A lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015, vai reger as eleições de 2016. Conhecida como a “mini-reforma”, elaborada sob a batuta de Eduardo Cunha(PMDB) e com a sustentação do “centrão “ e da direita neoliberal, conseguiu o que parecia impossível: piorar o sistema eleitoral brasileiro.
Por Raul Pont
Seu objetivo foi construir uma alternativa aos projetos que buscavam tornar mais democrático e representativo o processo eleitoral. A “mini-reforma” foi a resposta da direita aos projetos que vieram do governo Lula e nunca chegaram ao plenário da Câmara Federal e da iniciativa da sociedade civil liderada pela OAB e CNBB. Essas iniciativas tinham os pontos comuns do fim do financiamento empresarial aos candidatos, o voto em lista partidária com variantes e o fim das coligações proporcionais.
A “mini-reforma” liderada por Eduardo Cunha (PMDB) e a direita na Câmara Federal, ao contrário, tem como objetivo tornar mais excludente, elitista e personalista a forma de escolha dos candidatos.
Num verdadeiro deboche à cidadania, a ementa da lei, que alterou parcialmente as leis eleitorais de 1995 e 1997, a apresenta com o objetivo de “reduzir os custos das campanhas eleitorais, simplifica a administração dos partidos e incentivar a participação feminina”.
A hipocrisia da ementa servia para tentar esconder o objetivo central desta reforma: constitucionalizar o financiamento empresarial (pessoas jurídicas) aos candidatos escolhidos a dedo por essas empresas. O Brasil corria o risco de transformar suas eleições na farsa democrática da plutocracia dos EEUU, onde nenhum candidato atravessa as primárias partidárias e chega na representação bi-partidária da disputa sem ter recebido alguns bilhões de dólares no caminho.
O veto da presidenta Dilma, alicerçado no posicionamento da maioria do Supremo Tribunal Federal, barrou o pior e as regras para 2016 sofrerão uma substancial modificação. Essa mudança histórica na vida política do país será, sem dúvida, a grande novidade no processo eleitoral do próximo ano.
A lei nº 13.165, no entanto, mantém o voto nominal e a possibilidade das coligações proporcionais, estimulando o personalismo, o arrivismo e o descompromisso das candidaturas com os partidos e a identidade ideológica e programática que deveriam possuir.
A possibilidade da coligação proporcional, em contradição com um sistema que já é baseado na proporcionalidade, é a principal responsável pela inflação sem fim de novas siglas partidárias que sobrevivem mesmo sem alcançar o quociente eleitoral onde disputam, graças ao disfarce ideológico e programático das coligações. Aí está a fonte dos “balcões de negócio” em que se transformam essas siglas em torno dos recursos do Fundo Partidário, dos tempos de rádio e TV e dos financiamentos pelas “alianças”.
Mas, dizíamos, na abertura do texto, que a lei nº 13.165 conseguia piorar o que já era ruim.
A filiação partidária exigida que era de um ano caiu para 6 meses e esse semestre é antecedido de um mês, o sétimo antes da eleição, onde se abre a “janela” do troca-troca. Não satisfeitos com o oportunismo e o arrivismo dos que se filiam na última hora, sem vínculo programático e prática testada no interior dos Partidos, o “centrão” comandado por Eduardo Cunha (PMDB) e a direita neoliberal aprovaram o troca-troca de março sem perda de mandato para os que já exerçam representação parlamentar. A desfaçatez do texto justifica a troca como “justa causa”.
Além disso, a lei encurta o tempo de campanha, restringe o processo a 45 dias pois só é permitida após 15 de agosto, assim como o tempo de rádio e TV gratuitos aos candidatos.
Toda a propaganda em espaços públicos é vedada, proibida: placas, cavaletes, faixas, estandartes, bonecos. Nos espaços privados, particulares, a propaganda é permitida em cartazes que não ultrapassem meio metro quadrado!
A democracia, a formação da cidadania, o espaço para o debate e o conhecimento público ganhou com isso? É evidente que não. Isso só interessa às emissoras de rádio e TV e as candidaturas que possuem recursos próprios ou já tenham grande reconhecimento público por estarem nos meios de comunicação ou serem atletas e/ou artistas e músicos consagrados.
O texto aprovado chega ao cúmulo de transferir para as emissoras que farão debates a faculdade de convidar ou não representantes de partidos que não possuam mais de 9 deputados federais.
A lei nº 13.165, portanto, não cumpre o que promete e dificulta as candidaturas e partidos com menos recursos. Como o voto nominal continua, mesmo sem financiamento empresarial, o cidadão, a pessoa física que tenha patrimônio, grandes rendas, continuará sendo privilegiado.
Na lei, nada fortalece os partidos que deveriam ser a principal referência para uma pedagogia programática nos processos eleitorais. Continuará a pulverização de candidaturas individualizadas com baixíssima identificação programática e sem compromissos partidários. As coligações continuarão estimuladas pelo pragmatismo, pela soma de siglas que não significam projetos, movidas por mais espaço de rádio e TV.
O sistema eleitoral brasileiro poderia ser muito melhor e menos responsável pela corrupção e o pragmatismo reinantes. Mas isso não é espontâneo nem uma fatalidade inexorável. Nossos vizinhos na América, Uruguai, Argentina e outros já praticam experiências bem mais sólidas de representação e legitimidade. Nosso caso é deliberado, pensado e mantido, conscientemente, por uma classe dominante que não quer abrir mão dos privilégios da exploração e das desigualdades que ainda subsistem e encontram na política a sua reprodução. Basta ver quem são os Partidos, os deputados e senadores que aprovaram essas medidas e quais os que lutam por uma verdadeira reforma político-eleitoral.
A classe dominante brasileira quer nosso sistema político semelhante “a regra do jogo” da rede Globo onde a “eterna luta do bem e do mal” mistura e vale tudo. Uma aparente e sofisticada “ dialética” onde o mocinho é o bandido, onde o bandido é o herói e vice-versa. Onde ninguém marca cartão-ponto, nem vive as contradições das relações de trabalho. As origens sociais sempre obscuras onde os pais não reconhecem os filhos e estes não sabem quem são seus pais, onde a burguesia coexiste com o tráfico e a polícia em sua permanente crise existencial entre a favela e seus palacetes. A sobrevivencia é fruto da esperteza, do trambique e do encosto dos apaniguados nas sobras do Capital. Depois de muita cerveja, boteco e baile funk, o “espírito cordial” do brasileiro garante casamentos e arranjos entre ricos e pobres com grande generosidade.
Enquanto as leis eleitorais forem parecidas com “ a regra do jogo” da Globo, a classe dominante brasileira exercerá com tranquilidade sua dominação.
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