Nas últimas semanas, milhões de pessoas saíram às ruas das principais cidades do país em protesto contra o aumento das tarifas do transporte público. Foram as primeiras manifestações nacionais desde 1992, quando os “carapintadas” se mobilizaram pelo impeachment do então presidente Fernando Collor, acusado de corrupção. A selvagem repressão policial fez com que os protestos crescessem e, em alguns casos, resvalassem para o vandalismo e para o ataque aos partidos políticos, particularmente ao PT, que tem o ônus de estar no poder há dez anos. Desvios de curso à parte, essas manifestações mostraram que há um profundo mal-estar na sociedade com as mazelas políticas. Ora, grande parte dessas mazelas tem origem no nosso sistema eleitoral, o que coloca na ordem do dia a urgência da reforma política.
Os partidos são essenciais ao funcionamento de uma democracia. Sem eles, não é possível a interlocução entre a sociedade e o Estado. Por isso, a crítica generalizada e indistinta aos políticos e às agremiações pode ganhar conotações autoritárias e levar água ao moinho das soluções de força, como ocorreu no Brasil em 1964. Por outro lado, é preciso encontrar caminhos para aperfeiçoar os mecanismos da representação, cujos vícios aparecem em profusão na história recente do país, como mostram os escândalos de corrupção. Uma reforma política, portanto, deve começar pela criação de mecanismos que, se não eliminem, reduzam as possibilidades de corrupção.
O eixo central da reforma política é estabelecimento do financiamento exclusivamente público e transparente dos partidos políticos e das campanhas eleitorais. A adoção desta medida acabará com a prática atual, que permite doações privadas, tanto de pessoas físicas quanto jurídicas, a candidatos ou a partidos, desde que sejam declaradas. Essa prática é promíscua e se tornou a principal fonte de corrupção, pois ela atrela o candidato aos interesses privados que financiaram sua campanha, fazendo com que o processo eleitoral seja profundamente viciado e influenciado pelo poder econômico. Representa, portanto, uma verdadeira privatização do Estado. Ademais, torna as campanhas eleitorais tão caras que só quem dispõe de muitos recursos financeiros tem condição de disputá-las, o que significa uma grave distorção da disputa eleitoral democrática. Só para se ter uma idéia dos custos eleitorais crescentes, basta ver que, em 2010, os deputados eleitos gastaram R$ 9,50 por voto obtido, 97,8% a mais do que o que foi gasto em 2006 (R$ 4,80), segundo o site Transparência Brasil.
O financiamento público implica o estabelecimento do voto proporcional em lista fechada. Neste sistema, os candidatos são escolhidos pelos partidos em convenções e o eleitor vota em uma agremiação, não em um candidato. Muitos poderão objetar: mas isso não tornaria os partidos mais fechados? Acreditamos que, ao contrário, haveria uma democratização. No sistema atual, de lista aberta, existe a concorrência de candidatos dentro de um mesmo partido, o que favorece aqueles que têm mais acesso às doações, e provoca a fragmentação das agremiações. Já o sistema de lista fechada despersonaliza a campanha e fortalece os partidos, porque o processo de escolha dos candidatos ganha importância; os partidos passam a ter um papel predominante nas campanhas e a disputa se torna mais político-ideológica do que pessoal. O sistema proporcional em lista fechada é adotado por 58% das 33 maiores democracias do mundo, entre elas Espanha e Portugal, que o introduziram com a transição à democracia, e também por Israel, África do Sul, Argentina e Uruguai, entre outros.
Uma reforma política nesses moldes poderá revitalizar o sistema eleitoral e representativo do Brasil, desgastado por tantos escândalos e distorções. Mas elas dificilmente ela será adotada pelo Congresso. Assim, seria necessária a convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva, livre e soberana, para a execução de tais tarefas. As decisões que essa assembleia vier a adotar deverão ser submetidas a um plebiscito popular.
Desta maneira, poderemos avançar no fortalecimento dos partidos políticos, na diminuição de legendas de aluguel e na consequente ampliação dos direitos políticos e democráticos que a nação anseia.
(*) Cláudio Puty é Deputado Federal (PT-PA), vice-líder do governo no Congresso Nacional.