Em 2016 Dilma Rousseff, primeira mulher a presidir o governo federal, sofreu um golpe. As justificativas começaram no campo governamental e se disseminaram até se concretizar na demonização de sua figura como sujeito. As violências foram diversas: de adesivos sexistas à romantização da tortura sofrida por ela em contexto ditatorial. Dilma foi retirada do seu cargo e teve sua trajetória marcada, para sempre, por uma nuvem de uma dita “incompetência” que só fere a nós, mulheres.
Hoje, esse cenário se repete no Rio Grande Norte. De fato, a condução do sistema carcerário e da segurança pública não são humanitárias. Aqui, como em grande parte do mundo, a visão construída acerca das penitenciárias e das ações policiais, no geral, é ostensiva. Vivemos uma onda cíclica de tentar acabar com a violência com mais violência. Tudo isso tem raízes no racismo estrutural e tudo que permeia o patriarcado, de maneira geral. Uma pequena parcela da população tem acesso aos debates sobre direitos humanos e como isso não pode estar ausente na estruturação da segurança pública.
A falta de popularização desses debates pode ser facilmente explicada: nunca foi pautado, em âmbito nacional e estadual, de maneira profunda, essa problemática. O problema não começa agora e tampouco findará. Antes de Fátima, outros governantes viveram momentos de colapso como esse, mas a grande diferença é por não terem recebido o mesmo ódio e violências políticas que hoje atingem a governadora. Esses ataques surgem no antro do ódio à esquerda e se fortalece na profundidade de uma sociedade que não aceita nem dignifica a nossa posição, enquanto mulheres, em espaço de poder.
O que se espera genericamente do governo, nesse momento, é a realização de ações que invadem as comunidades periféricas e, através de uma falsa ideia de segurança, revive o processo de intensificar as diversas violências vividas pela população mais pobre.
Fátima é professora e foi a única política, enquanto senadora, a trazer discussões penais ao foco. Construir uma narrativa engessada e tendenciosa atribuindo a ela, como sujeito, a culpa de um colapso que tem raízes históricas no processo de militarização, fácil acesso às armas, golpe militar e ausência de debates socio-políticos que contemplem a segurança pública numa perspectiva humanitária é desonesto.
Esperamos, enquanto sociedade, que o colapso atual resulte em uma tomada de consciência tanto da população, no geral, quanto dos governantes em âmbito nacional, inicialmente, até se propagar em cada estado. O projeto é demorado, mas é somente através do reconhecimento de que a nossa trajetória e estruturação foi pautada em violência, armamento e de maneira ostensiva que alcançaremos o cerne da questão. A problemática pública não deve continuar sendo personificada. Afinal, não é Fátima Bezerra o nosso algoz.
Estefane Maria é atualmente Coordenadora Geral do DCE da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Militante da Kizomba e da Marcha Mundial das Mulheres.