Atualmente se encontram em discussão na Câmara Federal as mais amplas e polêmicas propostas de alteraçãao no sistema eleitoral nas últimas três décadas.
A Câmara dos Deputados atua em três frentes para aprovar alterações importantes nas regras eleitorais, que já estariam válidas para as eleições do ano que vem: a) Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso, b) PEC do distritão e, c) PEC do novo Código de Processo Eleitoral.
A seguir traz-se, ainda que sinteticamente, os principais temas em discussão.
VOTO IMPRESSO
A comissão especial da Câmara dos Deputados sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/19, que torna obrigatório o voto impresso, rejeitou nesta quinta-feira (5) o substitutivo apresentado pelo relator, deputado Filipe Barros (PSL-PR). Foram 23 votos contrários ao parecer, ante 11 votos favoráveis.
Os deputados voltam a se reunir nesta sexta-feira (6), às 18 horas, para analisar o relatório de Júnior Mano. Ele poderá inclusive recomendar o arquivamento.
Em reação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que a PEC do voto impresso poderá ser avocada pelo Plenário, mesmo depois da derrota no colegiado. “Comissões especiais não são terminativas, são opinativas, então sugerem o texto, mas qualquer recurso ao Plenário pode ser feito”, explicou. Na sexta-feira (06/08) Lira anunciou que leverá o tema a plenário.
A postura de Lira suscitou estranheza e criticas de variados parlamentares eis que, conforme noticiado, “nunca aconteceu de uma PEC rejeitada ir ao plenário. O presidente da Câmara entende que, por ter sido rejeitado pela comissão especial, o texto dificilmente passaria no plenário da Casa. Por isso, normalmente não se pauta no plenário”.
Segundo a imprensa, “o anúncio feito por Lira tem como pano de fundo dois movimentos: deixar em segundo plano a discussão sobre uma nebulosa reforma política que tem sido articulada pelos deputados e dar munição ao bolsonarismo para justificar uma eventual derrota nas eleições de 2022”.
Foi apresentada pela deputada Renata Abreu (Podemos-SP) a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 125/11, que pretende substituir o sistema proporcional, em que há o quociente eleitoral, que valoriza os votos de todos os candidatos por um sistema majoritário de escolha, o chamado distritão. No novo sistema, seriam eleitos (as) apenas dos candidatos (as) mais votados (as), sem levar em conta os votos dados aos partidos como acontece no sistema proporcional.
O distritão é considerado entre especialistas como o pior sistema eleitoral do mundo por fragilizar os partidos políticos priorizar a individualidade na política, dar ampla margem ao abuso do poder econômico e desprezar o voto de 60% dos eleitores e fragilizar a democracia, facilitando a cooptação dos parlamentares pelo governo.
A maioria dos presidentes de partido está contra o projeto. Sem consenso sobre a adoção do distritão para 2022, pelo menos 15 parlamentares de 11 siglas, do PT ao Novo, passando por parlamentares do Avante, PSD, Patriota, PROS, PSOL, Solidariedade e PSB, da comissão especial que trata do assunto se pronunciaram em público contra o modelo. Eles argumentam que o sistema diminui a representatividade da sociedade, sufoca a pluralidade do Congresso e enfraquece os partidos políticos.
Diante da resistência a adoção do distritão para 2022, a relatora da reforma eleitoral em comissão especial da Câmara, Renata Abreu (PODE-SP), não conseguiu reunir apoio na madrugada desta quinta-feira (05/08) para aprovar seu parecer. Antes da sessão, a parlamentar amenizou a formatação desse modelo para a escolha de deputados em seu parecer. Ela, porém, recuou no momento em que seria realizada a votação. Após divergências, o texto foi retirado de pauta.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), criticou hoje (06/08) a sugestão de mudança do sistema eleitoral vigente, o proporcional, para o “Distritão”. De acordo com o parlamentar, não é razoável mudar o sistema eleitoral de 2017. “Temos criatividade legislativa no Brasil de tentar mudar as regras com a bola rolando”, ironizou.
A alteração da Constituição, se for adiante, ainda precisará passar pelo plenário da Casa e, depois, ser referendada pelo Senado. Para valer já no ano que vem, as mudanças têm de ser promulgadas antes de outubro próximo — um ano antes da eleição.
Noutra frente, os deputados Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) e Soraya Santos (PL-RJ) protocolaram, na última segunda-feira (2), na Câmara dos Deputados projeto de lei complementar (PLP 111/21) que faz ampla reformulação em toda a legislação partidária e eleitoral. A proposta é de um grupo de trabalho sob relatoria da deputada Margarete Coelho (PP).
O texto propõe a criação de um novo Código Eleitoral, unificando normas esparsas em outros diplomas legais, como a Lei dos Partidos, a Lei das Eleições, o Código Eleitoral e a Lei da Inelegibilidade. A proposta possui 902 artigos distribuídos em cerca de 400 páginas.
A seguir se destacam algumas das propostas do projeto.
Resoluções Eleitorais e Competência do TSE: o texto permite que o TSE expeça regulamentos para fazer cumprir o Código Eleitoral, com anterioridade de o1 anos das eleições, mas possibilita que o Congresso suspenda a eficácia desses normativos caso considere que o tribunal foi além de suas atribuições. Conforme a proposta, o TSE não poderá editar regulamentos em contrariedade com a Constituição e com este Código, tampouco restringir direitos ou estabelecer sanções distintas daquelas previstas em lei”, diz o segundo parágrafo do artigo 133.
Fim do sistema próprio da Justiça Eleitoral: o projeto prevê que a apresentação dos documentos seja feita por meio do sistema da Receita Federal, não mais pelo modelo atualmente usado pela Justiça Eleitoral. Técnicos afirmam que a mudança criaria dificuldades a tabulações e os cruzamentos de dados hoje feitos pela Justiça Eleitoral.
Fundo Partidário: o projeto lista uma série de despesas que podem ser pagas com recursos públicos do fundo partidário — como em propagandas políticas, no transporte aéreo e na compra de bens móveis e imóveis. No entanto, dispõe que a verba poderá ser usada em “outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação da executiva do partido político” o que, permite que quaisquer despesas sejam pagas com verbas do Fundo .
Prestação de contas: a análise das contas deverá se restringir ao cumprimento de regras burocráticas. Nos termos do projeto, é permitido que novos documentos sejam apresentados a qualquer momento do processo pelos partidos. Será permitido que partidos usem recursos públicos para contratar empresas que fariam auditoria na prestação de contas, tirando esse poder da Justiça Eleitoral. O prazo para análise das contas pela Justiça Eleitoral baixa de 05 para 02 anos.
Teto para multas e Devolução de Recursos: conforme a proposta é estabelecido um limite de R$ 30 mil para multar partidos por desaprovação de contas desses. Atualmente, a legislação fixa que a multa será de até 20% do valor apontado como irregular. O projeto também prevê que a devolução de recursos públicos usados irregularmente pelos partidos deve ocorrer apenas “em caso de gravidade”.
Mulheres: conforme a proposta as candidatas poderão usar cota em benefício de candidaturas masculinas.
Negros e Negras: o texto não fixa obrigação de cota racial para registro e financiamento de candidaturas negras.
Inelegibilidade: as condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade devem ser analisadas unicamente no momento de formalização do registro de candidatura.
Cassação de Mandado: o texto condiciona a cassação de mandato à presença cumulativa de alguma forma de violência e a demonstração de “probabilidade de nexo causal entre a conduta ilícita e o resultado da eleição” o que, no caso da compra de voto, tornaria extremamente dificultosa a aplicação da pena.
Transporte irregular de eleitores (as): é descriminalizado. A infração passa a ser punida na esfera cível com aplicação de multa de R$ 5 mil a R$ 100 mil, sem prejuízo da possibilidade de ajuizamento de ação pela prática de abuso de poder.
Caixa 2: passa a ser crime específico, com pena máxima passível de acordo de não persecução penal.
Pesquisas: hoje permitidas até o dia da eleição, teriam a divulgação limitada ao prazo de dois dias antes da votação. Os institutos teriam ainda de publicar um percentual dos acertos nas últimas cinco eleições.
Propaganda eleitoral negativa: segundo a proposta, apenas propaganda eleitoral negativa irregular que contiver “acusações inverídicas graves e com emprego de gastos diretos em sua produção ou veiculação” estará sujeita à multa o que, em tese, pode levar a aumento dos discursos de ódio e ofensas pessoais nas campanhas.
Acesse aqui a íntegra do PL 111/21
Para as mudanças valerem para as próximas eleições, o projeto precisa ser aprovado até outubro deste ano. Projeto de lei complementar exige que pelo menos 257 deputados votem a favor, além da aprovação no Senado.
A intenção do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é votar o projeto direto no plenário, sem passar pelas comissões. No entanto, se inicialmente ele falava em votar a proposta em julho, nesta semana ele declarou que é possível votar até setembro e que “não há problema” se o projeto não valer para a eleição de 2022. No mesmo sentido, a relatora da proposta, afirmou que “Para mim, esse assunto é super tranquilo, não tenho compromisso com 2022. Não tenho pressa para aprovar. Tenho compromisso com um bom Código”.
As propostas de reforma eleitoral, já aprovadas pelo plenário do Senado no primeiro semestre de 2021, alteram a legislação em vários aspectos diferentes. No momento, a alteração tramita na Câmara dos Deputados e aguarda parecer favorável.
A seguir apresenta-se o conteúdo de cada uma destas:
Cotas de gênero e raça: anistia todos os partidos que não cumpriram as cotas de gênero e racial nas eleições realizadas até agora.
Cota de candidaturas femininas: estabelece cota de cadeiras femininas nos Legislativos (18% em 2022, chegando a 30% em 2038), mas retira a exigência de que os partidos lancem ao menos 30% de candidatas
Quociente Eleitoral: atualmente mesmo que os partidos não atinjam um patamar mínimo de votos participam da disputa das chamadas sobras, que são as cadeiras residuais no Legislativo não ocupadas na primeira distribuição. Com a proposta só participarão da disputa das sobras caso atinjam o quociente eleitoral (número de votos válidos dividido pelo número de cadeiras).
Para entrar em vigor nas próximas eleições, em 2022, é necessário que sua aprovação na casa aconteça até outubro deste ano.
DEFICIT DEMOCRÁTICO E RETROCESSOS
A contrariedade a forma e ao sentido da reforma política em discussão na Câmara Federal tem sido expressa por especialistas e variados setores da sociedade civil.
Conforme o Doutor Lúcio Costa, advogado eleitoralista, ‘as propostas de alteração do sistema eleitoral, ao somarem adoção do distritão e um novo Código Eleitoral são as mais amplas e de maior impacto apresentadas nas últimas décadas.
No entanto, segundo o advogado, “todo esse processo de mudanças apresenta um deficit de participação social eis que, as alterações sugeridas padecem de um efetivo debate com a sociedade civil o que, evidentemente resulta em prejuízo para a democracia”.
Ademais, registra Costa que, “algumas das propostas como, por exemplo, o distritão requentam matérias já apreciadas e rejeitadas pelo Legislativo e, outras são evidentes retrocessos de duvidosa constitucionalidade como o são o caso da abolição das cotas de gênero e racial”
Sem dúvida mudanças são necessárias, consolidar a legislação eleitoral é importante, mas isso há de ser feito sem açodamento, com participação da sociedade e, de modo a ampliar a democracia e, não arestringgir direitos”, afirma o advogado.
Recentemente, a Frente pelo Avanço dos Direitos Políticos das Mulheres e Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político lançaram manifesto no qual afirmam que “A reforma eleitoral em curso no Congresso Nacional é perigosa para a democracia e precisa ser barrada com urgência”
Conforme o manifesto:
Na forma, no conteúdo e no simbolismo, os Projetos de Emenda à Constituição que tramitam na Câmara (PEC 125/2011) e no Senado (PEC 18/2021 + PL 1.951/2021) avançam com pressa e sem debate social, trazendo um combinado de propostas que, a um só tempo, altera o sistema eleitoral proporcional para o modelo mais caro e individualista do mundo, o Distritão; ignora a estruturante desigualdade étnico-racial na disputa eleitoral; e desfaz importantes mecanismos de ação afirmativa para fortalecimento político e econômico de mulheres candidatas, como a obrigação de preencher o mínimo 30% de candidaturas femininas, com igual percentual de tempo de Rádio e TV e de financiamento público.
Conforme o manifesto “Qualquer mudança nas regras do jogo só é legítima se houver participação da sociedade civil e com a apresentação de propostas que caminhem em direção à garantia da diversidade e pluralidade nas representações políticas”.
Fonte: Agência Câmara, DIAP, Isto É, El Pais.
- Lucio Costa é advogado e da cordenação nacional da DS