Este documento propõe um caminho para se construir nos próximos meses, de forma coerente, a governabilidade programática do segundo governo da presidenta Dilma Roussef, isto é, as condições de legitimidade institucionais, políticas e econômicas, de cumprimento do programa de governo referendado pela maioria dos brasileiros em outubro de 2014.
O primeiro e urgente desafio deste caminho democrático e republicano é o de isolar e derrotar politicamente a ação estratégica dirigida pelo PSDB que visa imediatamente instalar a ingovernabilidade, o eventual impedimento da presidenta Dilma e criminalizar o PT e a liderança histórica de Lula.O partido de FHC assumiu a identidade, a estratégia política e já está, de fato, empenhado desde os dias seguintes ao conhecimento de sua quarta derrota consecutiva na disputa presidencial a colocar em questão os resultados da democracia. No curto espaço de quatro meses, ele já questionou as contas da campanha da presidenta Dilma Roussef no TSE, tornou público um parecer jurídico encomendado sobre as possibilidades de impeachment da presidenta Dilma, tem feito um uso instrumental e anti-republicano permanente do processo de investigação da corrupção na Petrobrás, denunciou o Partido da presidente como facção criminosa, politiza e instrumentaliza greve de caminhoneiros, espalha nas redes sociais uma campanha histérica de ódio e intolerância e procura disseminar um clima de que o Brasil vive uma crise agônica e de desgoverno. E, agora, organiza e apóia manifestações que têm como centro a grita pelo fim antecipado de um governo democrático reeleito que mal começa o seu segundo mandato.
A democracia brasileira vive, pois, momentos decisivos, de uma tensão extraordinária e de um tempo acelerado. É preciso imediatamente colocar a nossa consciência à altura dessa nova situação e seus desafios. E responder a eles, construindo a nossa narrativa política, reposicionando a nossa estratégia, mobilizando e unificando nossas forças, disputando dia a dia o processo de formação da opinião pública, estabelecendo plenamente o princípio do governo democrático e de sua legitimidade.
O centro do caminho que estamos propondo é o de criar um movimento político permanente “Brasil Muda Mais” que, ao mesmo tempo, isole a estratégia golpista do PSDB e construa as condições da governabilidade programática do segundo mandato da presidenta Dilma.
Este movimento político “Brasil Muda Mais”, sob a liderança pública da presidenta Dilma e de Lula, deve fazer convergir toda a força democrática-popular dos partidos de esquerda e aliados, dos movimentos sociais do campo e da cidade, dos novos movimentos de jovens, da cultura e da intelectualidade progressista brasileira, do cristianismo popular e, a partir desse movimento, disputar a construção histórica de uma nova hegemonia no Brasil.
O movimento político “Brasil Muda Mais” tem cinco características centrais:
– concentração na defesa da democracia e denúncia do golpe, luta pela proibição do financiamento empresarial das campanhas eleitorais e pelo fim da corrupção, vinculando estas reivindicações a um novo ciclo de desenvolvimento econômico distributivo e sustentável, expansão dos direitos dos trabalhadores e das políticas sociais, abraçando também as causas libertárias dos negros, das mulheres, dos gays em curso na sociedade brasileira;
– nova capacidade comunicativa, ligada nacionalmente em rede e concentrada na disputa política da opinião pública dos grandes centros urbanos do país;
– estrutura frentista horizontal, abrigando todo pluralismo das correntes políticas, sociais, religiosas que se posicionam em favor das reivindicações, procurando dialogar e polarizar os pensamentos do centro e das consciências progressistas brasileiras;
– iniciativas comuns com um leque muito aberto de inovações e ações descentralizadas, compondo-se com as diferentes formas de luta das diferentes gerações dos movimentos sociais;
– coordenações e estruturas comunicativas permanentes e em rede nas metrópoles e nos grandes centros urbanos do país, irradiando-se para as cidades pólos das diferentes regiões do país.
O sentido realista desta proposta está evidenciado na experiência vivida na campanha de Dilma, particularmente na dinâmica política construída no segundo turno das eleições, quando se projetou a possibilidade de construir uma nova síntese da experiência política, um movimento político social frentista, com fortes identidades de esquerda, com expressão eleitoral majoritária no povo brasileiro. Este movimento político em gestação foi capaz inclusive de sintetizar um slogan e vinculá-lo à liderança de Dilma: “ Muda Mais!”. Estas duas palavras afirmavam uma narrativa, isto é, a defesa das conquistas acumuladas nos últimos doze anos e seu aprofundamento através de uma transformação democrática do Estado brasileiro.
Este momento síntese, no que ele tem de projeção potencial, de promissor e de anunciação não pode e não deve ser esquecido politicamente no sentido forte da palavra, isto é, de uma experiência vivida que se incorpora ao nosso modo de pensar e fazer a política daqui por diante. Esquecê-lo, estabelecer uma descontinuidade em relação a ele, é, de fato, colocar-se ao revés de uma consciência popular duramente conquistada.
O modo de carregá-lo para a experiência do governo Dilma é estabelecer uma meta síntese para 2018, consoante com o movimento político-social “Muda Mais!”: vencer as eleições de 2018 com base na legitimação histórica, com expressão institucional e social, de um programa frentista de esquerda capaz de polarizar o centro. Ou em resumo: na luta pela realização do programa vitorioso nas eleições de 2014, construir a hegemonia dos socialistas democráticos.
Pensar o trabalho de construção do governo Dilma é, pois, elaborar as mediações que se fazem necessárias para realizar a meta síntese, a partir do legado promissor mas problemático legado pelas eleições de 2014, em especial no que ele tem de adverso ao programa da revolução democrática: a maioria conservadora no Congresso Nacional, o impasse na condução macro-econômica e a nova dinâmica de disputa neoliberal-conservadora de desestabilização da legalidade democrática e em um contexto regional no qual importantes processos como os que vivem a Venezuela e Argentina estão sob forte ataque dos capitais internacionais e, no primeiro caso,também de manobras desestabilizadoras da política externa dos EUA.
Esta meta-síntese – um modo de vincular o que fazemos no imediato ao futuro, de não perder a linha em meio ao labirinto das mediações que se impõem – nos coloca diante de um calendário prospectivo de trabalho, isto é, o sentido de um acumulado de conquistas a serem trabalhadas em direção à meta síntese nos tempos do governo Dilma.
Propomos dividir esta temporalidade do governo Dilma em quatro períodos, que vão se condicionando em continuidade, no sentido de que as conquistas ( ou derrotas) de um estabelecem o chão de trabalho do seguinte:
1. A conquista da governabilidade a partir da retomada vigorosa do sentido programático do governo eleito em 2014, construindo as mediações necessárias para sua colocação em prática
2. A preparação para a vitória nas eleições municipais de 2016 nas principais metrópoles e grandes cidades do país
3. A construção de uma frente político-social capaz de vencer as eleições presidenciais
4. A vitória, com um sentido hegemônico de esquerda, nas eleições presidenciais de 2018.
A conquista da governabilidade a partir do programa do segundo governo Dilma traduz um primeiro momento de uma luta difícil, dramática e de resultado incerto. A vitória eleitoral projetou mas não criou, nem poderia por si só, criar as condições da governabilidade programática. As eleições municipais de 2016 traduzem especialmente o desafio da hegemonia pois foi nos grandes centros urbanos, em especial mas não apenas no Sudeste, que revelaram mais fortemente as debilidades e impasses da esquerda. O seu enfrentamento define, em grande medida, a capacidade de vir a formar uma frente político-social programática de esquerda, capaz de polarizar o centro, e vir a ser amplamente vitoriosa nas eleições presidenciais de 2018. Por sua vez, a construção da vitória nas eleições presidenciais de 2018, com o sentido proposto, vai exigir um transcrescimento do movimento político “Muda Mais!”, isto é, a construção de uma nova síntese em um sentido mais avançado, mais profundo e mais orgânico do que a experiência vivida em 2014.
A construção deste movimento político deve ser também pensada em seu sentido de integralidade: ela implica não apenas em relançar o segundo governo Dilma ao diálogo e participação com suas bases sociais, superando seu isolamento institucional inicial, como também em uma superação do corporativismo dos movimentos sociais ( construindo novas agendas) e uma refundação ou relançamento do próprio PT enquanto partido do socialismo democrático. É esta nova convergência virtuosa que pode criar a força política hegemônica capaz de realizar a meta-síntese proposta.
Os desafios da construção da hegemonia
Chamamos de a conquista da governabilidade programática a construção – que será objeto de uma disputa permanente nestes quatro anos de governo já que não há uma hegemonia estabelecida – das condições de por em prática o programa de governo eleito em 2014 que alia a democratização do poder a um novo ciclo de desenvolvimento com distribuição de renda e democratização do acesso à propriedade (reformas agrária, urbana e regulação democrática dos meios de comunicação), ancorado no fortalecimento da esfera pública da economia frente aos mercados e na ampliação de direitos a uma pauta libertária e avançada em relação aos direitos humanos.
O desafio é o de como vencer, simultaneamente e na dinâmica de um tempo da política que não é ainda unilateralmente definido por nós mas está em disputa, os desafios do impasse econômico, da maioria conservadora no Congresso Nacional e da campanha permanente de desestabilização do governo conduzida a ferro e fogo pela oposição liberal-conservadora, através da instrumentalização da investigação da corrupção na Petrobrás.
O centro da resolução deste triplo desafio simultâneo, que parece ter convergido para desencadear a recente e brusca queda de popularidade do governo Dilma (da avaliação do governo, da imagem da presidenta e do próprio PT), está na organização programática da base política e social do governo como protagonista ativa e permanente na conjuntura do país. É apenas através desta dinâmica política e social que será possível criar uma nova legitimidade para um novo ciclo macro-econômico desenvolvimentista e socialmente distributivo e inclusivo, fazer um contra-peso ao conservadorismo do Congresso Nacional e reverter a conjuntura defensiva imposta pelos planos de desestabilização antidemocrática colocados em ação pela oposição liberal-conservadora. Sem ele, o segundo governo Dilma ficará prisioneiro cada vez mais do labirinto de contradições no qual parece enredado.
É preciso de imediato superar os sentimentos de perplexidade, desalento e ausência de perspectivas que ameaçam este início do segundo governo Dilma. Sem perder o sentido da dramaticidade da situação, é preciso entender que no fim das eleições até o carnaval perdemos capacidade comunicativa (com o fim do horário eleitoral gratuito e com a dispersão abrupta e arbitrária da nova e poderosa rede virtual construída), estabelecemos uma cisão na narrativa e na unidade política de nossa própria base em particular com as escolhas do Ministério da Fazenda e suas primeiras decisões, sofremos uma derrota na Câmara Federal cujas proporções e simbolismos poderiam ser evitadas e nos expusemos, sem defesa pública articulada, a um incessante e crescente processo de desestabilização e de criminalização do PT através da ação da oposição política-midiática neoliberal-conservadora e da instrumentalização para fins partidários de setores do Judiciário e da Polícia Federal, agredindo os mínimos princípios republicanos. Cada uma destas dimensões pode e deve ser superada, alterando em uma dinâmica virtuosa crescente a situação defensiva em que estamos hoje aparentemente encurralados.
O caminho que procuraremos desenvolver a seguir poderia ser nomeado como hegemônico, isto é, contendo a identidade dos socialistas democráticos mas em um sentido atualizadamente democrático e republicano. O centro deste caminho hegemônico é produzir uma alteração fundamental na correlação de forças do poder político do país, no sentido republicano, democrático e pluralista, alterando, portanto, o próprio horizonte possível das transformações. Uma política de esquerda não pode ser organizada a partir de “um programa mínimo” que justaponha as reivindicações acumulada dos vários movimentos sociais e forças políticas.
O centro deste caminho hegemônico é disputar e ocupar a liderança da luta democrática, em um movimento articulado do governo Dilma, do PT e partidos de esquerda e dos movimentos sociais. É a partir desta centralidade que devem ser articulados programaticamente a defesa do avanço nos direitos sociais e a retomada de um novo ciclo econômico desenvolvimentista, distributivista e sustentável. Ele pressupõe uma disputa de valores, de agendas e de programas, forte e permanente na sociedade para fazer frente à pressão midiaticamente rearticulada neoliberal e conservadora. E se coloca como prioridade a construção de um movimento político e social amplo de esquerda e com capacidade de polarizar forças do centro através de uma nova capacidade comunicativa.
Esta política hegemônica deve responder combinadamente e de modo virtuoso a cinco perguntas:
1. Como travar e superar o plano de desestabilização do governo e de criminalização do PT movido pela direita neoliberal?
2. Como construir um novo ciclo participativo nacional liderado pelo segundo governo Dilma, que seja capaz de soldá-lo permanentemente às suas bases sociais?
3. Como avançar no caminho da reforma política democrática e republicana do sistema eleitoral e de representação?
4. Como dar um salto de qualidade na capacidade comunicativa do campo democrático-popular?
5. Como superar os impasses macro-econômicos do desenvolvimento, socialmente justo e sustentável, da economia brasileira?
Posicionar o PT e o segundo governo Dilma na luta pelo fim da corrupção sistêmica no Brasil
A experiência das eleições de 2014 confirmou e sedimentou a identidade do PSDB e das forças neoliberais-conservadoras que se articulam em torno de seu projeto como um partido golpista da democracia e disposto à criminalização da esquerda brasileira, em particular do PT. Estas dimensões que se mostraram salientes desde 2005, atingiram um novo patamar na disputa do segundo turno das eleições presidenciais de 2010 pela candidatura Serra e se configuraram estrategicamente através da candidatura de Aécio Neves à presidência em 2014. Na linguagem da revolução democrática que estamos construindo trata-se de uma estratégia clara de contra-revolução democrática, isto é, o retorno de um programa neoliberal radicalizado se vincula a uma agressão aberta aos mínimos padrões democráticos e republicanos já conquistados pelo povo brasileiro.
Esta identidade e esta estratégia da contra-revolução democrática combinam cinco dimensões:
– um novo sentido orgânico do PSDB às forças neoliberais norte-americanas e européias que lideram a resposta mundial à crise do capitalismo de 2008, com a perspectiva de reinserir o Estado brasileiro nestas dinâmicas, inclusive no plano do continente latino-americano;
– a instrumentalização aberta de setores do Judiciário e do aparato policial do Estado brasileiro para gerar uma dinâmica permanente de desestabilização do governo;
– a adoção de uma política de “guerra de saturação” midiática, isto é, como vivemos em uma sociedade midiatizada, levar a todas as esferas da vida social ( religião, esporte, entretenimento, vida familiar etc) um discurso de intolerância radical em relação aos valores da esquerda e à sua própria legitimidade;
– a mobilização permanente de um ativismo de manifestações de rua, que procura conferir legitimidade simbólica às campanhas de desestabilização;
– a adoção como tática permanente do impedimento judicial ou do impeachment pelo Congresso Nacional do governo democraticamente eleito.
Como vem afirmando a Mensagem ao Partido nos últimos dez anos, não se combate este liberalismo conservador extremado e anti-republicano com pragmatismo político nem com uma visão de esquerda que dissocia socialismo de republicanismo, que retira o sentido estratégico da luta democrática dos socialistas em nome de uma “utilização instrumental das instituições da democracia burguesa”. Estas duas identidades, em particular a cultura do pragmatismo muito corrente na experiência petista, abriu um flanco histórico para se desenvolver, através do discurso instrumental e ideológico dos neoliberais, um anti-petismo na sociedade brasileira, para além de suas bases classistas originais, isto é, retirando o apoio ao PT e à esquerda em setores progressistas e até em setores populares.
O sentido público do programa transformador do PT, em sua perspectiva socialista democrática, exige que ele assuma a liderança no combate pelo fim da corrupção sistêmica no Estado brasileiro, relacionada ao conjunto de sua plataforma de democratização do poder. Não pode haver uma ética socialista do PT sem uma ética pública, isto é, a corrupção ou a convivência com a corrupção mina a própria identidade socialista do PT. O privatismo liberal, ao contrário, ao entender a corrupção como um fenômeno próprio do Estado e não como uma legitimação de interesses e privilégios privatistas para além daqueles formados democraticamente pelo interesse público, é incapaz de por fim às raízes da corrupção. As democracias liberais contemporâneas, nestes tempos de domínio neoliberal, estão profundamente marcadas pela corrupção sistêmica.
Uma resposta histórica à estratégia desestabilizadora e criminalizadora do PSDB exige por parte do PT e do governo Dilma um conjunto de respostas combinadas. A referência para este conjunto de respostas combinadas é a nova consciência política pública desenvolvida na candidatura de reeleição da presidenta Dilma: a centralidade conferida à agenda da corrupção, o deslocamento da acusação seletiva da mídia ao PT para a estratégia de combate e cerco à impunidade, o anúncio de cinco propostas que superam impasses atuais na punição aos corruptos e corruptores.
Uma resposta atualizada a este desafio exige, ao mesmo tempo, a consciência de que a resposta republicana necessária e urgente a este desafio tardou desastradamente desde pelo menos 2005, quando as forças da esquerda viram crescer e alcançar um certo nível de cristalização na opinião pública brasileira a acusação desqualificadora de que o PT é um partido que lidera um novo ciclo de corrupção no Estado brasileiro.A veracidade, a legitimidade, a integridade da palavra do PT está seriamente abalada hoje diante do senso comum do brasileiro e agora a estratégia é lançar o mesmo descrédito às lideranças públicas de Dilma e de Lula.
Não se move esta opinião cristalizada em diferentes graus na população brasileira apenas com uma campanha eleitoral. Contra a narrativa da criminalização do PT, diariamente reposta nos últimos anos, é preciso atualizar, no contexto da investigação da corrupção na Petrobrás, a nossa narrativa que se compõe, no fundamental, em seis peças argumentativas:
1) A corrupção no Estado brasileiro é sistêmica e não eventual, tem origens históricas na formação anti-republicana do Estado brasileiro e se renova com o financiamento empresarial bilionário das campanhas eleitorais, no quadro de um capitalismo fortemente rentista e patrimonialista
2) Foram os governos Lula e Dilma, sempre com o apoio do PT, que construíram os instrumentos inéditos na história republicana brasileira de prevenção, investigação e punição da corrupção, ao contrário dos governos do PSDB e conservadores cuja marca central é sempre a corrupção não investigada e impune
3) As práticas anti-republicanas vigentes no sistema político brasileiro afetaram também setores do PT e praticamente todos os partidos com maior expressão eleitoral na democracia brasileira. O PT já decidiu expulsar sumariamente todo filiado que estiver comprovadamente envolvido com casos de corrupção, que é incompatível com os valores socialistas democráticos e republicanos por nós defendidos.
4) As lideranças públicas do PT não vêem autoridade do PSDB e da mídia liberal-conservadora em sua disposição de acusar e criminalizar o PT exatamente porque são os maiores defensores do financiamento empresarial das campanhas, dos interesses rentistas e patrimonialistas e da impunidade: até agora nenhum grão corrupto do PSDB, apesar de todas as provas irrefutáveis, foi condenado e preso!
5) A investigação da corrupção na Petrobrás, em um esquema iniciado já nos governos FHC e que atinge vários partidos, é mais uma prova irrefutável do compromisso do PT e do governo Dilma em combater a corrupção: ela só pôde ocorrer a partir da nova lei apresentada pela presidenta Dilma de punir as empresas corruptoras e foi iniciada exatamente pela Polícia Federal
6) À nova consciência cidadã universal de repúdio à corrupção, cabe pensar, após doze anos já de exercício do governo federal, a partir dos avanços consolidados no combate à corrupção sistêmica centralizados pela CGU e pela Enccla, um programa para por fim à corrupção de caráter sistêmico no Estado brasileiro, inclusive com a prioridade ao fim do financiamento empresarial das eleições.
Se posta em prática, de forma articulada pelo segundo governo Dilma, pelos partidos de esquerda e pelos movimentos sociais, esta narrativa permite isolar, no plano da opinião pública e das instituições, a estratégia de desestabilização e criminalização posta em prática pelo PSDB.
No plano do segundo governo Dilma, cabem três iniciativas centrais. A primeira é dar encaminhamento prioritário aos compromissos firmados na campanha de propor as leis de combate à impunidade da corrupção. A segunda é retirar da quase clandestinidade o impressionante e complexo sistema de combate á corrupção sistêmica construído durante os governos Lula e Dilma. Há uma dimensão cívica do combate à corrupção sistêmica que precisa ser compartilhada e legitimada pela opinião pública cidadã. Na sua ausência, o maior combate à corrupção passa a ser visto como o aumento da corrupção a partir da sua maior visibilidade. Seria o caso inclusive de promover um pacto público cidadão de combate à corrupção. A terceira iniciativa é a de construir as bases da legitimidade e da capacidade do Ministério da Justiça para zelar pela não instrumentalização e pelo andamento republicano das investigações sobre a corrupção. É preciso reconstituir uma opinião pública progressista e republicana da inteligência jurídica do país, estabelecer um quadro publicamente legitimado de procedimentalização das ações da PF, disputar a jurisprudência republicana na cultura do STF brasileiro.
No plano do PT, é preciso a partir inclusive da resolução recém aprovada por unanimidade no Diretório Nacional, aprofundar o programa democrático do PT para por fim à corrupção sistêmica no Estado brasileiro. Este programa deve ser vinculado aos princípios anti-neoliberais e democráticos do programa histórico do partido em favor da democracia participativa, contra a privatização do Estado, em defesa do sentido público das empresas e instituições do Estado, de denúncia dos circuitos financeiros desregulados que são, por excelência, a matriz e conduto da alta corrupção.
Este programa deveria se afirmar em quatro grandes campos de iniciativas:
– a luta pelo fim do financiamento empresarial das campanhas eleitorais e dos partidos, que renovam os circuitos da corrupção sistêmica no Estado brasileiro;
– a adoção de medidas para o controle das remessas financeiras para paraísos fiscais, que desde o período neoliberal podem se desenvolver e crescer sem nenhum controle ou regulação eficaz;
– a doção das cinco propostas publicamente defendidas na campanha da presidenta Dilma Roussef que incidem exatamente sobre a impunidade e penalização dos corruptos;
– a generalização para as empresas estatais, esferas estaduais e municipais de governo de uma política de combate sistêmico á corrupção que criaram um novo paradigma de prevenção no governo federal.
Um novo pacto ético de compromissos do partido deve ser firmado, prevendo o compartilhamento coletivo e transparente de suas finanças, a superação de sua atual dependência do financiamento empresarial e do uso do poder econômico na democracia partidária, a denúncia e luta permanente contra os privilégios parlamentares. Por fim, é imprescindível que o PT organize, a partir desta nova centralidade e avanços no combate à corrupção, uma campanha nacional didática e de esclarecimento, em particular nos grandes centros urbanos, para se contrapor à campanha da direita para descaracterizar o PT (vinculando-o à corrupção) e universalizar o anti-petismo.
No caso dos movimentos sociais, em luta por seus direitos e pela reforma política democrática e republicana, é decisivo centralizar-se na agenda de apoio ao fim imediato do financiamento empresarial das eleições. É fundamental incorporar nas identidades, nos cursos de formação e nas formas de comunicação com destaque permanente a agenda da luta pelo fim da corrupção sistêmica no Brasil, evitando de vez que ela seja apropriada e redirecionada pela retórica neoliberal.
Promover um novo ciclo participativo nacional liderado pelo 2º governo Dilma
A criação de um novo ciclo participativo nacional liderado pelo governo federal é a forma, por excelência, de inscrever o movimento político “Muda Mais”, que se manifestou mais explicitamente no segundo turno das eleições presidenciais de 2014, no 2º governo Dilma.
Se construirmos uma narrativa longa dos avanços da democracia participativa desde o período da Constituição de 1988, podemos reconhecer um ciclo de experiências inéditas de participação no plano municipal cujo maior símbolo foi o orçamento participativo e um novo ciclo de proporções e sentidos inéditos no plano nacional a partir do primeiro governo Lula, cujo símbolo mais expressivo foram as conferências nacionais. É preciso reconhecer que este ciclo participativo municipal sofreu uma inflexão com a derrota petista em Porto Alegre em 2004, a redução do orçamento para o OP nas experiências governativas de Belo Horizonte e com a interrupção das políticas públicas para as cidades com a saída de Olívio Dutra do Ministério das Cidades. E que o ciclo participativo nacional, se teve uma continuidade na rotina do primeiro governo Dilma, não foi ao centro da agenda e esteve ausente em geral das políticas de infra-estutura planejadas sob a égide do PAC. A iniciativa da aprovação de um projeto chamado de Consolidação das Leis Sociais, que previa um formato participativo, elaborada ao final do segundo governo Lula, não teve curso.
Há, portanto, uma tríplice dificuldade para se instalar um novo ciclo de participação. Com a rejeição do decreto participativo 8 243 em 2014 e com a eleição da nova presidência da Câmara, um discurso hostil ou negativo em relação aos valores da participação se faz hoje mais presente, amplificado pelas grandes empresas de comunicação. Além disso, há um isolamento institucional das políticas de participação, tendo as áreas voltadas para a infra-estrutura e para a economia dissociadas de um ethos participativo mínimo. Por fim, há ainda um desencontro não superado – como se viu no início deste ano com os movimentos sociais pelo passe livre e pelas manifestações dos movimentos sindicais – entre a institucionalidade participativa do governo Dilma e a sensibilidade democrática que se manifesta nas ruas.
Um novo ciclo participativo deve, portanto, dar resposta a estes impasses postos na conjuntura. Deve ser pensado como um momento fundamental de construção da legitimidade programática do segundo governo Dilma e de construção de um novo padrão de governabilidade e de diálogo com a sociedade brasileira, não circunscrito ou centrado exclusivamente nas relações entre o executivo e o Congresso Nacional. As razões e valores que fundamentam a democracia participativa nesta conjuntura conflituosa não podem ser pensadas como a priori ou naturalmente legitimadas.
Pelo contrário, é preciso retomar com centralidade a noção de que a participação e o diálogo cidadão, a criação de espaços públicos de deliberação e de discussão, é um princípio de legitimidade de todo Estado democrático e republicano, baseado na soberania popular. Não é uma política apenas de governo mas fundamenta todas as políticas de governo. E como tal, deve ser diretamente liderado pela presidenta da República.
Por esta razão, um novo ciclo de participação deve ser concebido como nacional (federal, estadual e municipal), abarcar os três poderes (executivo, legislativo e judiciário) e fundamentar todas as políticas de governo (na área econômica, social, ecológica, cultural e principalmente política).
Mais do que um princípio estruturante, o diálogo e a participação cidadã têm dado uma contribuição decisiva à formação da agenda e das prioridades de governo ( como demonstram as pesquisas empíricas sobre o efeito das conferências nacionais, lembrando que tanto a política do salário-mínimo como o Bolsa Família são políticas que resultaram do diálogo com os movimentos sociais), ao combate à corrupção ( são exatamente os setores com menos participação social os mais vulneráveis à corrupção) e à própria eficiência da gestão pública (há estudos empíricos que a superação de entraves burocráticos é mais freqüente, como nas políticas sociais mais exitosas, ali onde houve mais ethos participativo).
Este novo ciclo participativo nacional deve aprofundar a combinação entre democracia representativa eleitoral parlamentar, democracia de participação cidadã delegativa ( conferências, conselhos, orçamentos participativos) e democracia cidadã direta ( (referendos, plebiscitos, consultas). Até agora temos trabalhado, no fundamental, de forma desvinculada a democracia eletiva parlamentar ( em processo de forte adaptação a um modelo de competição mercantil e elitista), a democracia cidadã delegativa ( que, em alguma medida, no plano nacional se adaptou às dinâmicas corporativas de cada área temática) e feito pouco uso da democracia cidadã direta. A dimensão participativa no plano legislativo do Congresso Nacional ficou secundarizada ou tratada no plano de lobbies de interesses e tem havido um inequívoco processo de rotinização corporativa das conferências nacionais.
Certamente as possibilidades da democracia cidadã direta, de referendos, plebiscitos e consultas, ficaram renovadas com os mecanismos e redes de participação virtual. Este novo ciclo de participação nacional deverá integrar com centralidade estas possibilidades, adotando-as como uma ferramenta fundamental de legitimação de suas políticas públicas e de suas agendas de transformação.
Este novo ciclo participativo nacional incorpora, portanto, com centralidade o tema da reforma política. A proibição do financiamento empresarial das campanhas eleitorais , se conquistada, deveria ter exatamente como contrapartida a aproximação entre as dinâmicas partidárias, eleitorais e parlamentares á moldura mais ampla da participação cidadã.
Menos do que encerrá-lo em uma dinâmica de um aprovação parlamentar submetida a constrangimentos e vetos, este novo ciclo participativo nacional deve estruturar um pacto permanente entre o segundo mandato Dilma e a população brasileira. Este novo ciclo participativo nacional dialoga com o Congresso Nacional mas se coloca como claro contraponto às forças que pretendem encerrar a vida dos partidos e do Congresso Nacional em uma dinâmica radicalmente anti-cidadã. O que ele se propõe não é substituir ou marginalizar os poderes do Congresso Nacional mas relacioná-los a uma dinâmica virtuosa de participação cidadã. O nosso adversário não é propriamente a noção de representação a partir do sufrágio universal mas as suas versões elitistas e mercantis que têm predominado nas democracias contemporâneas e, em particular, de modo gravíssimo no Brasil.
O esforço de criar um novo ciclo participativo nacional não terá sucesso se não construir conjuntamente um novo sistema público comunicativo, retirando estas políticas da invisibilidade midiática, vinculando em rede todas as formas de participação cidadã, criando seus novos símbolos e lideranças nacionais de participação cidadã. Seria vital, por exemplo, criar e conferir grande visibilidade pública a uma Plataforma Cidadã, que se relacionasse em tempo real com os movimentos sociais e as experiências participativas no governo federal.
As propostas participativas, consoante com a política geral do governo, devem estimular as cotas de negros, mulheres e juventude. Trata-se de evitar também as rotinas de perpetuação das delegações, de filtros seletivos que distanciam o funcionamento das instâncias participativas do cidadão comum. Um dos principais objetivos deste novo ciclo participativo nacional é exatamente o de estabelecer os vínculos com as novas dinâmicas dos movimentos sociais herdadas das manifestações de junho de 2013, romper a distância entre os novos movimentos sociais e as instâncias institucionalizadas de participação. Serão fundamentais, neste contexto, as políticas públicas e de participação voltadas para a juventude.
Este novo ciclo participativo deve prever a formação de fóruns de discussão regulares com intelectuais nas principais regiões metropolitanas do país, concebidos de modo pluralista, estabelecendo um diálogo crítico permanente com as tradições e novas redes intelectuais que estruturam a formação dos fundamentos da opinião pública nacional. A desarticulação das redes intelectuais republicana e progressista no sentido amplo está por detrás de cada impasse fundamental de política pública hoje no Brasil. Se queremos construir uma capacidade de disputa hegemônica seria fundamental reconstruir e colocar em movimento esta rede de intelectuais. A construção desta nova elaboração que pretende reconstruir um novo ciclo participativo nacional precisa e reivindica também a criação de uma inteligência participativa, capaz de elaborar, por exemplo, um atlas atualizado da participação no Brasil e de criar um indicador de participação institucional que possa referenciar as políticas públicas.
Por fim, seria importante reorganizar o chamado Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que foi tão importante na legitimação e pactação das políticas desenvolvimentistas principalmente no segundo governo Lula e que deixou de ter um funcionamento regular exatamente no momento exatamente no qual as políticas do chamado desenvolvimentismo social foram mais duramente atacadas , isto é, no primeiro mandato da presidente Dilma. Este déficit de legitimação democrática, que veio se aprofundando nos últimos anos, é um elemento central para explicar o impasse macro-econômico atual.
Seria fundamental que, como resposta mesmo às ameaças de desestabilização do governo Dilma e no calor dos combates públicos que iremos travar neste semestre, este novo ciclo participativo nacional fosse construído, de tal modo que o segundo mandato de Dilma já entrasse em seu segundo semestre com todo um sistema de diálogo e participação já interagindo de modo regular e funcional às suas dinâmicas de governo.
A luta pela reforma política no segundo governo Dilma
A democracia brasileira claramente se inscreve hoje, com suas particularidades, no diagnóstico das democracias ocidentais contemporâneo que estabelecem uma cisão entre o cidadão, seu voto, sua voz, seus direitos, e o funcionamento do sistema político, capturado pela mercantilização e oligopolização das eleições, do sistema de mídia e da crise do Estado do Bem-Estar. A investigação da corrupção na Petrobrás certamente vem agravar este quadro e levar este processo de deslegitimação a uma situação limite.
A candidatura Dilma nas eleições presidenciais de 2014 iniciou um diálogo importante com este sentimento democrático e republicano do povo brasileiro e que foi decisivo, na nossa avaliação, em sua vitória. Ele agora precisa ser aprofundado, ganhar conformação política nítida, identidade simbólica, força comunicativa e raiz social.
Os dois movimentos que se organizaram na luta pela reforma política – aquele que realizou um plebiscito pela convocação de uma Assembléia Constituinte Extraordinária no dia 7 de setembro que foi capaz de convergir centenas de entidades e partidos, com mais de 7 milhões de votos, e o outro que encaminha um projeto de lei no Congresso nacional coordenado pela OAB, CNBB, UNE e outro conjunto de entidades, já acumularam um patamar inicial importante de mobilização e organização. Mas eles não conseguiram estabelecer uma relação central com a agenda das eleições de 2014 e não estabeleceram, de forma mais nítida, uma relação democrática com a luta contra a corrupção, o que é fundamental para dialogar com a consciência crítica dos brasileiros em relação à política.
Por iniciativa de uma ação de Inconstitucionalidade movida pela OAB, o STF já definiu uma maioria de seis votos a um em favor da proibição do financiamento empresarial nas eleições. Esta votação tem um impacto decisivo e fundamental no que diz respeito à representação democrática e ao combate à corrupção sistêmica: o Brasil é hoje, junto com os EUA, no grau e na proporção da mercantilização do voto, um caso extremado no conjunto internacional das democracias. A votação no STF foi, em um procedimento irregular e extraordinário, suspensa em um período indeterminado por um pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes, que hoje se articula claramente com a iniciativa do presidente da Câmara.
Neste quadro, a iniciativa mais urgente para reposicionar os movimentos sociais e as entidades do campo democrático e popular é a unificação das duas campanhas pela reforma política no apoio à decisão do STF, exigindo a conclusão de sua votação. Esta unificação, sem prejuízo da continuidade das duas campanhas, já em processo de negociação, multiplicaria a força, a legitimidade e o poder comunicativo frente á alternativa anti-cidadã movida pela presidência da Câmara Federal, que tem em sua presidência escandalosamente o DEM.
Esta unidade e uma eventual vitória possível desta decisão criaria um novo momento político de construção de uma hegemonia na luta democrática, invertendo as componentes defensivas e negativas dos dois últimos meses. Ela poderia se vincular ao lançamento de um novo ciclo nacional de diálogo e participação a ser lançado pelo governo Dilma e às suas propostas de aprofundamento do combate à corrupção.
Neste período em que o Congresso Nacional aparece dominado por uma agenda conservadora em frontal contraposição à luta pelos direitos do trabalho, aos bens públicos e aos direitos humanos será fundamental a construção de um movimento unificado em torno a uma plataforma cidadã, capaz de mobilizar em frente toda a esquerda e todos os setores progressistas, em torno a projeto de iniciativa popular de leis. No campo dos direitos à educação, à saúde pública, ao transporte coletivo, à ecologia, aos direitos humanos, aos direitos dos negros, das mulheres, dos jovens, dos gays existe já hoje toda uma trama de coletivos, entidades, redes virtuais, fóruns e movimentos que precisam ganhar uma expressão política unitária na democracia brasileira. É o vigor e amplitude desta iniciativa que dará legitimidade a posições de veto da presidência da República, que poderá minar a ofensiva conservadora e neoliberal no Congresso, combinando a resistência parlamentar a propostas de retrocesso e preparando momentos políticos mais afirmativos dos direitos no Congresso Nacional.
É decisivo também que o PT, em diálogo com a opinião pública, construa iniciativas públicas e novos compromissos, que o sintonizem com a vanguarda da luta por uma política republicana e comprometida com as mudanças sociais. Um partido que centraliza a sua luta pelo fim do financiamento empresarial das campanhas não pode conviver com uma pragmática que o amarra e o pressiona em direção aos vícios do sistema partidário e eleitoral que se propõe com determinação a combater. Sem estas iniciativas e sem este diálogo com a consciência cidadã brasileira, o PT não conseguirá vencer o cerco do preconceito anti-petista em processo de cristalização na opinião pública.
Como dar um salto de qualidade na comunicação pública e na capacidade comunicativa do campo democrático-popular?
Há hoje uma nova e fundamental consciência no campo democrático e popular – dos partidos, dos movimentos sociais, da inteligência de esquerda – que o principal obstáculo à construção de uma hegemonia de esquerda e progressista reside no impasse da formação de uma opinião pública democrática no país. Esta nova consciência crítica precisa agora ganhar densidade analítica e programática para ser capaz de superar um impasse no qual está concentrada toda a força de legitimação das classes dominantes no Brasil.
Pensar a dimensão comunicativa da política é ir mais além do que recorrer às tradições da função tribunícia da imprensa (de denúncia da ordem capitalista e da ordem política), do jornal como organizador coletivo (vinculado às tradições de partidos de quadros ou de massa), da clássica distinção entre propaganda e agitação. A construção democrática da hegemonia exige a formação e a disputa permanente do juízo ou da opinião pública, ou seja, a capacidade dos socialistas democráticos estabelecer e disputar publicamente suas razões, conformando maiorias políticas. Assim, um déficit comunicativo de um partido em geral está relacionado à dificuldade de sua construção hegemônica. Este é certamente o caso do PT que tem apresentado historicamente o paradoxo de se constituir em um partido líder de uma coalizão eleitoral majoritária por quatro vezes em eleições presidenciais, mas não consegue estabelecer uma clara hegemonia de valores afins na sociedade na qual é governo.
É fundamental para esta construção hegemônica a relação entre a defesa de uma república democrática e a projeção de uma identidade e perspectiva socialista democrática. Isto é, aliar a defesa do pluralismo democrático, da propriedade pública e da regulação republicana do processo de formação de opinião com a luta pela constituição de novos valores de civilização anticapitalistas e afins aos valores do socialismo democrático. Como partido formado na tradição pós-stalinista, o PT sempre foi crítico ao monopólio da informação e da opinião, ao modelo partido único, ao domínio estatal do processo de formação de opinião e às restrições ao pluralismo. Mas ele certamente não conseguiu centralizar-se na defesa de um sistema público de comunicações e, ao mesmo tempo, lutar pela hegemonia no interior deste sistema público e pluralista. A dinâmica que prevaleceu historicamente foi, mais até do que em relação à adaptação à institucionalidade e ao sistema de governabilidade, disputar ou em vários contextos até dissolver sua identidade no sistema privado empresarial de mídias.
O primeiro desafio é compreender a natureza histórica da vantagem orgânica construída pelas classes dominantes no terreno da comunicação. Podemos identificar cinco momentos históricos decisivos:
(1) o primeiro na Era Vargas, quando prevaleceu a opção pelo sistema de mídia privada, com concessão do Estado, seguindo o paradigma norte-americano mas, de fato, sem adotar o seu sistema de regulação inibidor em alguma medida do processo de concentração econômica e da chamada “propriedade cruzada”;
(2) o segundo no período que precedeu a contrarrevolução de 1964, quando as classes dominantes não apenas conseguiram derrubar os vetos a uma lei privatista propostos pelo presidente Goulart mas formaram um embrião de organização nacional e a formação de comunicação em rede que, depois, se tornaria orgânica ao Estado ditatorial;
(3) o terceiro momento histórico, foi de forte investimento estatal na construção da infraestrutura física de telecomunicações e na formação dos modernos meios de comunicação de massa no país, que tem como símbolo a formação da Rede Globo de e a universalização do acesso à televisão;
(4) o quarto momento histórico foi aquele do período neoliberal, quando, sob a liderança do sistema de inteligência dirigido por Fernando Henrique Cardoso, programatizou-se em um sentido neoliberal unitário a agenda e o programa editorial dos principais meios de comunicação do país, de forma cruzada (televisão, rádio, jornais, revistas e, depois, rede virtual).
(5) O quinto momento histórico que forma o paradoxo que precisa ser decifrado é dos governos Lula e Dilma, nos quais prevaleceu uma incapacidade de fazer frente a esta herança liberal privatista e neoliberal de controle dos meios de comunicação, apesar de certo patamar de iniciativas tomadas ao fim do segundo governo Lula mas que não tiveram propriamente continuidade (a realização de uma primeira Conferência Nacional de Comunicação e a elaboração de uma proposta de regulação democrática que, todavia, nunca chegou a se tornar pública).
O segundo desafio é compreender o caráter estrutural – isto é, não conjuntural ou parcial – desta vantagem das classes dominantes no plano da comunicação. Este caráter estrutural pode ser definido como resultante da convergência de uma tripla vantagem:
(a) o prevalecimento em regime de oligopólio das grandes empresas nos meios de comunicação em detrimento da propriedade pública;
(b) a ausência de uma regulação democrática e o impedimento prático dos elementos republicanos contidos na constituição de 1988 (propriedade de meios de comunicação por políticos, neutralização do direito de resposta, não respeito ao pluralismo etc.);
(c) a indigência ou, na melhor das hipóteses, um subdesenvolvimento histórico da potência comunicativa das redes organizativas, comunitárias e sindicais e, em particular, do maior partido da esquerda brasileira.
Esta tripla vantagem estrutural pode e deve ser medida no plano econômico: enquanto em um lado se mobilizam continuamente dezenas de bilhões de reais, escandalosamente engordados com dinheiro público, do outro se contam os orçamentos na casa dos milhões. Esta vantagem estrutural formou suas redes de proteção no sistema internacional de mídia, na jurisprudência, nos parlamentos, associando poder comunicativo a poder econômico sempre mediado pelo poder político.
Neste sentido, não seria correto, como se faz de modo corrente, utilizando-se por analogia de um diagnóstico de Gramsci para a Itália pré-fascista, afirmar que os verdadeiros partidos de oposição neoliberal no Brasil são compostos pelas empresas midiáticas. Em graus diferentes, estas empresas sempre estiveram associadas às classes dominantes e resultaram certamente, já na sua origem, de sua simbiótica relação com o poder político e seus partidos de referência. Isto vale tanto para o chamado fenômeno do “coronelismo eletrônico” (a atualização de lideranças de políticos conservadores regionais com base no controle dos meios de comunicações locais) e mais ainda para o PSDB, que teve sempre uma consciência muito nítida, formada no paradigma norte-americano, que política de massas se faz com comunicação midiática.
Esta tripla desvantagem estrutural só é revertida conjunturalmente em situações excepcionais quando o sistema público democrático de propaganda eleitoral, a presença ativada e multiplicada da esquerda nas redes virtuais e a mobilização democrática e popular convergem em torno a uma narrativa comum. Em situações normais, a vantagem estrutural é massacrante: um sistema nacional, disseminado em todas as regiões, com acesso à audiência de todas as classes sociais, incidindo sobre todas as dimensões da vida social, agenda, enquadra, impõe um padrão sistemático de desinformação e converge para a formação anti-pluralista de opinião.
O terceiro desafio é assumir uma profunda autocrítica sobre as posições históricas da esquerda brasileira e, em particular do PT, em relação à construção programática de um sistema público de comunicação e de sua hegemonia socialista em um regime de pluralismo democrático.
Em suas fases históricas de maior influência o PCB, na ilegalidade, não pôde desenvolver um sistema aberto de comunicação, a matriz stalinista de sua identidade certamente limitava a sua consciência programática de um sistema público democrático e pluralista. E no pós-64, profundamente reprimido e em crise de paradigmas, sua inteligência cultural elaborou a “teoria da brecha”, que justificava uma ampla penetração e envolvimento nas empresas de mídia privada pelas virtuosidades de acesso ao público.
A formação do PT gerou um esforço generoso mas, fracassado, de construção de uma capacidade comunicativa própria apenas no início, no momento de afirmação de sua identidade. Em sua pragmática eleitoral, o partido foi crescentemente optando por terceirizar seu esforço de propaganda a grandes agências e diretores de publicidade. E, assim, sem centralidade e com parcos recursos, suas redes de comunicação foram se tornando “internas” ao primeiro circuito de influência social.
O que este curso revela é que a construção de um sistema público no Brasil nunca esteve no centro da agenda e do programa do PT. Esta lacuna tornou-se fatal quando o partido passou a liderar a coalizão que governa o Brasil: a política do Ministério das Comunicações e da própria SECOM-PR, foi durante quase todo o tempo o de procurar um pacto, cada vez de custo maior e mais improvável, com as grandes empresas de mídia – inclusive dirigindo a elas um montante cada vez mais expressivo de verbas publicitárias, financiando e subsidiando-a com prioridade, evitando assumir compromissos programáticos que ferissem, mesmo superficialmente, o paradigma neoliberal de valores e princípios que organizam, a partir da modelo norte-americano contemporâneo, a retórica agressiva das grandes empresas de comunicação.
De um ponto de vista histórico – pensando na história da esquerda brasileira e dos 35 anos do PT – , é muito recente e em formação a sua nova consciência pública e hegemônica. A rica experiência da imprensa sindical, dos movimentos sociais, certas iniciativas editoriais, em particular a importantíssima experiência da chamada imprensa alternativa, as novas experiências de sítios e blogs na rede virtual, bastante enriquecidas no último período, inclusive na campanha de reeleição de Dilma Rousseff, são infelizmente descontínuas e não formaram uma tradição. É preciso, pois, inventá-la, ou na melhor das hipóteses, reinventá-la a partir das experiências mais ricas e decisivas vividas.
A vasta influência nacional e social do PT, inclusive na intelectualidade e nos setores culturais, a riquíssima rede, plural e enraizada, de movimentos sociais do campo democrático e popular, a presença nos governos central , estaduais e municipais do país, nos legislativos e mesmo na cultura jurídica do país, o seu poder de agenda e financiamento tem todas as condições de convergir para um novo ciclo político comunicativo que alavanque o esforço de construção hegemônica dos socialistas democráticos.
Coerente com o diagnóstico realizado, este esforço deve ser pensado em um ciclo histórico (não conjuntural ou episódico ou descontínuo), capaz de estabelecer uma nova correlação estrutural de forças do setor público em relação ao setor empresarial e dos socialistas democráticos em relação aos neoliberais e conservadores, como um reposicionamento programático e de centralidade da dimensão comunicativa na tradição da esquerda brasileira. E deve ser capaz de projetar-se nas novas potencialidades abertas pela expansão em curso das mídias virtuais e interativas.
Começando desde já, ele deve abarcar três campos de esforços simultâneos, estabelecendo metas de curto, médio e longo prazo.
(1)O primeiro campo é o de colocar em prática e potencializar o princípio inserido na Constituição de 1988 (caput do artigo 223), que prevê a complementaridade entre um setor público estatal, um setor privado e um setor público não estatal de radiodifusão.
Este novo investimento público na comunicação deve ser pensado em sinergia com o sistema educacional que está sendo construído e o sistema público de cultura que vem se projetando. A inteligência universitária, dos cursos técnicos, do ensino fundamental podem e devem interagir com este esforço, beneficiando-se dele e projetando suas energias virtuosas na sociedade. A cultura popular brasileira, com suas redes regionais na linha dos pontos de cultura, pode expandir os paradigmas de entretenimento e fruição artística cotidiana dos brasileiros.
Um sistema público de comunicação, dirigido por conselhos pluralistas e mistos de representação do governo e da sociedade civil, deve envolver quatro tipo de iniciativas.
(a) O fortalecimento da EBC para a consolidação de uma TV pública nacional de qualidade, ligada em rede com emissoras regionais, poderia ter como meta alcançar em um prazo de quatro anos um patamar de 5 a 10 % de audiência. Uma meta assim plausível poderia criar um novo paradigma de qualidade, de pluralismo, de diversidade estética, com impacto em todo o sistema televisivo brasileiro.
(b) Uma segunda iniciativa seria o de propiciar a formação de uma vasta rede de rádios universitárias em todos os campi brasileiros, que poderiam se tornar referência nas macrorregiões em que se inserem.
(c) Uma terceira iniciativa seria a de criar grandes plataformas virtuais de diálogo e interação do governo com a cidadania ativa dos brasileiros.
(d) Outra iniciativa de enorme peso seria o de superar o formato meramente publicitário da comunicação do governo, de suas empresas estatais e de seus ministérios, convergindo para formas de campanhas cívicas vinculadas aos grandes temas democráticos e republicanos em disputa na sociedade brasileira. Estas campanhas, sempre com a participação pluralistas de lideranças e vozes representativas da sociedade civil, poderiam ter um impacto formador decisivo na cultura política do país, formulando o sentido das agendas prioritárias do governo.
(e) Por fim, priorizar a criação e instalação dos conselhos estaduais de comunicação social (CECS), inspirados no artigo 224 da CF88, que já estão previstos em nove constituições estaduais e na Lei Orgânica do Distrito Federal e devem, claro, ser também criados nas outras unidades da federação (até hoje somente os estados da Bahia e de Alagoas criaram estes conselhos).
(2) Se avançamos na constituição de 1988 no direito público do voto, o mesmo não se deu em relação ao direito de voz. Esta contradição está no centro do impasse na democracia brasileira.
Formada em uma cultura do silêncio, com o passado colonial, uma tradição autocrática de Estado e a formação de um dos sistemas empresariais mais concentrados do mundo, as grandes maiorias jamais tiveram direito à voz pública no Brasil. Há um grande contraste entre o caráter monocrático do poder de voz da direita liberal e conservadora, dos ricos, dos brancos, dos homens, dos adultos e o pluralismo social, religioso, étnico e cultural dos brasileiros.
Superar este impasse é o esforço de construção de um setor público não estatal de comunicação. Ele pode convergir em quatro grandes iniciativas.
(a) Assim como os interesses do capital financeiro organizaram uma grande publicação econômica, convergindo a tradição da Rede Globo e do grupo Frias, criando nos anos noventa o Valor Econômico que centraliza a agenda, a formação de opinião, a disputa de valores, seria necessário que os sindicatos brasileiros, do campo democrático popular, organizassem uma grande plataforma comunicativa – que poderia ter inclusive suas versões impressas em uma periodicidade regular – de elaboração de uma macroeconomia de um Estado desenvolvimentista, distributivista, sustentável e promotor dos direitos humanos e libertários a partir da cultura e das tradições do direito do trabalho.
(b) O PT tem todas as condições de construir um grande portal republicano e pluralista, com uma direção editorial socialista e democrática, que tenha como meta se tornar uma referência noticiosa e de formação de opinião cotidiana para milhões de brasileiros. Ele seria uma alternativa, mais do que um contraponto como cumprem hoje parcialmente os blogs, aos jornais diários que formam uma espécie de núcleo duro da formação da agenda neoliberal na democracia brasileira.
(c) Há, além disso, uma demanda contida e até reprimida de acesso a rádios comunitárias por parte de entidades democráticas e populares que precisa encontrar resposta urgente no Ministério das Comunicações. Esta rede de rádios comunitárias seria importante no sentido de formar um poder comunicativo enraizado em todo o território nacional.
(d) Por fim, cada grande região metropolitana do país, que concentra os centros da disputa de formação de opinião, deveria ser objetivo da formação de uma rede própria de comunicação democrática e popular, articulada as referências nacionais de mídia alternativa, fazendo convergir para ela, em seu pluralismo e autonomia, toda a potência comunicativa dos movimentos e partidos dirigidos pela esquerda.
(3)O terceiro campo de iniciativas vincula-se ao esforço de regulação democrática e republicana dos meios de comunicação de concessão pública, a partir dos grandes marcos da Constituição de 1988.
A disputa central desta regulação está no impedimento da concentração e propriedade cruzada, que no Brasil supera em muito os índices nas democracias ocidentais.
Há, além disso, a imperiosa necessidade de reformular, a partir do dever do Estado em promover o pluralismo, os critérios técnicos de distribuição das verbas de propaganda do governo, em coerência até com o seu novo sentido cívico.
Um trabalho legislativo importante será o de tornar efetivo e proporcional o direito de resposta na democracia brasileira, avassalada hoje pela impunidade dos métodos de calúnia pública, tão típicos dos neoconservadores.
No plano da comunidade dos trabalhadores da comunicação, há ainda a necessidade de se formar uma cultura e uma regulação pública de direitos não corporativa mas que proteja a ética jornalística das pressões da censura e da conformação a um código anti-pluralista e monocrático de opinião. Uma cultura de comunicação pública e democrática não conseguirá se construir se não se formar, ao mesmo tempo, um código de direitos públicos e democráticos dos trabalhadores de comunicação.
A construção da legitimidade política de um novo ciclo de desenvolvimento distributivo, sustentável e criador de direitos da economia brasileira
A crise econômica de 2008 e o modo como ela foi respondida pela tentativa de relançamento de um protagonismo dos EUA e de políticas fortemente anti-sociais na Europa, forçando a uma dinâmica de menor crescimento da China, limitaram drasticamente a margem de manobra e arbitragem da condução macro-econômica brasileira ainda encerrada dentro dos marcos institucionais legados pela era neoliberal na economia brasileira. O Brasil não pode mais contar com um crescimento relevante das exportações e o preço das commodities vem apresentando forte deterioração. A valorização do real na última década retirou as condições indispensáveis (mas certamente não suficientes) para a competitividade da indústria brasileira, criando novas dinâmicas de déficit comercial. A expressiva desvalorização do real em curso, por sua vez, pressiona a inflação para o teto da meta mesmo em um cenário de menor crescimento, como tem ocorrido. Os ciclos de elevação da Selic, por sua vez, sobrecarregam a dimensão fiscal de um Estado já envolvido em políticas setoriais anti-cíclicas. Em um cenário de menor elevação do salário-mínimo, de menor crescimento do emprego, de avanços incrementais nas políticas sociais a demanda interna já não cumpre o papel de liderar o crescimento da economia. Por fim, o menor crescimento econômico repica a pressão fiscal ao minorar as expectativas de crescimento das receitas do Estado.
Estes que chamamos de constrangimentos sistêmicos – a inserção da economia brasileiro no mercado mundial, a dívida pública do Estado e a institucionalidade de sua gestão, os limites do setor público – foram, nestes últimos anos, agravados por vitórias ideológicas e midiáticas neoliberais, que cresceram em meio aos impasses do ciclo desenvolvimentista. O chamado mercado – especialmente a especulação comandada pelo capital financeiro – passou a operar com os cenários de descalabro inflacionário, insegurança institucional para os investidores, de descontrole fiscal e de um horizonte recessivo.
Foi assim, neste contexto, e submetido a uma forte polarização política que o 2º governo Dilma se inicia com uma clara inflexão conservadora na gestão macro-econômica. A questão é: será possível superar este impasse ou o 2º governo Dilma trabalhará, na melhor das hipóteses, com um cenário de baixo crescimento e eventual crescimento do desemprego, crescimento residual das políticas sociais, em um contexto de ajuste virtual vicioso, rigidez inflacionária e dificuldades crescentes na balança de pagamentos?
Nossa proposta vai no sentido de que é preciso também carregar para o segundo governo Dilma a disposição de lutar pela continuidade do ciclo desenvolvimentista, pelo crescimento dos direitos do trabalho e sociais, pela legitimidade crescente do setor público, pela denúncia do rentismo neoliberal que se manifestou claramente nas eleições presidenciais de 2014. Isto é, a superação do impasse econômico tem como pré-condição a retomada da legitimidade pública do chamado “desenvolvimentismo social” e seu aprofundamento, democrático e republicano, em um sentido anti-neoliberal. A retomada desta legitimidade pública, em uma nova situação de ofensiva política e de construção hegemônica, possibilitará novas soluções e novos horizontes macro-econômicos para a economia brasileira.
É preciso ter consciência de que a reeleição de Dilma Roussef, em um cenário ainda adverso da luta democrática devido à instrumentalização do tema da corrupção, só foi possível graças à política de defesa e crescimento do emprego, da renda dos trabalhadores e do crescimento dos direitos sociais que foi, no fundamental, garantida pela gestão macro-econômica. Reconhecer limites nesta gestão e até erros eventuais, frente a uma dinâmica econômica e política agressivamente hostil, é necessário mas o fundamental é honrar e dar continuidade aos valores e conquistas fundamentais que ali se produziram. Foi o que fez a campanha vitoriosa da reeleição da presidenta Dilma, com o apoio majoritário da população brasileira e com o reconhecimento massivo dos setores organizados das classes trabalhadores e dos pobres.
Certamente os maiores erros nestes últimos foram cometidos pela gestão do Banco Central que, com seus movimentos altistas da Selic, desestabilizou tentativas de retomada econômica, onerando a carga fiscal do Estado, sem conseguir resultados mais evidentes no controle da inflação. No 2º governo Dilma, era como se o Ministério da Fazenda puxasse a economia para frente – com várias iniciativas anti-cíclicas – e a gestão da política monetária e cambial puxasse a economia para trás, com políticas conservadoras vistas como prioritárias frente ao risco de perda de controle da inflação orquestrada pela mídia neoliberal. Os ciclos de alta da taxa Selic, a manutenção dos juros internos em um patamar escandaloso frente a qualquer comparação internacional, a pressão sobre os bancos públicos e pela elevação do superávit primário, criaram um constrangimento insuperável para uma retomada vigorosa da economia brasileira. No atual quadro da crise capitalista, não se pode fazer uma política anti-cíclica coerente e eficaz no quadro de um padrão tão alto de financeirização como está envolvida a economia brasileira.
É necessário diferenciar, portanto, um ajuste fiscal de curto prazo, de baixa intensidade e sem caráter estratégico, que não fira os direitos dos trabalhadores e que seja equilibrado pelos valores que defendemos, isto é, que não proteja os ganhos rentistas em detrimentos dos direitos de quem trabalha, de uma mudança na orientação geral da política econômica através de um conjunto de medidas recessivas que só agravarão a pressão fiscal da economia brasileira. Ou seja, devem ser barradas tentativas de desmontar a política de desenvolvimento com distribuição de renda (sobretudo emprego e elevação do salário) e de implementar uma política recessiva, com desemprego e redução do salário real.
A atualização desta narrativa exige hoje cinco grandes campos de iniciativas, coerentes entre si. A mais fundamental é recoesionar a linguagem do desenvolvimentismo brasileiro, os canais de pactação como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e, principalmente, projetar publicamente desde já a retomada de um novo ciclo expansivo, inclusivo, distributivo e sustentável da economia brasileira, através da discussão do Planejamento Plurianual que agora se inicia.
É necessário retomar também a legitimidade das políticas anti-cíclicas de defesa do emprego e dos salários dos trabalhadores: a dívida bruta em torno de 63 % do PIB e líquida em torno de 35 % do PIB desmente completamente o diagnóstico neoliberal de um descalabro fiscal e estão inteiramente dentro dos melhores padrões internacionais.
Assim como a Caixa Econômica foi largamente utilizada para fundamentar o subsídio público ao Programa Minha Casa Minha Vida, a prioridade concedida à educação como marca deste segundo governo legitima, por exemplo, um novo ciclo de investimentos subsidiados à construção massiva de creches ou de melhoria da qualidade do ensino médio, formulado através de pactos federativos com estados e municípios. Investimentos massivos em serviços públicos, além de gerar urgentes e evidentes avanços sociais, formam cadeias de empregos de qualidade e movimentam dinamicamente a demanda interna.
Um terceiro campo de iniciativas deve ser o de disputar o conflito distributivo na sociedade brasileira com o capital financeiro, com o rentismo, com as rendas patrimoniais. As taxas de juros ao consumidor continuam em mais de 100 % ao ano e para as pequenas empresas, que não têm acesso ao crédito subsidiado, continuam em mais de 50 % ao ano! A taxa Selic, em processo de elevação neste início de 2º governo Dilma, é ainda escandalosa, apesar de se situar em um patamar bastante inferior à média dos anos FHC. O imposto sobre grandes fortunas e sobre os rendimentos de patrimônio vêm sendo defendidos por vários governos social-democratas europeus e até pelo presidente democrata dos EUA. Não há nenhuma razão para ser omisso ou se manter na defensiva nestes grandes conflitos distributivos para os quais é possível formar grandes alianças entre trabalhadores, assalariados, setor produtivo e de serviços.
Por fim, devem ser retomadas as políticas industriais e de inovação em gestação no 1º governo Dilma. Na retomada de um novo ciclo de desenvolvimento, sustentável e distributivo, elas poderiam ganhar corpo e nitidez histórica, contribuindo para reinserir a economia brasileira no mercado mundial.
Este novo ciclo desenvolvimentista deve se combinar com uma política mais ousada de integração política e econômica da América Latina, que contribui não apenas para fortalecer os processos de mudança no continente, mas para criar novas sinergias de mercados e potencialidades econômicas latino-americanas hoje ainda tão pouco realizadas.
Uma dimensão regional e internacional para a revolução democrática brasileira
A vitória da coalizão de esquerda Syriza nas eleições gregas e a busca de uma negociação por fora da agenda da Troika europeia é o primeiro sinal de ruptura da ordem no Norte capitalista. É verdade que aconteceu num dos elos fracos, em um país periférico da economia da UE. Mas o rápido crescimento da plataforma eleitoral de oposição à esquerda Podemos na Espanha parece apontar a que Grécia não é exceção, mas um novo capítulo da disputa de rumos em esse continente. Alem de que é a primeira vez, desde que na França o governo Miterrand abandonou seu programa econômico progressista para aderir ao outro neoliberal em meados da década de 1980, que um país europeu ensaia sair do consenso econômico conservador.
Quinze anos depois de iniciado o ciclo progressista na América Latina chegam esses ares a Europa. Quinze anos e quando os principais países – pelo seu tamanho, economia, população, etc. – da região sob governos progressistas enfrentam dificuldades macroeconômicas, a começar pela Venezuela, pioneira política do ciclo e a que mais se atreveu no caminho da agenda pós neoliberal.
O mundo encontra-se em um processo de reacomodação depois de passado mais duro da crise do capitalismo desenvolvido em 2007-9 que tem várias dimensões. Uma econômica, onde os EUA lutam contra a perda de sua hegemonia. Uma política, com a busca de consolidar novos polos de poder que sejam capazes de contrabalançar a tentativa norteamericana de impor um mundo unipolar. Uma militar, onde o imperialismo norte-americano e seus aliados da OTAN continuam tentando definir o mapa mundi de acordo a seus interesses sem se importar com os custos humanos nem com os desequilíbrios regionais agudos provocados (como o surgimento do “Estado Islámico” em territórios de Iraque e Siria).
O Brasil é um ator importante nas dimensões política e econômica dessa disputa (ya no terreno militar apenas pode aspirar a criar melhores condições para sua defesa e tentar retirar a América do Sul da esfera de influencia dos EUA). Iniciativas como a ampliação do Mercosul, a constituição da CELAC, a consolidação da UNASUL e a atuação do Brasil junto a outras economias e potências emergentes (China, Rússia, India, Africa do Sul, etc.) em diversos “tabuleiros” tem um potencial expressivo na disputa por redesenhar a geometria do poder mundial para alem do “mundo unipolar” ideado pelo EUA no cenário do fim da URSS em começo dos anos 1990.
O projeto econômico-social da revolução democrática brasileira não será possível sem um cenário regional amigável – com fortes e decididas tendências à integração dos países da América do Sul – e sem um marco internacional de contenção dos apetites do imperialismo norte-americano. Durante dos dois mandatos do presidente Lula o Brasil mostrou uma capacidade de liderança regional e internacional inéditas e que foi saudada por todas as forças democráticas, progressistas e de esquerda do mundo. Já no final do primeiro mandato da presidenta Dilma, a reunião dos BRICS e de estes com UNASUL e Mercosul, em Brasil, pusseram em evidência que há uma agenda potente no plano regional e internacional e muito importante para a própria estratégia do governo no Brasil: Uma nova arquitetura financeira internacional assomou dessas deliberações e uma aproximação de nossa região aos pólos geopolíticos alternativos aos da hegemonia norte-americana.
A revolução democrática brasileira não será viável como uma estratégia se não for capaz de se imbricar e retroalimentar com outros processos nacionais e regionais que apontem para um ou vários dos valores e objetivos perseguidos pelos socialistas democráticos brasileiros na atualidade.
Coordenação Naciuonal da Democracia Socialista – tendência interna do Partido dos Trabalhadores, 28 de fevereiro de 2015