Democracia Socialista

Apontamentos XX | Dr. Rosinha

Chatos não desistem

No serviço, no local de lazer, no território onde vivemos, sempre há alguém que entendemos como sendo um chato. Não sei se o que é chato para uma pessoa é um chato para todas as pessoas, inclusive da sua própria família. Sempre há o tio ou o primo chato.

Dia desses caminhava com pressa, pois precisava comprar uns parafusos com urgência, quando de repente ouço: 

– Dr. Rosinha, Dr. Rosinha…

Ao ouvir o chamado e reconhecer a voz, pronto, despercebidamente acabara de passar por onde não deveria. Não parei, esperei pela terceira chamada, que não falhou. O chato nunca desiste.

Como ia à frente, parei para esperar. Assim que chega, na esperança de que a conversa se encerrasse ali, avisei:

– Estou com pressa – e acrescentei a razão da mesma.

Não adiantou e me convidou:

– Vem, entra, vamos conversar.

– Obrigado, mas como já disse, estou com pressa – e repito a razão.

– Só cinco minutos.

– Não dá.

– Só cinco minutos – insistiu. 

Fiz que não com a cabeça.

– Então dois.

Chato nunca desiste.

Mesmo sabendo que não seriam dois minutos, para acabar logo com aquilo, aceitei o convite.

Entrei e quando a conversa já passava dos 10 minutos tive que, quase na marra, sair. Mas, como chatos não desistem:

– Vou com você.

Me acompanhou e foi falando sem parar. Falou tudo que era de seu interesse, e eu, na maioria das vezes, respondendo monossilabicamente: sim, não, talvez.

Na loja, apesar de não conhecer ninguém, já demonstrou intimidade com os parafusos e com quem me atendia.

Efetuei a compra e assim que me despeço da moça que me atendeu vem a pergunta:

– Para onde você vai?

Respondi-lhe e saí rumo à minha atividade. Sem pestanejar, ele completou:

– Vou com você.

Tomo o rumo na direção em que o encontrei, com a esperança de que por ali ficasse. Paro, estendo a mão para despedir-me, mas, como chato não desiste, ouço:

– Vou com você até sua casa, depois volto.

Necessito urgentemente de uma receita: como não se chatear com chatos?

***

Este número não existe

Muitas vezes estamos esperando um telefonema, que é imprescindível naquele momento, o celular toca, o número não é conhecido, mas logo a imaginação funciona, “vá que mudou o número”. É fatal, atende e está lá o silêncio ou a voz padrão da Inteligência Artificial.

Se por acaso tiver a curiosidade e der o retorno para uma destas chamadas vai ouvir: este número não existe. Ora, se não existe, como me telefonou?

É insuportavelmente chata a quantidade de robôs nos telefonando.

***

Crônica chata

Como o tema aqui é a chatice e a chateação, imagino que já chateei muito com estes “Apontamentos”. Afinal chego ao número XX. Para não chatear mais, mas sem saber como será daqui para a frente, encerro a série destes “Apontamentos”.

Mas, como também sou um chato persistente, não estou me despedindo do Plural, tampouco significa que não possa voltar a usar este modelo de apresentação das crônicas.

Dr. Rosinha é médico aposentado e ex-deputado.