O kirchnerismo, como se previa já nos resultados das eleições primárias de agosto, sofreu uma dura derrota. Obteve apenas 32,7% dos votos a nível nacional, cifra semelhante à de 2009, quando perdeu de maneira similar em todo o país. Temas como a inflação, a insegurança e a corrupção foram alguns dos eixos mais questionados pelo conjunto da sociedade.
Desse resultado se depreende a impossibilidade de apresentar uma nova reeleição de Cristina, portanto o kirchnerismo terá que começar buscar uma saída (de setores mais próximos a Cristina ou aliados), para competir com chances em 2015. Scioli, uma das candidaturas com mais chances dentro do heterogêneo oficialismo, ficou também muito debilitado pelo triunfo do prefeito de Tigre Sérgio Massa na Província de Buenos Aires.
Assim o kirchnerismo ficou em uma situação de debilidade política (que pode ser pior se porções mais ou menos importantes do Partido Justicialista que estão com eles passarem para o lado de Massa), não apenas em direção às presidenciais, mas também para pilotar a transição nos próximos dois anos. Isso agravado por uma situação econômica de muita complexidade, quando já se discute dentro do próprio governo avançar a algum nível de ajuste ortodoxo (nos gastos do Estado, o tipo de câmbio etc) para evitar uma crise de maior magnitude.
No espaço opositor de centro-direita, Massa ficou posicionado com vários passos de vantagem sobre o resto, com preferências manifestas de parte importante do PJ e de setores do establishment. Ganhou na província de Buenos Aires com uma margem muito maior do que a obtida nas primárias de agosto (obteve agora quase 44% contra 32% do candidato K), e outros competidores internos do PJ não tiveram eleições ressonantes. A Frente Renovadora (assim se chama o espaço político criado por Massa) sairá agora em busca de setores do PJ que começam a se distanciar do kirchnerismo e tentará conseguir também o apoio de alguns setores da UCR (os mais inclinados a direita) e de parte do macrismo, para começar a mostrar-se como uma opção de peso a nível nacional.
O Chefe de Governo da Cidade de Buenos Aires Maurício Macri obteve uma vitória importante em seu distrito (Capital Federal) e conseguiu bons resultados em Santa Fé (segundo colocado, bem atrás da Frente Progressista) e Córdoba, e outras com aliados em Entre Rios e outras províncias menores. Incorporou pela primeira vez senadores nacionais (3, que se somam aos 18 deputados de seu bloco). No entanto, segue com problemas para organizar sua força a nível nacional e não conseguem penetrar na Província de Buenos Aires (ali Massa capitalizou todo o espaço que ele poderia disputar).
Em suas declarações na noite das eleições, tornou pública sua estratégia de se lançar às presidenciais de 2015, apoiado em um espaço de centro-direita bem opositor ao kirchnerismo (nesse discurso, disse que não indicaria como ministro de um futuro governo ninguém que tenha sido funcionário K, em clara alusão ao passado como Chefe de Gabinete de Sérgio Massa). Virá dali uma disputa entre eles para crescer em um espaço em comum.
A soma do espaço progressista e da UCR ficou similar ao das internas, alcançando quase 6 milhões de votos em nível nacional. Se destacaram dentro do conglomerado de candidaturas, como presidenciáveis em 2015, Hermes Binner (FPA-Partido Socialista) e Júlio Cobos (UCR). E se repetiram os triunfos e boas eleições das internas. Como Frente Amplo Progressista tivemos um excelente resultado em Santa Fé (Binner obteve ali quase 43% dos votos) e fomos parte de outros resultados importantes em alianças com outros setores (principalmente o radicalismo e forças progressistas menores) no resto do país.
Na Capital foi muito interessante a experiência de unidade dentro da UNEN, porque instalou uma estratégia de unidade de todas as forças progressistas e afins que pode ser muito útil e necessária para 2015 e um método – as eleições internas – de resolução das candidaturas, e porque tivemos uma boa votação, ao redor de 30%, cumprindo com o objetivo e ganhar o senador do kirchnerismo (Pino Solanas derrotou Daniel Filmus) e tendo possíveis candidatos a Chefe de Governo para as eleições de 2015.
A esquerda trotskista teve uma boa eleição. Obteve 1.380.000 votos a nível nacional, 5,8% (com crescimento do FIT em termos relativos), e representatividade institucional, elegendo 3 deputados nacionais. Se consolidaram como um fenómeno crítico das forças tradicionais.
Desde Librés del Sur acreditamos que se abriu com os resultados do último 27 de Outubro uma nova etapa política no país. Caracterizada por ser o final do processo kirchnerista, perdido já o consenso majoritário que souberam ter nessa sociedade. Também por constituir uma transição que pode resultar muito complexa se o governo nacional não abordar problemas que hoje estão presentes, particularmente no terreno econômico como a inflação, o atraso e o mercado de câmbio, a pobreza disseminada. Ou se mantém a criticável conduta de sempre de não escutar a oposição, fechar-se em si mesmo e ser agressivo com quem não pensa como eles.
Também consideramos que já está em marcha uma grande operação das forças mais conservadoras da sociedade argentina orientada a construir uma opção política que as expresse – em direção a mudança presidencial de 2015 – e que tem hoje por hoje a Sérgio Massa como o grande candidato. Sendo claro que não se propõe justamente, de chegar à Rosada, a busca por um país melhor para as maiorias, mas pelo contrário produzir uma involução instalando no governo – mais ainda que na atualidade – aqueles que expressam sobretudo os interessas das minorias abastadas e aos setores mais concentrados e poderosos.
O objetivo geral para os dois anos que faltam até as presidenciais de 2015 desde as forças de esquerda é trabalhar para que se construa primeiro e se consolide logo uma grande frente progressista na ordem nacional, que suceda ao modelo kirchnerista (que se encontra hoje com grandes dificuldades de sustentar sua continuidade para além das próximas presidenciais), com uma proposta capaz de construir uma nação melhor, mais equitativa, de um desenvolvimento harmônico e sustentável. Essa estratégia política já mostrou seu enorme potencial nessas eleições legislativas com quase 6 milhões de votos.
* Ariel Navarro é diretor do instituto de investigación social, económica y política ciudadana (ISEPCi).