de destruição de legitimidade e de redes de inteligência criadora. Como afirmar, então, que a “tese nova” está pronta e falta a decisão da “esfera do poder” ?

Um exame da trajetória do pensamento crítico da economia brasileira revelaria, em grande medida, o processo em aberto da síntese. Houve muita descontinuidade e dispersão. Houve perda de aparato institucional – de pesquisa, de ensino, de edição, de inserção midiática  – frente à pressão da montante neoliberal. Impasses teóricos precisam ser revistos e atualizados em um país e mundo tomados por dinâmicas ainda não de todo desenhadas. Desenvolvimentos internacionais recentes em tradições teóricas críticas ao neoliberalismo (neo-schumpeterianos, neo-kaldorianos, neo e pós-keynesianos) precisam encontrar o espaço de síntese renovado com a economia política do desenvolvimento brasileiro. E, principalmente, a exclusão por décadas do centro do poder do país acentuou no pensamento democrático do desenvolvimentismo as suas dimensões críticas em detrimento de seu potencial propositivo, dificultou a síntese da ideação com a realidade capitalista hostil e em mutação do país.

Este diagnóstico da incompletude da síntese de uma alternativa não autoriza a idéia de que restava apenas ao governo Lula o caminho do continuísmo em dimensões fundamentais do paradigma neoliberal. Muitas composições mais ou menos realistas eram possíveis. Mas o que ela indica que o caminho da construção de um paradigma alternativo na economia brasileira está à nossa frente como desafio, demanda um rico período de criação histórica, não só do pensamento ou do exercício de poder mas, para voltar a um conceito claro, da práxis da emancipação.

Princípio normativo e crítica
O companheiro Ricardo Carneiro escreveu que o ensaio por ele criticado afirma que as orientações predominantes na política econômica do governo produziram o “sucesso” e não o “fracasso”. E acrescentou: “esquece-se de perguntar sobre a profundidade desta melhoria, sua sustentabilidade e, o mais importante, suas relações com as ações postas em prática”.

Uma leitura mais atenta do artigo criticado não autoriza esta leitura. Lá se diz apenas que foram criadas dinâmicas de crescimento, de diminuição da vulnerabilidade externa  e de superação de parte dos constrangimentos cambiais a uma retomada do crescimento. Estas dinâmicas, por sua vez, teriam resultado da combinação do boom exportador, propiciado pela conjuntura econômica externa excepcionalmente  favorável,  e de ações de entes econômicos do Estado brasileiro. Afirma-se expressamente que estas dinâmicas são, no entanto, instáveis, condicionadas  e limitadas. Daí o realismo parcial da crítica, não a sua inteira negação.

O mais importante, porém, é o uso das expressões “sucesso” e “fracasso”. A crítica se valida pelo “fracasso” e se invalida pelo “sucesso” ? “Sucesso” e “ fracasso” em relação a qual horizonte normativo ? O de um eventual retorno do crescimento capitalista? A aposta argumentativa que fazemos no ensaio criticado é que um certo desequilíbrio da crítica se explica pela insuficiência de seu norte normativo. Isto é, uma dinâmica de crescimento capitalista ameaçaria a própria permanência da crítica: esta para se relegitimar teria que ter passado da previsão recessiva ao crescimento “medíocre” de 2004 ; como este não se verificou, passou-se à retomada da tese do “vôo da galinha”, isto é, do crescimento que não se alça pela pressão cambial; como o “vôo da galinha” não se verificou passa-se agora à noção de que o crescimento está aquém da média dos emergentes. Se o país crescer mais de 3,5 % este ano e mais de 4,5 % no próximo, a crítica terá se deslegitimado? Ou ela espera uma crise da economia mundial para ver legitimadas suas previsões ?

Houve, de fato, uma redução do horizonte normativo da crítica desde a posse do governo Lula. O acento foi posto no exercício híper-liberal ou monetarista da fixação das metas de inflação, criticadas como excessivamente rigorosas, ou na condução cripto-liberal da busca destas metas através das escandalosas taxas de juros fixadas pelo Copom. Metas de inflação menos severas e uma condução menos conservadora do Copom satisfariam aos críticos ?

A hegemonia de um pensamento define-se por sua capacidade de definir o campo  central da problemática. A hegemonia do pensamento nacional-desenvolvimentista diante do liberal nos anos cinqüenta assentou-se no campo muito largo, histórico e estrutural, da problemática da superação do subdesenvolvimento. O domínio do pensamento neoliberal no Brasil dos anos noventa assentou-se na definição da problemática básica da estabilização, concebida em termos liberais, como pré-condição e condicionante para uma retomada sustentada do crescimento. Ao aceitar discutir como central o grau de rigor no controle da inflação ou do aperto fiscal, da elevação necessária ou não dos juros básicos da economia e do controle da margem da apreciação cambial, não se estará aceitando de fato o fundamento e a racionalidade liberal no comando da economia? Não se trata, é claro, de perder o foco da crítica à gestão macro-econômica neoliberal, mas de fazê-la a partir da demonstração de como ela neutraliza, interdita parcialmente ou bloqueia uma dinâmica possível e necessária de crescimento com distribuição de renda.

É muito relevante para se compreender a natureza do impasse que enfrentamos hoje no debate econômico a entrevista do economista Belluzzo à revista Carta Capital de 13 de julho passado. Nela, o economista que forma com Maria da Conceição Tavares um dos pilares fundamentais da tradição crítica e desenvolvimentista, relata o clima defensivo do debate entre os economistas do núcleo dirigente da campanha de Lula em 2002, frente à chantagem dos mercados financeiros dirigidas pelo governo FHC e pelo candidato José Serra. Belluzzo afirma, que, neste contexto, os economistas mais à esquerda do grupo, chegaram a defender, por realismo, a manutenção de Armínio Fraga à frente do Banco Central e, mais importante, a sua  “independência operacional” com outro fórum para definir as metas de inflação.

O ponto central do ensaio “ O realismo da crítica e a invenção do futuro” é que o pensamento crítico precisa disputar publicamente com a racionalidade liberal, que está institucionalizada no Estado brasileiro e é agressivamente vocalizada pela mídia, os fundamentos de um novo paradigma econômico para o país. Sem estes fundamentos alternativos referenciais, o debate fica estagnado nos caminhos da otimização da racionalidade liberal.

O Banco Central é uma construção histórica dos liberais brasileiros, a sua verdadeira casamata, e a ampliação institucional dos seus poderes é uma alavanca permanente de desconstituição da economia do setor público do país. Toda a construção política do neoliberalismo foi a de concentrar e expandir os poderes do Banco Central, esvaziando ou subordinando o papel do Ministério do Planejamento e outras agências do Estado. Assim, através do manejo da política monetária, cambial e fiscal, o Ministério da Fazenda e o BC acabam minando os espaços para o exercício pleno do  potencial virtuoso de uma série de políticas desenvolvimentistas estratégicas como a industrial, a de planejamento regional, de reforma agrária, na área de habitação e saneamento, do Ministério da Ciência e Tecnologia,, além das áreas sociais.

Dizendo mais peremptoriamente: não é o conjunto do funcionamento do setor público do país que deve orbitar pelas regras do BC, mas o padrão de funcionamento deste  deveria, ao invés, ser sistemicamente orientado pelas necessidades de desenvolvimento da economia do setor público. Este novo desenvolvimento do setor público deveria incorporar programaticamente as dimensões do controle de preços e da responsabilidade fiscal mas em uma perspectiva e regulação diversas dos padrões neoliberais.

A inteligência da proposta de déficit zero, defendida com certa audiência por Delfim Netto, ao propor trocar as metas de superávit primário pelas de déficit nominal zero,   está em furar este cerco mas…pela direita, aumentando o superávit primário e tornando a evolução da dívida financeira – e, portanto, a fixação da taxa de juros pelo Copom – uma variável dependente na equação.

Ora, a legitimidade do setor público está estabelecida? O “público”, confundido e  reduzido ao “Estado burocrático, ineficaz e corrupto” não continua sendo permanentemente deslegitimado pela propaganda liberal? Está se travando, de conjunto, esta batalha política fundamental pela qualificação, renovação e expansão da economia do setor público sem a qual não há dinâmica possível de soberania,  distribuição de renda e universalização da cidadania? Não deixar de ser expressivo o fato de que o artigo da polêmica do companheiro Ricardo Carneiro seja concentrado na defesa do “realismo” pleno” da crítica, desdenhando as dimensões normativas da polêmica.

Retorno ao realismo parcial
Faz parte do acento polêmico do artigo de Ricardo Carneiro a afirmação de que o ensaio criticado defende o ponto de vista de que a economia sob o governo Lula teria superado a polaridade entre “ruptura” e “capitulação”, produzindo “um novo caminho, com falhas e equívocos, porém, uma superação”. De novo, uma leitura rigorosa do ensaio não confirmará esta leitura.

O que se diz, ao invés, é o diagnóstico de “dinâmicas diferentes” daquelas predominantes nos anos neoliberais. Trabalha-se aqui com uma caracterização geral de que o governo Lula é “Diferente do que era, aquém do possível, melhor do que parece” ( ver Periscópio número 43, de fevereiro de 2005, www.fpabramo.org.br). Ao invés de se operar analiticamente  de modo simplista com o par ruptura/continuidade, cria-se um campo analítico capaz de flagrar dinâmicas intermediárias, parciais ou contraditórias em uma lógica de transição. Esta perspectiva analítica não é sem conseqüências: quer se evitar justamente, de um lado, a apologia mistificadora das mudanças e, do outro, o juízo sectário de que o governo Lula é mera continuidade de FHC em seus traços fundamentais.

Seria, neste sentido, fundamental diferenciar conceitualmente a gestão macro-econômica da política monetária, cambial ou fiscal (que é, rigorosamente, continuidade e aprofundamento da lógica do segundo mandato de FHC) do que poderíamos chamar de políticas estratégicas de desenvolvimento, que se relacionam à inserção internacional, ao posicionamento dos agentes financeiros do Estado, de sua atuação  em áreas chaves como energia, ensino e pesquisa tecnológica, da postura em relação à regulação do mercado de trabalho e de desenvolvimento agrário. Nestas últimas, há nítidos deslocamentos do governo Lula em relação ao período neoliberal. Seria necessário, inclusive, valorizar as disputas e tensões públicas entre estas novas dimensões desenvolvimentistas e a continuidade dos fundamentos neoliberais na gestão macro-econômica.

É preciso reconhecer, por um lado, que várias dinâmicas econômicas típicas dos anos neoliberais sofreram interrupção durante os anos Lula: o BNDES e os fundos de pensão não estão mais tensionados para o grande esforço de privatização, não se prosseguiu em uma dinâmica de informalização do mercado de trabalho e de cassação dos direitos dos trabalhadores, de aceleração da vulnerabilidade externa e de crescimento explosivo da dívida pública em relação ao PIB, de sucateamento de vários órgãos e agências estatais, de inserção na agenda da Alca , de repressão e criminalização dos movimentos sociais em detrimento de uma postura negociadora do governo em relação às suas demandas econômicas. E, de outro lado, que a transição para um outro paradigma de regulação econômico é muito parcial, desigual, contida e bloqueada  em suas dinâmicas potencialmente criativas por dimensões estruturantes de continuidade da gestão macro-econômica.

A noção de que estão em cursos dinâmicas econômicas diferentes daquelas típicas do período neoliberal não autoriza a conclusão de que o paradigma neoliberal de gestão da economia foi superado. Dinâmicas econômicas são produzidas de modo complexo e multi-determinado, como de fato o são os grandes movimentos da sociedade.

Há aí uma primeira grande concordância com Ricardo Carneiro. Ele afirma que “a melhoria da economia brasileira veio sobretudo do excepcional cenário internacional”, “tão bom como não se via desde os 30 anos do pós guerra”. Se bem que a comparação entre os dois períodos muito distintos do capitalismo merecesse uma qualificação, a afirmação é inquestionável: sem este cenário excepcional, o boom exportador vivido pela economia brasileira não teria ocorrido e teria sido outra a dinâmica de retorno ao crescimento, de geração de superávits comerciais e de geração de empregos formais.

Não seria o caso, porém, de estabelecer um automatismo entre o cenário internacional e o boom exportador. A desvalorização do real em 2002 devido à chantagem financeira eleitoral e a ampliação dos mercados conquistada pela ofensividade da política externa do governo Lula jogaram o seu papel.

Parece paradoxal, após este reconhecimento, a afirmação de Ricardo Carneiro de que “no curto prazo, as possibilidades de uma crise cambial motivada por um ataque especulativo contra o real são iguais ou maiores do que no passado”. Não é a avaliação de um conjunto de economistas críticos, como Paulo Nogueira Batista e o próprio Beluzzo, a partir do exame de uma série de indicadores que vão na direção oposta. Talvez seria mais correto afirmar, como faz em outra passagem Carneiro, de que a política econômica liberal não contribuiu  “para uma inserção de melhor qualidade na acumulação globalizada” ao aprofundar a liberalização dos fluxos financeiros e de que a melhoria conseguida é dependente da manutenção de um cenário internacional favorável. É limitada e incerta, portanto, apesar de importante.

A análise do companheiro Carneiro parece também subestimar tanto o peso na economia como as alterações de posicionamento e função de vários órgãos do Estado brasileiro no setor de energia, como a Petrobrás, no BNDES e na CEF, no Banco do Brasil, nas políticas sociais e na política de reforma agrária e financiamento da agricultura familiar.  Não deixa de ser algo paradoxal já que estas novas políticas sofrem um ataque cerrado dos economistas neoliberais e são, no fundamental,  criação da tradição nacional-desenvolvimentista. Todas estas mudanças foram produzidas publicamente à contra-corrente das orientações liberais prevalecentes no Ministério da Fazenda e no BC. São pontos fundamentais de apoio para a criação de um novo paradigma e diferenciam estruturalmente a economia brasileira da maioria das economias latino-americanas, inclusive a Argentina. É redutor chamar estas mudanças de meramente “operacionais”, como faz Carneiro.

A superação da financeirização
Seria necessário afirmar a coincidência do diagnóstico de que a gestão econômica do governo Lula não foi capaz até agora de superar o núcleo duro da financeirização, isto é, a forma como se gere a dívida pública em proveito dos rentistas, em detrimento dos setores produtivos, dos trabalhadores e do setor público da economia. A persistência deste núcleo duro está vinculado, como diz de modo muito expressivo Carneiro, ao “esforço excepcional para excluir a gestão da política monetária do campo da política republicana”, conformando um verdadeiro “ Estado de exceção”. Isto é, ele não será superado enquanto não for questionada a tese da autonomia, institucionalizada ou operacional, do Banco Central e seu modus operandi, estreitamente vinculado aos interesses do capital financeiro.

A partir de uma visão histórica e estrutural, seria necessário, no entanto, alargar o campo propositivo das soluções para o impasse central da financeirização. Já o mestre Furtado, em polêmica com os liberais nos anos cinqüenta, que argumentavam a inarredável dependência da poupança externa para o desenvolvimento, colocava o centro da resposta na necessária institucionalização de mecanismos de captação dos excedentes e sua planejada alocação produtiva. O modelo dependente-associado, posto em prática pelo regime militar, esbarrou neste impasse central no diagnóstico histórico configurado por Maria da Conceição Tavares. Os anos do neoliberalismo para a periferia do mundo capitalista tiveram o sentido fundamental de envolver estas economias em lógicas submetidas à especulação e ao rentismo.

No Brasil, graças à gravitação decisiva ao centro do poder dos interesses do grande capital financeiro nos anos noventa, esta agenda se cumpriu e se enraizou. Superar a financeirização – não apenas fazer sua crítica – implica em voltar ao dilema clássico posto por Furtado e concebido por Conceição. Isto é, institucionalizar de forma republicana – democrática e submetida ao controle social  – uma grande agência pública de financiamento do desenvolvimento, formando uma âncora que dissolva o impasse entre a persistência do rentismo especulativo e a ameaça de fuga de capitais. Uma proposta criativa, entre as que se encaminham neste sentido, vem sendo feita pelo economista mineiro César Medeiros autor do livro “Banco Universal contemporâneo. Uma estratégia para financiar os investimentos. O papel do banco do Brasil , dos demais Bancos Oficiais e dos fundos de Pensão”. (Insight Editorial, 1996).

Oportunidade histórica
A recente crise política, ainda não superada em uma direção republicana, expõe dramaticamente as eleições de 2006 como um terceiro turno da grande disputa entre o neoliberalismo e as forças de transformação reunidas em torno à provável candidatura de reeleição de Lula. Mas o impasse do debate público em torno aos três anos de política econômica do governo Lula gerou uma forte dispersão política das tradições desenvolvimentistas e críticas dos economistas brasileiros.

Por outro lado, o esforço de refundação do PT que mobilizou a intelectualidade crítica, as lideranças cristãs das comunidades eclesiais de base, os setores de maior ponderação do movimento sindical brasileiro e dos movimentos sociais no campo, além de centenas de milhares de petistas em todo o país deve ser canalizado para uma nova síntese programática em torno às perspectivas do governo Lula.

É neste contexto que é preciso reposicionar a possibilidade de síntese entre a cultura petista e as tradições críticas e desenvolvimentistas dos economistas brasileiros. Esta nova síntese não poderá se produzir se persistir um enfoque economicista do debate. Como sabia bem Gramsci, seguindo as intuições de Lênin, mesmo a crítica economicista é, ao final, uma forma de liberalismo. Uma nova hegemonia só pode se produzir se os fundamentos ético-políticos do Estado são direcionados rumo a outras possibilidades civilizatórias para além do liberalismo. A defesa da retomada, apenas entrevista de forma parcial e incompleta pelas conquistas democrático e populares na Constituição de 1988, de uma economia do setor público traduz este novo eixo de gravidade necessário para o debate. O Brasil já experimentou historicamente um modelo econômico comandado pela mão autoritária do Estado e outro esterilizado pela apologia dogmática das virtudes do mercado. As eleições de 2006 são a oportunidade histórica para construir a legitimidade do público – democraticamente gerido e com universalismo de propósitos – como centro de gravidade para uma nova economia brasileira.

Veja também

O G20 e a regulação do trabalho de plataformas por aplicativos | Atahualpa Blanchet

A regulação desses trabalhos exige o reconhecimento de princípios como o da transparência algorítmica, explicabilidade …

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Comente com o Facebook