Disse o ministro da Educação que a “ideia de universidade para todos não existe”.
E ele sustenta esta afirmação com o complemento: “As universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual, que não é a mesma elite econômica”.
Estas declarações se deram no contexto da defesa do aprofundamento do que já vimos com a reforma do Ensino Médio, em que as disciplinas mais ligadas à construção da consciência cidadã – como sociologia e filosofia – se tornaram optativas aos estudantes, não mais obrigatórias. Em suma, menos importantes e descartáveis.
Trata-se da defesa de que o Ensino Médio se dedique à formação técnica que, segundo o ministro, dá mais “retorno financeiro”. A formação universitária deve estar direcionada a uma suposta “elite intelectual”.
Trata-se de uma visão tacanha do papel da Universidade na vida dos jovens e da contribuição que ela dá para a democratização da sociedade, típica de alguém que montou seu gabinete com “amigos de Londrina” e “aluninhos” da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), como disse o ministro em entrevista recente.
Para completar, o ministro também defende a continuidade do enxugamento do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES). Fica escancarada a visão segundo a qual quem precisa “acelerar” sua formação para entrar rapidamente no mercado de trabalho, ou quem precisa de financiamento estudantil para estudar – logo, quem não faz parte da “elite econômica” – não deve ter o direito à formação universitária.
A Universidade, sobretudo a Pública, é o espaço em que se aprende a fazer ciência e a construir autonomia intelectual. Nela, as verdades devem ser submetidas ao escrutínio de argumentos baseados em evidências científicas.
Tudo muito diferente das concepções obscurantistas de educação defendidas por Bolsonaro e pelo ministro Vélez Rodríguez.
A Universidade não é o lugar das crenças ou das fake news. Não é o lugar do boato ou da “pós-verdade”. E, nos dias de hoje, este papel de esclarecimento das ideias se confunde com seu papel de formação e de emancipação dos jovens, em sua preparação para a convivência na sociedade e na vida política.
E, sim: ela deve ser aberta a todas as pessoas que quiserem acessa-la. Em todas as idades, em qualquer momento de sua carreira profissional ou de sua experiência de vida. É uma questão de democracia.
Quem define a “elite intelectual”, ministro? Quais os critérios? Quem definirá os critérios? Algum de seus “aluninhos”?
A Universidade que queremos e que a sociedade e o Estado brasileiro vieram construindo desde o início da década de 2000 é uma Universidade plural, diversa, democrática, espaço de confluência de saberes.
Não há nenhum óbice em se ampliar o ensino técnico, que nunca se expandiu tanto como nos anos recentes. É preciso sim dar oportunidade aos jovens para que eles possam buscar qualificar-se para sua inserção profissional, na medida de suas necessidades e suas vocações.
No entanto, isso não pode se dar em prejuízo da formação de jovens para a cidadania, ainda mais em um país com as características do Brasil, com tanta desigualdade e tanto ainda por se evoluir. A Universidade, sobretudo a Pública, tem o papel fundamental de transformar a realidade brasileira, formando cidadãos comprometidos com essa mudança, além da importante formação profissional.
Ministro, a visão elitista de educação e de Universidade na qual o senhor milita é a negação das conquistas que obtivemos nos últimos anos. E veja bem que elas ainda foram bastante tímidas, dado o enorme déficit educacional brasileiro, especialmente no Ensino Médio e na Universidade.
A Universidade Pública hoje possui um perfil de estudantes muito mais próximo da distribuição geral da renda no país. Ainda é preciso avançar mais e a universalização do Ensino Médio deve ser a principal meta – não apenas do MEC – mas de toda a sociedade brasileira.
Isso deverá preparar o tempo em que todo jovem que quiser adentrar à Universidade – preferencialmente a Pública – deverá poder fazê-lo. A igualdade de condições para o acesso e permanência na escola é uma garantia constitucional e não será o senhor que irá contrariar este direito.
Wagner Romão é professor da Universidade Estadual de Campinas e presidente da Associação de Docentes da Unicamp.