ENFRENTANDO AS DOMINAÇÕES CAPITALISTAS

Paul Singer. Dominação e desigualdade:
estudos sobre a repartição da renda. São Paulo:
Editora Unesp/Fundação Perseu Abramo, 2024.


O lançamento do 4º volume da coleção Paul Singer nos
permite ampliar o olhar sobre a sua contribuição ao pensamento socialista no Brasil. Visão ampla, mas ainda cumulativa que vamos sedimentando à medida que cada novo volume — fruto da
primorosa edição selecionada pelos seus filhos André, Helena e
Suzana — nos é apresentado pelas Editoras da Unesp e da
Fundação Perseu Abramo.
As contribuições de Paul Singer, naturalmente, são há tempos
conhecidas pela sua capacidade de analisar criticamente o
desenvolvimento do capitalismo e do Estado no Brasil. Graças ao
“milagre do livro”, seus trabalhos ganham agora, com a nossa
coleção, maior condensação pela unidade temática, evidenciando
força e coerência de método, exposto em escrita direta.

CARLOS HENRIQUE ÁRABE é da Coordenação Nacional
da Democracia Socialista e Diretor da Fundação Perseu
Abramo. Economista com mestrado e doutorado em
Ciência Política pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp).


Dominação e desigualdade, 4º volume da coleção de obras de Paul
Singer, é uma preciosidade das análises críticas da sociedade de
classes formada pelo capitalismo brasileiro.
Seu objetivo aqui, conforme o prefácio do autor, é “definir com
maior exatidão as relações de mútuo condicionamento entre
estrutura de classes e repartição da renda”. Não há dúvida que esta
última é determinada pela primeira, em termos gerais. A estrutura
de classes, por sua vez, decorre do modo, ou melhor, dos vários e
diferentes modos como se organizam a produção e o controle social.

A concentração do capital, a subdivisão das explorações
agrícolas, a expropriação de posseiros, o remanejamento dos
serviços de controle (governo, saúde, educação, etc.), tudo isso
transforma a estrutura de classes, na medida em que esses
processos implicam a transferência de indivíduos de uma classe
para outra ou de uma fração de classe para outra. Mas a repartição
da renda, que em última análise resulta da estrutura de classes,
também influi nesta última.”

Assim, a análise se abre para compor a concepção clássica
(marxista) de classes fundada na estrutura produtiva do capitalismo
com sua forma de desenvolvimento tardio e periférico, como
ocorreu no Brasil.

Paul Singer destacou-se como pensador socialista da
emancipação das classes trabalhadoras no Brasil. Por isso mesmo,
seu rigor analítico clássico é orientado para compreender a fundo a
constituição não homogênea das maiorias que vivem — ou só
poderiam viver — da sua força de trabalho. Nem todos, porém,
chegam a essa condição mínima no capitalismo tropical. São
proletários permanentemente excluídos, formando o que chamou
de subproletariado. As formas de sobrevivência do subproletariado
e mesmo seu tamanho vão se alterando ao longo do processo de
desenvolvimento e requerem atualização e novas pesquisas, como
assinala Fernando Rugitsky na apresentação.

A estrutura bi-partida da classe trabalhadora brasileira, com
um “super exército de reserva” permanente, é, por definição, um
problema estratégico crucial para a formação da consciência de
classe e para a organização sindical e política classista. A fórmula
construída por Paul Singer apresenta uma classe trabalhadora
imensa subdividida em duas grandes partes, a subproletária e a
proletária. A primeira como a segunda vivem do trabalho, mas com
a primeira sem acesso à renda permanentemente e com isso sendo
usada para exercer pressão de baixa nos salários e, não menos
importante, a pressão social do risco de queda para baixo da classe
trabalhadora “formal”. Nessa visão, pobres (subproletariado) e
trabalhadores (proletariado) podem ser compreendidos em sua
unidade e diversidade.

A atualidade dos temas aqui tratados e o seu método histórico
dialético contribuem para iluminar temas que continuam a
interrogar e a buscar seus sujeitos plurais capazes de superar a
exploração e a exclusão, em busca de uma democracia plena.
*

Desenvolvimento e Crise, de Paul Singer, compõe o volume 3 da
coleção de obras do autor, editada em parceria pela Editora Unesp e
pela Editora da Fundação Perseu Abramo. Assim como os demais,
ilustra e permite a inserção de Paul Singer entre os grandes
pensadores do Brasil. Mais do que isso, sua contribuição intelectual
é fundamental para a formulação de antecedentes teóricos dos
movimentos socialistas que se desenvolvem no Brasil nos anos 60 e
na virada entre os anos 70 e 80 do século XX.

A contribuição de Paul Singer é precursora — e fundante — de
um pensamento crítico ao capitalismo como horizonte da superação
da economia dependente. Em um período histórico (do pós-guerra)
hegemonizado pela superação do “atraso” e pela industrialização,
Singer traça os limites da teoria desenvolvimentista capaz de
apontar as barreiras estruturais ao desenvolvimento, mas incapaz
de decifrar as contradições do desenvolvimento capitalista. E, de
forma coerente, integra a crítica à modernização política sem
revolução democrática, isto é, pela submissão das formas políticas
das oligarquias às formas dos grandes grupos econômicos que
emergem do desenvolvimento e que passam a disputar o comando
da política (e do Estado).

Se podemos dizer que não há socialismo sem crítica radical do
capitalismo e que não há socialismo sem crítica radical da política
das classes dominantes, encontramos neste volume a concretização
dessas ideias no terreno das contradições econômicas e políticas do
Brasil no decisivo período dos anos 50 e 60 do século XX.

“Compreender criticamente o desenvolvimento, enquanto
processo constitutivo de uma economia capitalista, só é possível na
medida em que o observador se coloca do ponto de vista de um
sistema que supera as contradições tanto da economia colonial
quanto do capitalismo, isto é, do ponto de vista do socialismo.”
(Paul Singer, no prefácio deste volume).
*

Esses dois volumes compõem uma dupla crítica sobre as
dominações capitalistas no Brasil. A que se devolve no plano
combinado da economia e da política; e a que se desenrola na
trama social. Lidas em conjunto, é possível perceber como se
nutrem mutuamente e recorrentemente. Ao mesmo tempo, revelam
um capitalismo com contradições profundas e sem superação,
numa espiral que corrói sua imponência histórica.

Há um terceiro aspecto que se pode extrair das “Dominações”
de Singer. Suas análises vão além daquelas que pararam nos limites
do desenvolvimento e da democracia capitalistas no Brasil. É
justamente sua compreensão do lugar do capitalismo na história
que permite afiar sua análise crítica sobre o modo como esse
sistema aqui se desenvolveu. E fornecer as bases para formular a
perspectiva de transformação socialista como alternativa
superadora do desenvolvimentismo.
*

Paul Singer escreveu sobre diversos temas da nossa realidade,
sempre a partir de um ponto de vista crítico ao capitalismo. Ao
mesmo tempo, esse ponto de vista crítico buscava encontrar apoios
e movimentos concretos, vivos, para, inclusive, aprender com eles.

Escrever e apontar sentidos foi parte constante da sua vida.Essa
reflexão organizadora se liga à incansável busca de uma utopia
socialista nascida das experiências vividas, das quais essas mesmas
reflexões muitas vezes emergiram e voltaram como alento. Certamente
esse esforço se desenvolvia nas correntes do socialismo
democrático, às quais desde jovem se filiou e às quais sempre visou
contribuir criativamente.
Nessa grande elaboração, Paul Singer, além de atualizar a noção
clássica de unidade entre democracia e socialismo, propõe um
socialismo democrático em construção a partir da base. E a essa
base social, ela própria em processo de construção nas condições
difíceis de uma semiperiferia do capitalismo, dedicou pesquisa
inédita, esclarecedora e comprometida.

A sua utopia socialista é inadiável. Paul Singer busca raízes e
ensinamentos em todo empenho transformador. Lapida
perspectivas, ainda em incerto desenvolvimento nas iniciativas em
curso. E com isso seu sentido e sua força ganham mais imaginação e
consistência.

Assim, podemos saudar essa coleção de obras selecionadas de
Paul Singer como uma contribuição ao futuro, vale dizer, às
possibilidades emancipadoras do presente.


www.democraciasocialista.org.br


REVISTA DEMOCRACIA SOCIALISTA | NÚMERO 13 | JUNHO 2024

CARLOS HENRIQUE ÁRABE

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