Estado público com participação popular é solução contra neoliberalismo.
No debate sobre alternativas aos rumos atuais do governo Lula, a esquerda propõe a retomada do papel do Estado na regulação econômica e na propulsão do desenvolvimento, através de uma elevação dos gastos sociais combinada com a recuperação da capacidade de investimento público. Esta abordagem é importante porque contrapõe-se à visão neoliberal, para a qual cabe ao mercado (quer dizer, ao capital) desenvolver a economia e moldar a nação.
Para o neoliberalismo, ao Estado caberia assegurar ao capital as garantias jurídicas – em última instância, a ordem burguesa – para que seus negócios não sejam “perturbados” por questionamentos sociais ou políticos. Acrescente-se a isso algumas políticas de incentivo à competição entre capitais, supostamente para que o mercado funcione, e algumas ações de transferência de renda, de tipo assistencial, para os excluídos do (e pelo) mercado.
Um pouco da história
Com a crise do Estado desenvolvimentista brasileiro, a partir do final da década de 70, a visão neoliberal ganhou força. Unificou a maior parte da burguesia brasileira, com os banqueiros à frente, e intensificou o ataque a todas as conquistas políticas e sociais e à anterior construção de um Estado desenvolvimentista. Assim, desmontou as vitórias democráticas obtidas na Constituinte de 1988, realizou uma ampla privatização, desregulamentou as proteções à economia nacional e buscou retirar da agenda política as reformas sociais de caráter distributivo.
O movimento popular e democrático reagiu com lutas muito importantes e com uma crescente mobilização política, que se expressou na quase conquista da presidência em 1989. Além da derrota eleitoral, o movimento sofreu derrotas sociais, e a década de 90 foi o período de terra arrasada, começando com Collor e consolidando-se com FHC.
Ao longo de seu enfrentamento com o regime militar, o PT desenvolveu um programa democrático e popular, que se manteve no período posterior de progressivo domínio neoliberal. Este programa superou as concepções de mudança social baseadas somente no papel do Estado, sem protagonismo dos trabalhadores e do povo. Assim, a questão da democracia passou a ser um ponto central do programa petista. Não basta recuperar a capacidade de intervenção do Estado frente ao mercado; é preciso democratizar o Estado para que essa intervenção tenha como consequência a distribuição de renda e propriedade.
Democracia na pauta petista
O ponto mais alto da elaboração do PT foi o 6.º Encontro Nacional, realizado em junho de 1989. Ali propunha-se uma profunda democratização do Estado, com forte ênfase na participação popular e na democracia direta. Reconhecia-se na mobilização e auto-organização dos trabalhadores um elemento chave para a transformação política e social do país. Assim, democracia direta e superação da condição subordinada ao imperialismo são elementos estratégicos combinados, e cuja dinâmica é de sentido socialista.
Esta elaboração sofre recuos em 1994, mas ainda mantém muito elos de continuidade. Assim, naquele momento afirma-se que “as propostas que apresentará em seu Programa de governo apontam para transformações de caráter democrático e antimonopolistas – antilatifundiárias e antiimperialistas – que se inserem em uma estratégia de longo prazo de construção de uma alternativa ao capitalismo, uma revolução democrática que mude radicalmente as bases do poder.”
O programa de 1994 avança no entendimento da democratização para além do Estado, destacando a necessidade de introduzir no interior da dinâmica econômica mecanismos de fiscalização e controle das decisões empresariais, objetivando reduzir o poder de decisão do capital e, ao contrário, conferindo poder às organizações dos trabalhadores. Além disso, propõe a desprivatização do Estado, entendida no sentido de retirar as agências estatais (onde pode-se incluir o Banco Central) bem como as políticas públicas da influência do capital. Nada mais atual. Estas linhas, ainda que atenuadas, reaparecem nas resoluções do XII Encontro Nacional, em 2001.
Caminhos para a soberania
Democracia pressupõe conquista de soberania nacional. Essa dimensão foi pouco desenvolvida na elaboração do PT até 1994, mas ganha muito mais atualidade agora. A presença impositiva do FMI, agregada de dirigentes da política econômica que agem como um FMI interno, impõe um veto ao programa democraticamente escolhido pelo povo.
No último encontro nacional, vinculamos soberania nacional com o enfrentamento dos mecanismos de dominação internacional e com um novo internacionalismo, cuja maior expressão tem sido o Fórum Social Mundial. Duas dimensões, portanto, combinam-se: as de âmbito internacional e aquelas de âmbito nacional.
Assim, uma política externa que luta por soberania e por uma correlação de forças mais favorável frente aos países imperialistas deve ser combinada com política internas, das quais a decisiva é a política econômica. Essas políticas devem estar igualmente voltadas à conquista de autonomia nacional, de desenvolvimento e de conquista de apoio e organização popular para sustentar os duros, mas necessários, conflitos que este caminho impõe.