Se o neoliberalismo propagou o ataque às organizações sindicais dos trabalhadores, o fim de direitos sociais trabalhistas e previdenciários desde os anos 80, enfim, o sofrimento, – com a pandemia do Coronavírus disseminou a morte, naturalizada pela necropolítica do desgoverno Bolsonaro (“eu não sou coveiro… chega de mimimi… vão chorar até quando?”). Vale um pequeno comentário, pra não dizer que não falamos em flores.
A pandemia mostrou o enorme poder concentrado nas mãos das Big Pharmas (a indústria farmacêutica) na atualidade, capazes de decidir sobre a vida de parcelas da humanidade ao transformar o ar que respiramos no negócio do século, ao qual tiveram direito os países que puderam pagar as exorbitantes quantias exigidas pelos laboratórios. Outros, como o Haiti, sem recursos para comprar os imunizantes, até agora não viram uma dose sequer de vacina contra a Covid-19. Ao lado, dessa globalização do poder pela economia da Saúde, vimos também crescer a globalização do sentimento de que a condição humana se sobrepõe à divisão de classes na sociedade, através do protocolo defendido pelas autoridades sanitárias: ácool gel, máscaras, isolamento social, restrição às aglomerações. Essa é a dialética (cobiça econômica sobre o monopólio da vida vs. direito à sobrevivência da espécie) na lição deixada pela doença pandêmica na consciência média da cidadania.
Uma oportunidade única para reafirmar o Internacionalismo, no campo democrático-popular, na melhor tradição leninista / trotskista. No continente latino-americano, a reatualização internacionalista se traduz justamente na luta comum contra o neoliberalismo e pela defesa militante dos governos progressistas, com destaque no momento para a Venezuela (sob cerco), o Chile (Constituinte), a Bolívia, a Argentina e o Peru. Tema da mesa amanhã, com os companheiros Dr. Rosinha e Tica Moreno (Brasil), Marcelo Caruso (Colômbia) e Gabriela Rivadeneira (Equador). É mais que hora de reforçar o sentimento latino-americano que deve impulsionar a luta dos povos pela liberdade, para efetivar sua independência frente ao imperialismo estadunidense, que nega a autonomia e o crescimento político cultural e socioeconômico da América de Salvador Allende e Che Guevara.
A latino-americanidade tornou-se um componente da subjetividade dos lutadores sociais nas décadas de 60 e 70, sob o jugo de ditaduras militares, nesse que é o continente histórico das lutas revolucionárias,. O exílio de combatentes de diferentes nacionalidades, diante dos mesmos algozes fascitizantes (fardados ou não) a serviço das classes dominantes, criou entre os perseguidos (sindicalistas, professores, estudantes, membros de organizações de esquerda) um vínculo existencial e teórico de pertencimento a uma idêntica realidade, para além das bandeiras e até de idiomas, convertendo o portunhol numa língua libertária por sobre as cercas. Para confrontar o arbítrio, o autoritarismo, a prática da tortura e a impunidade dos jagunços de plantão – a resistência pariu a identidade cultural e política continental depois cantada por Belchior, no álbum Alucinação, de 1976:
“Eu sou apenas um rapaz latino-americano
Sem dinheiro no banco
Sem parentes importantes
E vindo do interior…
Não me peça que eu lhe faça
Uma canção como se deve
Correta, branca, suave
Muito limpa, muito leve
Sons, palavras, são navalhas
E eu não posso contar como convém
Sem querer ferir ninguém
Mas não se preocupe, meu amigo
Com os horrores que eu lhe digo
Isto é somente uma canção
A vida realmente é diferente
Quer dizer…
A vida é muito pior…
Por favor, não saque a arma no saloon
Eu sou apenas o cantor…”
É a situação de latino-americanos, em suma, que nos faz vencer o destino de homens e mulheres partidos e partidas, ontem como hoje. Ser latino-americano significa portar uma tradição revolucionária, no coração na mente e no braço vacinado. Significa ser antineoliberal e antineofascista. Quarta-feira, noite de live.
- Luiz Marques é professor universitário, UFRGS