Falar sobre o Parlamento é algo complexo. Na gênese, a superação do estado capitalista deve levar à superação das instituições burguesas. Falar em eleições parlamentares é tratar do sistema político e da força do capital nas eleições. Ao defender uma estratégia para o Parlamento, corremos o risco de cair em uma armadilha e fazê-lo de tal forma a legitimar as instituições burguesas.
O Partido dos Trabalhadores, como ferramenta de organização da classe trabalhadora, por dentro das instituições, é o maior partido de esquerda do Brasil com a responsabilidade de apontar caminhos de superação à miséria na qual o nosso país foi jogado desde o governo golpista de Michel Temer, tendo como horizonte a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e democrática.
O PT tem a tarefa de mobilizar os partidos do campo de esquerda e construir importantes saídas para a crise gerada por esses que se apossaram do poder e que promovem um nítido desmonte dos direitos sociais e da economia do Brasil, além de implementarem uma política de morte. Foi assim quando construímos as condições para a aprovação da Renda Básica Emergencial ainda no primeiro ano da pandemia. E tem sido assim diariamente nas lutas travadas no Congresso Nacional.
Quer dizer, nossa compreensão deve ser no sentido de que o Parlamento é uma das arenas em constante disputa interna e externa. Externa, porque é fora dele que estão as ferramentas de acesso: o voto popular. Interna, porque dentro dela estão instituídas as contradições da democracia liberal.
Por muitas vezes a Democracia Socialista debateu a necessidade de mudança real no sistema político. A reforma política foi pauta direta de debate da nossa tendência em muitas oportunidades. Desenhamos, por muitas vezes, estratégias de superação desse modelo que privilegia o capital durante o processo eleitoral e que por isso solapa a democracia. Discutimos sobre o enfraquecimento dos partidos políticos imposto pelo atual sistema que permite a criação de novos pequenos partidos de aluguel mesmo que sem um programa real de disputa política na sociedade, a fim de manter vivo o mandonismo. Denunciamos o falseamento da vontade popular, por conta de um sistema que elege governos, mas fatia o poder no Congresso Nacional em pequenas bancadas, obrigando, assim, os governos à real necessidade de loteamento de cargos. O que não debatíamos é o novíssimo fenômeno de captação de grupos partidários por parte de setores empresariais e que, com isso, acabaria mascarando ainda mais nossa democracia e enfraquecendo sobremaneira os partidos.
De 2018 para cá, além de termos de conviver com as já conhecidas bancadas da “Bíblia”, do “Boi” e da “Bala”, se instituiu também a bancada do “Lemann”. Rostos novos na política, com discursos tecnicistas (e por que não dizer “elitistas”?), transitando entre PDT, PSB e NOVO, apoiados pelo segundo homem mais rico do Brasil e com algo em comum: a defesa das políticas neoliberais mercadistas de Paulo Guedes. Aliás, esse ponto que une a bancada do Lemann, é também o que os une ao Centrão, afinal, nas votações sobre Reforma da Previdência, por exemplo, lá estavam todos eles votando em bloco pelo fim da aposentadoria, mesmo que contrariando as orientações do PDT e do PSB.
Falando em Centrão, figuras como Eduardo Cunha, Rodrigo Maia e agora Arthur Lira, encontraram a fórmula para emplacar a sua agenda política ainda que a força. A ascensão dessas criaturas como lideranças de um bloco de partidos de aluguel, com capacidade de pressionar o governo por conta da quantidade de votos que representam na Câmara dos Deputados, é algo que, como falamos anteriormente, solapa a democracia, enfraquece os partidos políticos, reforça o mandonismo e obriga os governos a modificarem sua agenda política.
O Centrão não é fiel aos governos, mas obriga os governos a serem fieis a esse bloco, sobretudo a partir do Golpe de 2016 quando Eduardo Cunha e sua trupe demonstrou toda a sua força para ditar os rumos da política. Colocam-se como democratas, não extremistas, mas não abandonam o governo fascista de Bolsonaro por conta das pautas que Paulo Guedes e Ricardo Salles emplacam na política econômica e ambiental, respectivamente. Prova maior disso é o engavetamento, por parte de Rodrigo Maia e Arthur Lira, de todos os pedidos de impeachment de Bolsonaro. Criticam Jair Bolsonaro para os eleitores, mas sentam com o governo para aprovar as medidas mais cruéis contra o povo brasileiro.
Esse é o cenário atual da Câmara dos Deputados e tende a piorar. Se em 2005 tecíamos críticas à política adotada pelo grupo majoritário do PT por abrir o governo federal a determinados partidos, em nome da governabilidade, o que vem se desenhando para daqui a pouco tende a ser ainda mais complicado devido ao fortalecimento do Centrão e à ascensão desses grupos inflados por setores empresariais.
Vencer Bolsonaro exigirá um enorme esforço de todos nós, mesmo que com a presença de Lula. Mas, vencer os fascistas e os neoliberais, será algo ainda mais necessário e complicado. Uma vitória de Lula, do PT e do conjunto de partidos do nosso campo para o governo federal, exigirá, ao mesmo tempo, uma importante e necessária vitória das nossas chapas para o Congresso Nacional. Precisamos aumentar a nossa bancada na Câmara dos Deputados, no Senado Federal e também nas Assembleias Legislativas dos Estados.
Mas, mais do que aumentar a bancada, precisamos fortalecer um projeto político para o Parlamento. Nossas deputadas e nossos deputados, bem como nossas senadoras (que vamos eleger) e senadores, vão precisar ter como pauta central a radicalidade democrática. Dessa forma, nossas bancadas terão de fazer um trabalho constante de, diante da correlação de forças que estará colocada, empurrar o governo para a esquerda popular. Além disso, será necessário emplacar no Congresso Nacional um debate econômico sério que responsabilize os super-ricos pela crise e distribua renda por meio de políticas econômicas como a Renda Básica de Cidadania. Ou seja, precisamos voltar a crescer distribuindo renda e diminuindo a desigualdade, e cabe ao Parlamento forçar esse debate.
Também precisamos ter uma política séria de enfrentamento ao genocídio do povo negro e o encarceramento em massa da nossa juventude. A legalização da maconha e a descriminalização do aborto são temas que devem ser enfrentados pelas nossas bancadas com rigor e coragem. O fortalecimento do SUS, a defesa do SUAS, e a luta pela educação pública, bem como uma agenda política para a cultura, não podem ser deixados de lado.
Por isso, é hora de retomarmos uma estratégia para o Parlamento que trabalhe o partido para elegermos o maior número de candidatas e candidatos em 2022, mas que também fortaleça as nossas bancadas eleitas com um projeto político defendido e disputado pelo próprio Parlamento, com apoio popular, capaz de criar as condições e dar sustentação às reformas que um novo governo petista não poderá se furtar de realizar.
- Paulinho dos Santos é Cientista Social/UFRGS, mestrando em Ciência Política/UFRGS, militante da Democracia Socialista, Secretário de Formação do PT Sapucaia do Sul/RS e 1º Suplente de Vereador do PT Sapucaia do Sul/RS.