Espécie em extinção
Josué Montello, na crônica Um fenômeno novo: o iletrismo, 14 de novembro de 1989 (o que será que eu fazia nessa ocasião? Sei que exercia o mandato de vereador e atuava como pediatra) escreve que o Le Figaro, jornal francês, publicou uma charge em que um senhor aparece sentado na frente da televisão, com um jornal aberto, como se estivesse a lê-lo e, pergunta: “Onde está a graça?”
O riso, se é que existe, está em que o senhor que parece ler, segura o jornal de cabeça para baixo.
Registra Montello que a cada dia (naquela data?) apareciam mais pessoas idosas nos serviços públicos que, sob a alegação de terem esquecido os óculos, pediam que alguém preenchesse o formulário. Não são analfabetos, apenas desaprenderam a ler por falta de uso. É uma nova classe – “produto natural do rádio e da televisão” – que a Unesco classifica como iletrismo: “aprendeu a ler e a escrever, mas perdeu a prática, a ponto de não mais poder compreender um texto simples, relacionado à vida de cada dia”.
“Nós, os que sabemos ler, constituiremos, dentro de algum tempo, uma espécie em extinção…”.
Pouco mais de 34 anos depois, a situação é mais grave, além dos idosos, há crianças, adolescentes e jovens que não leem e muitos dos que leem não conseguem interpretar. Se antes a culpa era do rádio e da televisão, hoje é da internet, das redes sociais. A maior parte dos que se comunicam através delas o fazem usando frases curtas ou áudio.
Todos os meios de comunicação, sem exceção, em busca de público “preguiçoso” e analfabeto, cada vez menos publicam matérias escritas e sempre investem em mensagens curtas, de áudio visual, como o tik tok. E, quando um pouco mais longas, vêm no formato de podcasts. A leitura, bem, fica relegada às calendas gregas.
Os que vivem no iletrismo sabem por acaso o que são as calendas gregas?
Escrever para quê?
No Silêncio, Pamplona comenta que seu trabalho como editor é ler originais de livros, avaliar se são publicáveis e que, depois de ler muitos originais, encontra um que dá para ser publicado.
Ele relata que afinal, depois de tantas leituras obrigatórias, algumas sem nenhuma satisfação, convidou para um café um dos autores de um possível sucesso – provavelmente alegre, imagino.
Acomodados, após a conversa inicial, destas que seguem o ritual de quando se encontra uma pessoa pela primeira vez, Pamplona diz, meio que em tom de pergunta:
– Vamos publicar o seu livro?
Após uma pausa o autor responde com outra pergunta:
– Para que publicar um livro? – e continuou – as livrarias estão cheias de livros… O meu vai ser mais um entupindo as estantes.
É verdade. A pandemia, como a todos, me impediu, de ir a sebos. Em 2023 voltei a frequentá-los e tive grata surpresa: muita gente jovem consultando, lendo e comprando livros usados.
Pamplona poderia usar como argumento para convencer o autor do original de que, apesar do iletrismo, há gente interessada em livros, se não novos, pelo menos usados e que o dele, se publicado, queira ou não, terminaria nas prateleiras de sebos e ali encontraria quem lê-los.
Para onde vão os livros?
É o título de uma matéria escrita por Carine Nascimento para a Revista Quatro Cinco Um , cuja leitura recomendo.
Na matéria há a pergunta: “o que fazer com as obras que não cabem mais na prateleira?”
A pergunta foi respondida por intelectuais e profissionais da educação. As respostas foram as esperadas: doação para bibliotecas, centros culturais, para alunos, para pequenos livreiros, ou venda nos sebos.
A que mais me chamou a atenção foi a do historiador Luiz Antonio Simas: “Na maior reforma que fiz dos meus livros, negociei muita coisa com um sebo restaurante do Rio de Janeiro, o Al-Farabi [fechado no início em 2020]. Fiz permuta de livros por cervejas e posso te dizer que bebi metade da minha biblioteca ao longo de dez meses”.
Caso publicado, o livro do autor do original escolhido por Pamplona, se não abstêmio, poderia bebê-los.
Esperança
Pesquisa feita pelo Instituto Pró-Livro mostrou que crianças leem mais livros do que adultos.
Realizada a cada quatro anos (a última é de 2019), a pesquisa evidenciou que os que mais leem situam-se na faixa entre 11 e 13 anos, seguidos de crianças de 5 a 10 anos. Também revelou que 48% das crianças citam como motivação para a leitura o “gostar de ler”, percentual que cai para 17% entre as pessoas de 18 a 24 anos.
Já outra pesquisa feita pela CBL (Câmara Brasileira do Livro) em dezembro de 2023, revelou que apenas 16% da população brasileira acima de 18 anos afirma ter comprado pelo menos um livro durante o ano. Identificou também que as mulheres são maioria das que compram, localizam-se nas regiões sudeste e nordeste e pertencem a classe B e C, sendo que 43% estão na classe C e fazem parte de clubes de leitura de livros infantis, o que demonstra que, em grande parte, compram livros para crianças.
Ambas as pesquisam indicam que deixaram de ler por falta de tempo, preço dos livros e falta de livrarias.
E por falar em falta de livraria leio que Curitiba vai ganhar uma livraria de rua. E olha só que lugar lindo. Fiquei feliz.
Dr. Rosinha é médico aposentado e ex-deputado.
Via Plural.