No dia dos pais – dias antes de Bolsonaro afirmar que não há fome no Brasil – homens, provavelmente pais, caçavam no lixo o que comer e o que dar de comer aos filhos.
Quem vai ao Porto (Portugal), além das adegas deve visitar a livraria Lello: ouço e leio isto há anos.
Fui ao Porto e, apesar de vinho e livro serem um bom casamento, não visitei adegas e tampouco a Lello. Entrei em outras livrarias, até porque para mim é difícil visitar qualquer cidade e não visitar livrarias, sejam de livros novos ou usados.
Não foi por teimosia que neguei as visitas. Sobre o vinho já experimentei, apesar de não ser um conhecedor, alguns deles. E lá no Porto, economicamente, para os da minha condição financeira, não vale a pena visitar vinícolas ou adegas.
Quanto a visitar a livraria a questão foi outra.
Me preparei para ir à Lello. Na fase de preparo fui em busca de informações e, na Internet encontrei muitas, algumas delas de pouca ou nenhuma valia, exemplos: é “cool” (revista Travel + Leisure); é a mais bonita do planeta (CNN); uma das mais belas do mundo (revista Time, jornal The Guardian); terceira melhor livraria do mundo (Lonely Planet); e assim por diante. Alguns sites já a colocam como um roteiro turístico obrigatório.
Como a maioria das pessoas que viajam a passeio, imagino, não se interessa por livrarias e livros, entendi que a recomendação de roteiro turístico obrigatório deve ser para dizer: estive na Lello e é lindíssima.
Lindíssima ou não a visita estava na programação.
Num final de tarde subimos (Marta e eu) uma das muitas ladeiras da cidade, a Carmelitas. Já no final da rua me dei conta: é a rua da Lello.
Pergunto a um senhor:
– Onde fica a livraria Lello?
– É ali. – Indica com um gesto e o olhar.
Estávamos a poucos metros do local. Fomos até lá. Fechada.
Em frente à livraria outro senhor nos informa o horário em que abre e acrescenta: há que chegar cedo, pois desde manhã há filas de até duas quadras e é preciso comprar ingressos.
– Comprar ingressos?
– Sim – diz o interlocutor e acrescenta – mas, abate no valor do livro.
Surpreendido pela informação levo um choque: pagar para entrar na livraria! Menos mal, desconta o valor do ingresso no valor do livro que por ventura comprares.
Nos dois dias seguintes voltamos, não tão cedo, e sempre havia filas. Em uma das vezes a fila preferencial para idosos estava vazia, porém, antes mesmo de me postar para entrar o porteiro, vendo minhas características (jeito de turista), perguntou-me:
– És português?
– Por quê? – Indago.
– A fila é só para cidadão português.
Tendo a fila como empecilho e imaginando multidões passeando dentro da livraria, com pouco espaço para tranquilamente sentar, ver e folhear livros, decidimos não entrar.
Se já tínhamos decididos não visitar as adegas, decidimos ali que a Lello ficaria, se ocorrer, para uma próxima vez.
Dia dos pais
No domingo, dia dos pais, fiquei a maior parte do tempo dentro de casa, e mesmo assim, poucas vezes fui à janela, porém duas delas foram suficientes para constatar, mais uma vez, a triste realidade em que vive parte significativa da nossa população.
Na lixeira do prédio ao lado havia um saco de compras, cujo segundo uso foi servir de saco de lixo. No saco estava estampada a bandeira do Brasil – símbolo tão vilipendiado pelo ocupante dos Palácios em Brasília –, que o atual governante insiste em tentar transformar nas cores do fascismo brasileiro.
Passa um cadeirante – naquela tarde agradável de sol – que com dificuldades alcança e apalpa o saco de lixo para tentar identificar o que contém.
Provavelmente nada que lhe interessasse, tanto que vai embora e deixa intacto o volume.
Numa segunda ida à janela vejo um – ciclista – homem de vestimenta normal, assim como o cadeirante, limpo e nada de farrapos, que para e apalpa o mesmo saco e também vai embora.
No dia dos pais – dias antes de Bolsonaro afirmar que não há fome no Brasil – homens, provavelmente pais, caçavam no lixo o que comer e o que colocar na boca de seus filhos.
Conversas Finadas
O único carro na estrada. Não consigo tirar os olhos do carro vermelho… (…). Sua antena de cromo cortando suavemente o ar. Uma varinha mágica caçando ondas de torres distantes. Captando o programa Música Oculta…. Com sons fora da lei e poesia para aqueles que estão viajando em estradas reais ou imaginárias.
Esta frase, dita na abertura dos programas do “Música Oculta”, que era apresentado na Rádio Educativa, abre o documentário “Rádio Educativa do Paraná”, que começa a ser exibido este mês, 6 de setembro na Cinemateca de Curitiba.
Hoje por mais esforço que se faça e por mais que se cace, não conseguiremos encontrar, na Educativa, programas como Venas Abiertas, Música Oculta, Poemoda, Radiocaos, Conversa Afiada, etc.. Todos foram cassados pelo governador e se tornaram – programas – conversas finadas.
O documentário é um registro da história da rádio, da sua programação e da importância da Rádio Educativa do Paraná. Também é uma crítica aos que a assassinaram.
É um filme que nos puxa da memória e desperta-nos para a saudade.
“Rádio Educativa do Paraná” é dirigido pelo Geraldo Pioli, tem apresentação de Cláudia Vicentin, roteiro de Adriana Sydor e direção de produção de Carla Pioli.
P. S. Este comentário é o meu protesto pela destruição da bela e culta programação que a Rádio Educativa tinha. Mas, como tudo que é belo e culto, os – atuais governantes – fascistas matam.
Dr. Rosinha é médico aposentado e ex-deputado.
Via Plural