Democracia Socialista

Antonio Gramsci (120 anos) – atualidade da filosofia da práxiS

Por Eduardo Mancuso

Em 1911, Gramsci ganha uma bolsa de estudos e vai para Turim, industrializada cidade do norte da Itália, entra na Faculdade de Letras e ingressa no PSI. Em 1915, abandona a universidade e passa a integrar a redação do Avanti, jornal do partido. Em 1917, sob a influência dos acontecimentos revolucionários na Rússia, explodem greves operárias contra a guerra e Gramsci escreve artigos defendendo o caráter socialista da revolução russa, entre eles o famoso A revolução contra o ”Capital”. Torna-se secretário da comissão executiva do partido em Turim e participa da “fração intransigente revolucionária” do PSI, junto com Amadeo Bordiga.

Em 1919, junto com outros companheiros, Gramsci cria a revista L’Ordine Nuovo (A nova ordem), com o subtítulo “Resenha semanal de cultura socialista”. Escreve sobre democracia operária, defendendo os conselhos de fábrica como futuros “órgãos de poder proletário”. Defende a estratégia dos conselhos como crítica radical da incapacidade das organizações tradicionais do proletariado, sua falta de democracia, seu espírito burocrático, e também como a maneira da classe trabalhadora criar sua própria forma democrática de governo.

Gramsci foi preso pela primeira vez durante a greve política de solidariedade do movimento operário italiano às repúblicas comunistas da Rússia e da Hungria. Em 1920, a greve geral em Turim é derrotada pelo patronato e o II Congresso da Internacional Comunista (Comintern) fixa as condições políticas e programáticas para o ingresso de partidos nacionais, os famosos “21 pontos”. Gramsci participa da formação da fração comunista do PSI.

Em 1921 é fundado o Partido Comunista, seção italiana do Comintern, com a adesão de grande parte da Juventude Socialista e tendo Gramsci e Bordiga à frente de sua direção. Um ano depois, os dois partem para Moscou, onde trabalham na Internacional e Gramsci conhece sua companheira, Julia Schucht. Trotsky convida-o a escrever uma nota sobre o futurismo italiano para ser publicado em Literatura e revolução. Em 1922, com a Marcha sobre Roma, os fascistas tomam o poder e instauram seu governo ditatorial.

Em 1924, após regressar a Itália, Gramsci torna-se secretário-geral do Partido Comunista Italiano (PCI) e sua mulher tem o primeiro filho do casal em Moscou. Em 1926, o PCI realiza o seu III Congresso na cidade francesa de Lyon, e Gramsci apresenta o informe e as teses políticas, que obtém 90% dos votos dos delegados, restando 10% em apoio as posições esquerdistas de Bordiga. Os fascistas cassam os deputados da oposição e toda a bancada comunista no parlamento. Antes da sua prisão, Gramsci envia carta ao Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), em nome da executiva do PCI, tratando das divergências entre a maioria em torno de Stalin e Bukharin e a oposição liderada por Trotsky e Zinoviev. Ele chama atenção na carta sobre o perigo de ruptura no partido da revolução de Outubro, e faz um pedido explícito à maioria no sentido de não “esmagar” a minoria. Stalin não lhe dá ouvidos e registra sua atitude para o futuro.

Em 1928, começa o processo fascista contra Gramsci e o grupo dirigente do PCI. O promotor declara: “devemos impedir esse cérebro de funcionar durante vinte anos”. No início de 1929, Gramsci começa a escrever aqueles que serão conhecidos como os Cadernos do cárcere, nos quais define o marxismo como filosofia da práxis. Em 1930, solicita sem sucesso livros de Trotsky, depois da expulsão deste da União Soviética e volta a manifestar divergências com a política do partido e da Internacional. Em 1937, após quase uma década na prisão e com a saúde completamente comprometida (sem nenhuma tentativa para libertá-lo por parte da União Soviética), Gramsci é solto pelo regime fascista, e morre de derrame cerebral alguns dias depois. Tatiana Schucht, sua cunhada, entrega a embaixada russa os mais de trinta cadernos de Gramsci (totalizando cerca de 2500 páginas), que são enviados para Moscou. Então a direção da Internacional Comunista confia a Palmiro Togliatti a “herança literária” de Gramsci. Em abril de 1941, Togliatti envia carta ao secretário-geral da Internacional Comunista, Dimítrov, com sua avaliação sobre a “herética” obra gramsciana:

Os cadernos de Gramsci, que já estudei cuidadosamente em quase sua totalidade, contém materiais que só podem ser utilizados depois de uma cuidadosa elaboração. Sem esse tratamento , o material não pode ser utilizado, e, aliás, algumas partes do mesmo, se forem utilizados, na forma em que se encontram atualmente, poderiam não ser úteis ao partido. Por isso, penso que esse material deva permanecer em nosso arquivo, para ser aqui elaborado.

O marxismo inovador e heterodoxo de Gramsci, que nos Cadernos do cárcere define o socialismo pela expansão do controle democrático das massas, era perigoso demais para o stalinismo, que já havia dominado completamente o partido e a Internacional. Nos Cadernos, Gramsci afirma que após a derrota da revolução nos países capitalistas avançados – que ele chama de formações sociais do “Ocidente” – sociedades civis complexas e instituições consolidadas, a estratégia revolucionária passa pela “guerra de posição” e a construção da hegemonia, em contraponto a “guerra de movimento” vitoriosa na Rússia (formação social do “Oriente”), através do ataque frontal ao Estado.

Para Gramsci (assim como para Lenin, Rosa Luxemburgo e Trotsky) a ação política real das classes trabalhadoras enquanto política de massas passa pela unidade da “espontaneidade” com a “direção consciente”. Construir essa síntese é a tarefa central do partido e do movimento revolucionário. Para ele o partido revolucionário só se torna força dirigente real se o proletariado se constitui em classe com projeto nacional, com intelectuais orgânicos preparados para a luta ideológica, e com capacidade hegemônica de construir e impulsionar um novo “bloco histórico” com os demais setores explorados e oprimidos. A estratégia socialista vitoriosa passa por “ganhar a maioria” e pela construção da hegemonia alternativa (“contra-hegemonia”), isto é, conquistar a direção intelectual e moral sobre as amplas massas da sociedade. Para Gramsci e o marxismo da filosofia da práxis o movimento político das massas é a condição para a auto-emancipação e o socialismo.