O Espaço Amazônico foi fortemente modificado pela política contraditória do modelo brasileiro de desenvolvimento, provocando o agravamento dos índices de marginalização sócio-econômica e político-cultural de expressivos segmentos tradicionais da população.
O modelo de desenvolvimento para a Amazônia impõe limites nos padrões de apropriação dos recursos hídricos, de consumo, de relações de trabalho e de atitudes em relação ao meio ambiente.
A Amazônia brasileira é um patrimônio do povo brasileiro, e em particular, dos povos que nela habitam. Se a floresta e os rios estão preservados quase na sua integridade, é pela história da sociedade e da cultura das populações tradicionais, que não vêem a biodiversidade como Banco Biogenético ou como possibilidade de transformação em bem de capital. A Amazônia é, para os povos amazônicos, cultura e realidade de vida.
Não é verdade que a Amazônia precisa ser desvendada. Nela já habitam mais de 20 milhões de pessoas, cuja maioria vive à margem das políticas públicas e outra parte significativa, destacadamente aquela que habita as várzeas e as terras firmes da floresta, não têm sequer cidadania. Respeitar esses povos significa ouvi-los na elaboração das políticas públicas voltadas para a região. Na Amazônia, há gente habitando, gente que pensa, produz, resiste. O olhar do capital apenas para os bens que a floresta pode proporcionar não é estranho, pois essa é sua lógica. Nosso governo precisa combater o projeto predatório do capitalismo na Amazônia, respeitando os povos tradicionais, seus conhecimentos e sua cultura.
É preciso que se pense a Amazônia como um projeto nacional, a ser desenvolvido sob uma perspectiva de dentro para fora, respeitando-se as suas peculiaridades e as suas diversidades. O desenvolvimento da Amazônia deve passar pelo conhecimento das populações tradicionais e do meio ambiente, em virtude de o desenvolvimento não considerar as particularidades locais e regionais, sobretudo pela limitação da natureza e sustentabilidade dos recursos naturais.
É necessário combater a ação ilegal e predatória das madeireiras, da pecuária e da monocultura, cuja matriz de ocupação está fundada na grilagem de terras públicas e na intimidação e morte de agricultores familiares, ribeirinhos e extrativos. O Estado precisa se fazer mais presente na região, expandindo as ações de regularização fundiária dos agricultores que ocupam ate 500ha e universalizando as políticas públicas de crédito, assistência técnica e de apoio à comercialização e infra-estrutura.
É importante a participação da sociedade organizada da Amazônia nos processes decisórios que levam à escolha das obras de infra-estrutura e expansão da fronteira agrícola, que abrem a possibilidade de deslocamento das populações tradicionais.
O fortalecimento das instituições Incra, Ibama, Funasa, Polícia Federal e o apoio às organizações indígenas, são necessários para intensificar o combate às ações agressivas ao meio ambiente e aumentar a presença do Estado dentro da Amazônia. Nesse ponto, há que se fazer uma reestruturação de princípios no Incra e uma reformulação de conduta do Ibama, com vista a melhorar seus desempenhos e torná-los agentes públicos que respeitem a história e a cultura dos povos da Amazônia. Instrumentalizá-los, ainda, com todo aparato para combaterem a grilagem, a ação ilegal de madeireiras e empresas agropecuárias, a pesca predatória desenvolvida pelos grandes frigoríficos e quadrilhas organizadas.
Projetos de investimentos públicos na Amazônia devem ser redirecionados para empreendimentos sustentáveis e solidários – cooperativismo, associativismo, fortalecimento da agricultura familiar e manejo comunitário dos recursos naturais -, o que implica a modificação dos critérios para selecionar e priorizar os projetos, baseados na sustentabilidade dos recursos naturais e o máximo de melhoria das condições de vida.
A Amazônia não pode ser considerada simples depósito de recursos energéticos (hidroeletricidade, gás natural, petróleo e carvão vegetal), uma vez que as condições especiais das populações tradicionais demandam por sistemas energéticos – Programa Luz para Todos -, acompanhados de alternativas de renda, mas esses sistemas não podem esbarrar no argumento tecno-econômico como limitação, sendo o obstáculo de cunho institucional.
É preciso que os valores das populações tradicionais na apropriação dos recursos naturais se reflitam em políticas específicas, com investimento no manejo madeireiro, não-madeireiro e pesqueiro, que têm semelhança com a proposta de reserva extrativista. O extrativismo deve ser considerado um dos eixos centrais de desenvolvimento para o futuro da Amazônia, tendo como critérios a valorização dos produtos do extrativismo e aproteção dos territórios tradicionalmente ocupados pelas populações tradicionais.