As eleições alemãs de domingo testemunharam uma grande guinada em direção aos partidos de direita. Mas enquanto a AfD acumulava votos no antigo Leste, o partido Die Linke também fez um grande avanço.
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No domingo, a Alemanha deu um grande passo para a direita. Os conservadores democratas-cristãos (CDU) fizeram uma campanha focada na lei e na ordem e na interrupção da imigração — e ultrapassaram os sociais-democratas (SPD) do chanceler Olaf Scholz como o maior partido no Bundestag [parlamento alemão], com 28,6% dos votos.
Figuras de extrema direita no mundo todo ficaram ainda mais exultantes do que o partido nacionalista Alternativa para a Alemanha (AfD), que se tornou a segunda força eleitoral, com 20,8% de apoio. Este é um patamar não alcançado por nenhum partido de extrema direita na Alemanha desde a era nazista. Os parabéns vieram do húngaro Viktor Orbán, do italiano Matteo Salvini e de Elon Musk.
Todos os partidos da coalizão governamental anterior foram afetados. O SPD caiu quase dez pontos para 16,4%, os Verdes caíram para 11,6% e os neoliberais Democratas Livres (FDP) abandonaram completamente o parlamento, não atingindo o limite de 5%.
As eleições de domingo foram realizadas cerca de 6 meses antes do esperado, depois que o chanceler Scholz demitiu seu ministro das Finanças, Christian Lindner, líder de seus parceiros de coalizão no FDP. A consequência era inevitável: Scholz perdeu um voto de desconfiança, desencadeando essas eleições antecipadas.
O período de campanha foi dominado por um debate acalorado sobre imigração, inflamado por 2 ataques terroristas e pela colaboração entre a CDU e a AfD na aprovação de uma moção parlamentar para conter a imigração. Este enfraquecimento do já instável “firewall” de não cooperação com a AfD levou a protestos — e a uma condenação do líder da CDU, Friedrich Merz.
Foi nesse contexto bastante sombrio que as perspectivas do partido socialista Die Linke começaram a melhorar. Essa explosão de última hora de energia “antifascista” e descontentamento entre a esquerda mais ampla foi certamente decisiva para dar ao Die Linke o impulso necessário não apenas para permanecer no parlamento, mas para alcançar sólidos 8,8% dos votos.
Apelo da esquerda
Este foi o terceiro melhor resultado do partido — o que se tornou ainda mais notável porque, na última vez, em 2021, o Die Linke ficou aquém do limite de 5% (mantendo um pequeno grupo de parlamentares apenas graças a uma brecha baseada em seus círculos eleitorais locais).
Desta vez, parece que seu grupo parlamentar terá pelo menos 60 membros, com 6 candidatos eleitos diretamente, incluindo seu primeiro parlamentar na antiga Berlim Ocidental, no distrito operário e multicultural de Neukölln. O candidato é Ferat Koçak, um ativista antirracista de longa data e uma das figuras mais francas do partido ao tratar a questão da Palestina. O Die Linke obteve uma pontuação particularmente boa entre os eleitores de primeira viagem, com 27% nesse setor.
O Die Linke sem dúvida se beneficiou de uma forma de votação estratégica entre eleitores jovens e progressistas que o veem como o único partido que nunca se juntaria a uma coalizão com a CDU cada vez mais de direita de Merz. Tanto os Verdes quanto o SPD podem fazer exatamente isso agora.
Durante a maior parte do período de campanha em janeiro, o Die Linke ainda estava em torno da zona de perigo de 5%. Mas seus números começaram a aumentar rapidamente, principalmente depois de um vídeo viralizar da principal candidata do partido, Heidi Reichinnek, fazendo um discurso condenando a decisão de Merz de votar ao lado do AfD. Ela já era uma das figuras mais experientes em rede social do partido, e o vídeo a destacou como uma voz contundente de esquerda contra qualquer colaboração com o partido de extrema direita.
Mas não foi tudo decidido com rede social ou sorte. A campanha do partido projetou uma imagem política consistente e competente. O Die Linke se concentrou em uma campanha que debatia aluguel acessível, moradia social e redução dos custos básicos de alimentação e transporte público.
Liderando o caminho ao lado de Reichinnek estavam novos rostos na liderança do partido: Ines Schwerdtner (ex-editora-chefe da revista Jacobin alemã) e Jan van Aken. Todos são relativamente novos em cargos importantes do partido. Van Aken e Schwerdtner foram os únicos colíderes do partido eleitos em outubro e esperavam ter quase um ano para se preparar para a data original da eleição. O Die Linke esperava contar com sua base de jovens membros ativos para passar o verão inteiro em uma campanha abrangente, fazendo até batidas de porta em porta — uma tática que ainda é usada na Alemanha.
Schwerdtner acelerou essa estratégia em sua campanha por uma cadeira em Berlin-Lichtenberg, enquanto Reichinnek e van Aken visitaram distritos eleitorais por todo o país. Eles foram complementados por uma campanha de mídia enfatizando a continuidade e destacando antigos e populares líderes do partido, como Bodo Ramelow, da Turíngia (constantemente eleito o político mais popular naquele estado) e Gregor Gysi. Um rosto antigo e conhecido, Gysi foi a principal figura midiática do partido na década de 2000, quando o antigo partido governante reformado da Alemanha Oriental se fundiu com uma divisão da esquerda dos social-democratas para formar o Die Linke.
Votos da classe trabalhadora
Uma vitória de 8,8% não é nada desprezível, e os ânimos estavam altos quando os resultados foram divulgados.
A divisão “anti-woke” de Sahra Wagenknecht no final de 2023 parece ter permitido que o Die Linke desempenhasse um papel mais consistente no flanco da esquerda que os alemães chamam de bloco “vermelho-vermelho-verde”. Enquanto isso, o próprio partido de Wagenknecht (a Aliança Sahra Wagenknecht, BSW) não conseguiu atingir o limite para entrar no parlamento, ficando a cerca de 13.000 votos aquém. Estatísticas sobre quem votou nela indicam que o partido não estava recebendo votos de antigos eleitores do AfD, mas do SPD.
O fraco desempenho do BSW parece ter acontecido principalmente diante do resultado eleitorais do outono passado nos estados orientais da Turíngia e Brandemburgo. Lá, foi feito uma campanha explicita como uma alternativa aos partidos tradicionais. No entanto, quando as eleições chegaram, o BSW optou por se juntar a uma coalizão com os sociais-democratas em Brandemburgo e a uma grande coalizão com a CDU e o SPD na Turíngia. É difícil imaginar um resultado mais normal.
Além de conquistar um eleitorado de esquerda, Schwerdtner enfatizou a necessidade do Die Linke aumentar seu apelo de massa, principalmente entre os eleitores da classe trabalhadora. A análise das pesquisas pós-eleitorais sugere que os trabalhadores autoidentificados como “mais operários” votaram no partido na mesma proporção que a média (8%). Mas a AfD estava muito à frente nessa categoria, somando 38%. Se esse grupo não for toda a classe trabalhadora, é um número perturbador e um chamado urgente à ação.
Enquanto Die Linke comemora uma vitória, a extrema direita está empolgada com seu melhor resultado, e o discurso político da Alemanha parece pronto para ficar cada vez mais desagradável com um governo liderado por conservadores, incitado por uma forte oposição de extrema direita. Neste contexto, a voz da oposição é indispensável. Não há dúvidas de que continuará a defender um firewall contra a AfD. Mas quando se trata de reunir uma base mais ampla, conquistando apoio suficiente para ser considerado um verdadeiro partido de massas, o novo começo do Die Linke é, na verdade, apenas um começo.
Julia Damphouse é coordenadora de grupos de leitura da Jacobin e estudante de mestrado em história na Humboldt University Berlin.
Tradução Caue Seigner Ameni
Via Jacobin.
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