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A questão do cuidado nas políticas municipais é pauta de encontro dos NAPPs/FPA

Os Núcleos de Acompanhamento de Políticas Públicas (NAPPs) de  Desenvolvimento Social, de Mulheres e de Trabalho, da Fundação Perseu Abramo (FPA), promoveram o encontro “A questão do cuidado nas políticas municipais”, na manhã desta segunda, 1º de abril. Realizada em formato virtual,  a atividade contou com a participação da economista Marilane Teixeira, do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho;  da representante da Rede CuiDDe – Cuidados, Direitos e Desigualdades, Tica Moreno; e de  Laís Abramo e Rosilene Rocha, do NAPP de Desenvolvimento Social. Também acompanharam o encontro, o presidente da FPA, Paulo Okamoto; a vice-presidenta da FPA, Vivian Farias; a ex-ministra Eleonora Menicucci, do NAPP Mulheres; e o coordenador do NAPP Trabalho, Artur Henrique. 

Em nome da FPA, Paulo Okamoto agradeceu todas as pessoas envolvidas nos núcleos, pela contribuição no avanço das propostas para o Brasil e para o Partido dos Trabalhadores, que resultarão em políticas públicas para os municípios. Artur Henrique, coordenador do NAPP Trabalho agradeceu a participação de todos e todas e destacou a contribuição da Marilane Teixeira no tema. Ressaltou a atuação da Laís Abramo nos NAPPs do Trabalho e do Desenvolvimento Social. Afirmou que o debate deve servir para construção de propostas concretas para as políticas públicas nas cidades. Vivian Farias, vice-presidenta da FPA, lembrou que, se é bem verdade que as mulheres são mais exigidas no cuidado das crianças, também é verdade que elas são chamadas para cuidar dos idosos da família. “Este não é um debate identitário. É um debate sobre a estrutura do Estado Brasileiro. E disputar esta estrutura  no município é o que precisamos fazer”, defendeu. 

A coordenadora do NAPP Mulheres,  Eleonora Menicucci, destacou a importância de ter três núcleos debatendo um tema que ainda é uma novidade, que é a política de cuidados. Também aproveitou o momento para falar dos 60 anos do golpe. “Não tem como iniciar um evento de tamanha importância sem citar os 60 anos do golpe civil militar que assolou o Brasil por 21 anos. Fui vítima direta, três anos presa e torturada”, lembrou. “Nossa luta para romper o sangue derramado de várias pessoas, o assassinato, o sangue que manchou a sociedade brasileira, abriu portas muito grandes na luta pela democracia. Se nós temos hoje um Partido das e dos Trabalhadores, e uma fundação potente como a nossa, nós devemos aquela geração e a todos que lutaram naquela época” testemunhou.

Integrante dos NAPPs de Desenvolvimento Social e do Trabalho, Laís Abramo apresentou um quadro do diagnóstico realizado pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) da Política de Cuidados, instituído pelo presidente Lula no dia 30 de março do ano passado. O GTI é composto por representantes de 20 ministérios e deve apresentar seu relatório em maio deste ano. Para ela, o primeiro desafio foi constituir o escopo do estudo a ser realizado, com a própria conceitualização do cuidado. “Cuidado é um trabalho, uma necessidade e um direito. O trabalho envolve a produção de bens e serviços necessários à reprodução e à sustentação da vida”, explicou Laís Abramo. Sobre o direito e a necessidade, a pesquisadora frisou que muda a intensidade conforme o ciclo da vida. 

Laís Abramo apresentou dados de pesquisa que mostram que as mulheres dedicam o dobro do tempo que os homens às tarefas de cuidado. “Isso contribui para o quadro de pobreza e desigualdade enfrentado pelas mulheres”. Essa jornada é mais alta ainda entre as mulheres negras, que chegam a 45% do total da força de trabalho remunerada de cuidados,  conforme dados da PNAD. “O trabalho de cuidados no Brasil não é só feminilizado, ele é racializado”, conclui Laís.

A pesquisadora também desconstruiu o chamado conceito “nem, nem” em relação às jovens. “A PNAD mostra que as jovens que nem estudam nem trabalham na formalidade estão dando conta das tarefas de cuidados em casa”.  Na outra ponta, apontou, estão os idosos, que formam um grupo que precisa de cuidados, mas que continua cuidando. “As mulheres idosas trabalham em média  21 horas por semana. Foi constatada uma alta dependência das famílias em relação à renda das pessoas idosas, onde 18% dos domicílios contam exclusivamente com a renda da pessoa idosa”, apresentou. 

Falando direto de Pequim, Tica Moreno, da Rede CuiDDe – Cuidados, Direitos e Desigualdades, ressaltou que é preciso recuperar a construção do movimento feminista neste debate. Também rememorou campanhas municipais anteriores, para situar, historicamente, a demanda por políticas de cuidados. “Toda vez que a gente faz campanha nas eleições municipais, a principal reivindicação das mulheres nas periferias é a creche, uma das políticas fundamentais de cuidado. Em 2020 também começou a aparecer com muita força o cuidado dos idosos como uma reivindicação das mulheres, que estavam deixando o mercado de trabalho para cuidar de pessoas idosas na família”, apontou. 

Tica destacou que, do ponto de vista feminista, temos alguns acúmulos, como o conceito dos cuidados e também da desigualdade de quem realiza. Também há um acúmulo da compreensão da herança do patriarcado e a necessidade de enfrentar a divisão sexual do trabalho e a dimensão de raça.  “Vemos que as mulheres vivem um trabalho contínuo, remunerado ou autônomo ou informal para o trabalho doméstico. Outro aspecto evidente é que falar sobre cuidados tem sentidos muito em disputa: que vai da perspectiva construída pelo GTI até à perspectiva ultrafamilista e heteronormativa de manter as mulheres nesta sobrecargas de tabalho permanente”, alertou. Por fim, apontou o grande desafio que é o orçamento necessário para uma política de cuidado que tenha o horizonte de universalização e satisfação das necessidades de cuidados que vemos na sociedade brasileira.  

“Se a gente olhar no âmbito municipal, o que vemos, no caso das creches, como os recursos são limitados, é que muitos municípios estão se apoiando em processos de terceirização e privatização da política de escolas infantis para dar conta da demanda. Esse formato de conveniamento tem significado mais exploração das trabalhadoras de creches conveniadas, que trabalham mais horas, cuidando de muitas crianças, às vezes sem pausa”, constatou. “E como a oferta não é de turno integral, na maioria dos casos, há o desafio das famílias de darem conta do buscar, levar, compatibilizando com seus horários de trabalho”, apontou. Por fim, Tica Moreno ressaltou um dos aspectos que está sendo construído na proposta de política nacional de cuidados, que é a intersetorialidade.  “Uma política de cuidados que só coloque caixinhas em diálogo não vai dar conta do desafio que temos pela frente, não se pode separar o econômico do social”.

Marilane Teixeira, do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho, e também integrante de dois NAPPs – Mulheres e Trabalho, destacou que as mudanças demográficas se aceleram e apresentam novos desafios para a sociedade. “As crescentes demandas por políticas públicas de cuidado, tanto para idosos quanto para a educação infantil, pressionam cada vez mais o Poder Público”, disse. “Neste quadro caberá ao Poder Público garantir o direito ao trabalho e à renda por meio da criação de oportunidades que atendam às necessidades da vida em sociedade, articuladas com um novo padrão de consumo e produção, orientado para a sustentabilidade e o bem viver”, defendeu Marilane.

Para corroborar com essa constatação, Marilane Teixeira apresentou dados de pesquisas sobre a cidade de São Paulo, onde jovens de até 29 anos são mais de 50% da população desocupada. De acordo com a PNADC, 20% das mulheres desempregadas alegaram que os cuidados com filhos ou idosos as impedem de buscar emprego. Essa mesma pesquisa, demonstra que, num universo em torno de 900 mil crianças de zero a cinco anos, 25% não frequentam nem creche nem pré-escola. Ela reforçou a necessidade de ampliação da oferta de creches e escolas infantis de turno integral. “O horário de atendimento nos municípios é incompatível com a dinâmica de trabalho, cujas jornadas seguem outra lógica”, apontou. Para Marilane, essa ampliação da oferta vai gerar novos postos de trabalho e, com isso, dinamizar a economia local.

Integrante do GT de Desenvolvimento Social, Rosilene Rocha abordou a experiência de Belo Horizonte, defendendo a necessidade de se garantir o corte de gênero e de raça de forma transversal nas diferentes políticas setoriais. “Em Belo Horizonte tivemos  experiências de gestão de testar a estratégia intersetorial, mas ainda assim o nosso avanço está aquém do avanço das políticas setoriais”, constatou. 

Entre os desafios, Rosilene destacou a necessidade de superação de questões históricas e estruturais nas políticas sociais, que ainda estão estagnadas no tempo, como por exemplo, o tema da saúde mental. “ Na educação, falamos de creches, mas as mães dizem que não tem como sair às 16h do trabalho para buscar os filhos na creche”, reforçou. Rosilene Rocha trouxe o desafio da gestão do território, que está na política nacional de assistência social. “Ainda incorporamos pouco as potencialidades de serviços que as comunidades têm nos seus territórios. São pessoas que conhecem o território, suas dinâmicas, para o bem e para o mal”, defendeu. “Se desvelarmos as organizações de cuidado que já existem nos territórios e que podem ser potencializadas pelo poder local, isso ajudará a resolver o limite orçamentário”, propôs. 

Redação DS

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