ROSANE DA SILVA
O ambiente do trabalho tem sido um espaço em que a violência contra as mulheres se expressa de diversas maneiras: física, moral, psicológica e até mesmo institucional, tanto na iniciativa privada como em instituições públicas. O assédio moral e sexual tem contribuído para fortalecer a discriminação no ambiente de trabalho, em especial no que se refere às condições de trabalho das mulheres.
Embora saibamos que existe há muito tempo, o assédio moral se intensificou em tempos de globalização, terceirizações e acirramento da competitividade. A forma de organização do processo produtivo, ou seja, divisão e o conteúdo das tarefas; a maneira pela qual se reconhece o trabalho realizado; falta de apoio e respeito nas relações laborais; ausência de participação dos trabalhadores nas decisões e sobrecarga de trabalho tem favorecido cada vez mais situações em que se manifesta o assédio moral.
Mas, o que é o assédio moral? De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego “o assédio moral e sexual são atos cruéis e desumanos que caracterizam uma atitude violenta e sem ética nas relações de trabalho praticada por um ou mais chefes contra seus subordinados. Trata-se da exposição de trabalhadoras e trabalhadores a situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes durante o exercício de sua função. Esses atos visam humilhar, desqualificar e desestabilizar emocionalmente a relação da vítima com a organização e o ambiente de trabalho, o que põe em risco a saúde, a própria vida da vítima e seu emprego”.
Nos últimos anos muitas mulheres foram incorporadas ao mercado de trabalho, o que significou acesso à renda, direitos e participação na vida pública. As mulheres conquistaram mais anos de estudo do que os homens, porém, ainda assim, a taxa de desemprego das mulheres é maior, assim como somos a maioria na economia informal. Nesse contexto, o aumento da presença de mulheres no mercado de trabalho veio acompanhado do crescimento simultâneo do emprego vulnerável e precário das mulheres. Devido à necessidade de articular o trabalho profissional com o doméstico, as mulheres tendem a aceitar com maior frequência os empregos precários, cujas características são as jornadas em tempo parcial ou contratos temporários. As mulheres negras são a maioria entre a população mais pobre no Brasil, e estão presentes em setores que exigem menor qualificação e ausência da proteção trabalhista, como é o caso das empregadas domésticas, cujo índice de informalidade atinge a 70% das trabalhadoras.
Ao lado da precarização do trabalho, encontramos a intensificação de seu ritmo e complexidade, o que exige das mulheres trabalhadoras maior flexibilidade para suportar as exigências, menor tempo para as necessidades fisiológicas, maior controle no posto de trabalho. Assim, as mulheres criam diversas estratégias para articular seu tempo entre as demandas das empresas e as responsabilidades domésticas e familiares, ficando cada vez mais sobrecarregadas. Este fato contribui para o aparecimento de novas formas de dominação e alienação em um mundo do trabalho que, ao mesmo tempo, exige excelência, conhecimento e entrega total dos seus trabalhadores.
Não é desconhecida a pressão de empresas multinacionais de supermercados sobre o tempo que suas trabalhadoras levam para ir ao banheiro, sendo capazes de obrigar suas funcionárias a usarem fraldas. As operadoras de telemarketing, grandes empregadoras de mulheres também tem sido alvo de denúncias de desrespeito ao tempo necessário para que suas funcionárias possam ir ao banheiro e se alimentar.
Esse tipo de pressão voltada à produtividade tem levado às trabalhadoras ao isolamento, em que não há tempo para criar laços de solidariedade, identidade e consequentemente lutar e resistir.
Num ambiente em que as pessoas são tratadas como “coisas” ou “máquinas” o assédio moral acaba por ter um espaço propício para aparecer. Essas situações geram violência e sofrimento contribuindo para o surgimento de diversas formas de adoecimento como a depressão e stress.
Poucas vezes refletimos sobre os padrões que nos são impostos e que acabamos adotando em nosso dia- a – dia, sem nos dar conta de que ele está conectado com aquilo que o capitalismo espera de nós. O mercado se apropria da construção social sobre o que é ser mulher e reforça este estereótipo: discreta, silenciosa, bonita, maquiada e multifuncional. Nesse cenário nos vemos acreditando que ter “boa aparência” seria algo importante para se conseguir um emprego. Significa que os critérios do que é ser uma boa trabalhadora também está sendo ditado pela indústria da beleza, que nos explora para fabricar e vender seus produtos e depois essa mesma indústria nos escraviza e explora para usar seus produtos.
O assédio moral tem consequências e violações à saúde, à dignidade, à honra, à imagem, à personalidade das mulheres trabalhadoras. Os problemas que surgem das novas ferramentas de gestão do trabalho constituem uma forma de violência contra as mulheres e, portanto, neste 25 de novembro, Dia Internacional de Luta pelo Fim da Violência contra as Mulheres, queremos denunciar o assédio moral.
Nosso desafio é construir espaços de solidariedade em que haja oportunidade para o debate e a denúncia de violações no ambiente de trabalho. Apesar de não existir uma lei específica que proteja as mulheres do assédio moral, a promulgação da Lei Maria da Penha ao fazer referência à violência psicológica teve um papel fundamental em proteger as mulheres, pois podemos transportá-la também ao mundo do trabalho.
Nesse sentido é que devemos reivindicar que o Estado, no âmbito federal, estadual e municipal, construa equipamentos sociais de proteção das mulheres, que diminuam a intensa jornada de trabalho a qu0e as mulheres são submetidas: precisamos de creches, restaurantes e lavanderias populares. Em especial, precisamos de políticas públicas que permitam a entrada e permanência das mulheres no trabalho em situação de igualdade com os homens, com acesso a carteira assinada, previdência social e licença parental compartilhada.
A CUT tem entre seus princípios a luta por uma sociedade livre de qualquer tipo de exploração e preconceitos, uma sociedade em que homens e mulheres possam viver livremente. Não nos calaremos diante de manifestações de violência sexista – Violência Contra as Mulheres, Tolerância Nenhuma!
* Rosane da Silva é Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora.
Artigo publicado originalmente em www.cut.org.br
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