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As instituições públicas de saúde sob governos neoliberais | Pedro Tierra

A demolição do Estado brasileiro pelo governo de Jair Bolsonaro “eu não vim para construir nada, eu vim para destruir”  expõe, com o colapso do atendimento de saúde pública de Manaus, a face criminosa da convergência que articula a imposição da agenda neoliberal na economia com os métodos neofascistas adotados a partir de janeiro de 2019.

 Curioso país, o Brasil. Assistimos, desde março de 2020, quando se anunciou oficialmente o primeiro óbito causado pela pandemia, a um conflito insólito, cujo desfecho ocorreu nos últimos dias: a direita se bate contra a extrema-direita e vence. Trata-se de uma disputa sobre a urgência de vacinar a população de um país que, em menos de um ano, conta mais de 200 mil mortos pela covid-19. Para os mais desatentos, cabe advertir: entramos na terceira década do século XXI, salvo melhor juízo… 

Ambas, a direita e a extrema-direita trocam golpes de publicidade, cavalgando os ombros de duas instituições públicas construídas por gerações de médicos, cientistas, pesquisadores, sanitaristas, servidores do Estado formados de acordo com as concepções de saúde como direito do cidadão e dever do Estado, como serviço público e não como mercadoria. Conceitos em tudo distantes do que prega o neoliberalismo e o neofascismo imperantes. 

Instituições que resultaram de investimentos públicos projetados a partir de uma visão estratégica de desenvolvimento nacional soberano, socialmente inclusivo, democrático e republicano. Ou seja, dentro dos marcos encontrados na tradição do pensamento antiliberal defendido e aprofundado pelas esquerdas socialdemocratas ou revolucionárias: a Fundação Oswaldo Cruz, criada em 1900 e o Instituto Butantan, fundado em 1901.

Duas instituições de referencia em saúde pública. Respeitadas em todo o mundo. A primeira delas, a Fiocruz, define nestes termos, sua Missão:

“Gerar, absorver e difundir conhecimentos científicos e tecnológicos em saúde pelo desenvolvimento integrado de atividades de pesquisa, ensino, informação e produção de bens e serviços com a finalidade de proporcionar apoio estratégico ao Sistema Único de Saúde (SUS) e contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população e para o exercício da cidadania”. 

(Missão da Fiocruz/ III Congresso Interno).

Uma definição cristalina. Inequívoca. Coerente com a trajetória de 120 anos que resultou na consolidação dessa instituição pública, contemporânea nos métodos e com resultados inquestionáveis na prestação de serviços que fornecem lastro à sua credibilidade.

 Essa consolidação deriva de um continuado esforço materializado na gestão democrática moderna e na participação:

“A sequência de Congressos Internos, hoje em sua quarta versão, e várias plenárias extraordinárias retrata a atualização das agendas nacionais no campo da ciência e tecnologia em saúde e sua tradução no desenvolvimento institucional da Fiocruz. O 2o Congresso Interno tratou centralmente da relevância pública, controle social e incremento da eficiência, da qualidade e flexibilidade das ações e elaborou os fundamentos que definiram a posição da Fiocruz perante diretrizes da Reforma do Estado, com a reafirmação do caráter estratégico, público e estatal da Fiocruz e a adoção de um modelo de gestão de resultados, implementado mediante termos de compromisso internos e externos. O 3o Congresso deu novos passos nesse sentido, qualificando processos para consolidar o papel estratégico da Fiocruz, consolidar mecanismos de gestão e pleitear a qualificação enquanto Agência Executiva”. (Paulo Marchiori Buss e Paulo Gadelha, 2002).

Modelado a partir de princípios semelhantes, o Instituto Butantan, fundado em 1901 entrega anualmente mais de 100 milhões de doses de vacina ao Plano Nacional de Imunização – PNI do Ministério da Saúde. Em 2018 forneceu 60 milhões de doses só da vacina contra a gripe (influenza) para o SUS. É responsável por mais de 90% dos soros contravenenos utilizados pelo Sistema Único de Saúde no Brasil.

Na abertura da página institucional do Instituto, lê-se: “Vinculado à Secretaria de Saúde do Estado de S. Paulo, o centenário Instituto Butantan é responsável por 93% dos soros e vacinas brasileiras entre elas as contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B, influenza sazonal e H1N1. Também realiza estudos e pesquisa básica na área de Biologia e Biomedicina relacionadas com a saúde pública.”

E define, entre outros compromissos: “A Missão do Instituto Butantan é 

“Desenvolver pesquisas e produtos que contribuam para o acesso à saúde, partilhando conhecimento com a sociedade.”  Para isso, um programa de cursos, que incluem pós-graduação, é oferecido ao público com o objetivo de estimular o interesse pela ciência, cultura e tecnologia”. 

Não seria demais afirmar que o Estado brasileiro batia às portas do século XX com uma atitude, digamos, mais contemporânea do mundo e da ciência do que a cegueira medieval promovida pelo governo neofascista de Jair Bolsonaro, cento e vinte anos depois. 

A defesa dessas duas instituições públicas – a Fiocruz e o Butantan – e do Sistema Único de Saúde-SUS torna-se para a sociedade brasileira uma questão de vida ou morte contra os ataques, a sabotagem, o boicote permanentes de um governo que vem perpetrando durante o curso da pandemia toda a sorte de crimes contra a saúde dos brasileiros e brasileiras, sobretudo os mais pobres.

Passados dois anos, desde a posse do governo de liquidação nacional de Jair Bolsonaro, testemunhamos nesses primeiros dias de 2021 ao colapso sanitário do país. Não se trata apenas da tragédia criminosa de Manaus, que nos enche de horror e vergonha. Ela é apenas o espelho mais visível do que ocorre em outras regiões. O Brasil dos neoliberais e dos neofascistas está sendo vencido pela pandemia, pelo negacionismo e pela incompetência. 

Não é compreensível nem aceitável que se corte R$ 35 bilhões do orçamento do Ministério da Saúde – para não ferir o teto de gastos! – em meio à maior calamidade sanitária da nossa história. Assim como não é aceitável a permanência desta figura patética, incapaz de preparar um edital para adquirir seringas ou organizar uma planilha de voos para transportar vacinas demandadas pelos Estados, à frente de um Ministério, qualquer que seja ele. 

Para assegurarmos a sobrevivência dessa sociedade como uma nação reconhecida como tal diante do mundo, é indispensável mobilizar as forças populares em defesa do SUS e pelo imediato impeachment de Jair Bolsonaro! Esse governo se constitui numa ameaça permanente e simultânea à saúde pública e à democracia. O Brasil não pode esperar!

  • Pedro Tierra , Poeta. Ex-Presidente da Fundação Perseu Abramo.

         

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