Há meses, opiniões amplamente veiculadas na imprensa acenam com a necessidade de um forte ajuste na economia do país em 2015. Armínio Fraga, apontado ministro da Fazenda em caso de vitória de Aécio Neves à presidência, fala inclusive em “mudança de regime”.
Mas no que consistiria tal ajuste? Como o próprio Armínio diz, é preciso “dar sinais claros de compromisso com responsabilidade fiscal, tolerância zero com a inflação.”[1] Além disso, deve-se reajustar os preços da energia e reduzir a participação dos bancos públicos no financiamento da economia.
Medidas tomadas com esses objetivos levariam ao aumento da credibilidade da política econômica. Com isso, aumentaria a confiança dos agentes, os investimentos seriam retomados e o crescimento retornaria ‘naturalmente’. O tipo de medidas sugeridas possui, contudo, ao menos três impactos negativos sobre as decisões de produção e investimento que fazem com que dificilmente elas possam entregar os resultados prometidos.
Em primeiro lugar, o custo das empresas cresceria em razão da elevação dos preços da energia e do aumento dos custos financeiros. Estes cresceriam com a taxa básica de juros, elevada para combater as pressões inflacionárias em um contexto de importantes choques de preços e de transformações estruturais, e com a redução da atuação dos bancos públicos na concessão de crédito direcionado em favor do financiamento privado realizado por um setor olipolizado.
O segundo impacto decorre da queda infligida à demanda doméstica que, além de pressionar os custos em razão da redução das escalas de produção, diminui as perspectivas de lucratividade das empresas. A queda na demanda se daria por meio do aumento dos gastos financeiros e com energia, que restringem a renda da população disponível para o consumo dos demais itens, e da diminuição dos gastos do governo em um contexto de ajuste fiscal.
Além desses, a previsível apreciação cambial resultante da elevação da taxa de juros e da identificação de uma política econômica mais ‘amigável’ ao mercado reduziria ainda mais a competitividade da produção nacional, favorecendo sua substituição no próprio mercado interno pelo produto importado.
Com i. custos mais elevados, ii. demanda reduzida e iii. câmbio valorizado, por maior que seja a credibilidade na política econômica, a rentabilidade do investimento produtivo tende a ser baixa (especialmente quando comparada às taxas de juro maiores) ou mesmo negativa. Nessa situação, ao contrário do que parecem crer os defensores das medidas ‘duras’, a postura natural do empresário não é a de investir e aumentar a produção, que poderia encalhar gerando prejuízos, mas, ao contrário, a de reduzi-la, para adaptá-la às novas condições de demanda contraída. Com o freio à atividade econômica fruto desse tipo de decisão, menos salários seriam pagos, reduzindo ainda mais a demanda e conduzindo o país à recessão. Nesse processo, as próprias receitas do governo também caem, pressionando o governo a reduzir seus gastos o que tende, como ocorre hoje na Europa, a acentuar ainda mais a queda na atividade. No curto e médio prazos, qualquer outro resultado do ajuste que não a recessão, mais ou menos profunda, é altamente improvável.
A espiral negativa eventualmente pode, com o tempo, vir a reduzir os salários de tal modo a recuperar parte da competitividade perdida em razão do aumento dos custos e da valorização cambial. Com isso, e com a credibilidade do ajuste, prometem seus defensores a retomada dos investimentos e do crescimento econômico em um futuro não tão distante. Contudo, além do sofrimento sempre injustamente distribuído que esse processo carrega, a retomada do crescimento nessas bases em um mundo em que países com baixíssimos custos salariais se inserem progressivamente na economia globalizada é, no mínimo, duvidosa. Os benefícios apregoados da mudança de regime nos braços de um ajuste recessivo têm tudo para se mostrar apenas ilusões.