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Às vésperas do PED

Jornal DS 24 [Nov2009]. Eleição interna precisa impulsionar terceiro governo à esquerda.

CARLOS HENRIQUE ÁRABE

A eleição da nova direção do PT está vinculada, em diversos aspectos, às expectativas em relação a 2010. Ela define a nova composição da direção que estará à frente do partido nas próximas eleições e expressa também o “estado de espírito” político do partido. Ou seja, como as correntes veem as tarefas do PT face ao desafio de conquistar o 3º mandato presidencial e face aos inúmeros problemas organizativos de um partido em crescimento e de base popular.

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Mensagem ao Partido. Lançamento da candidatura de Cardozo, em agosto, em Brasília.

Nova composição da direção

De todas as listas que concorrem, a Mensagem ao Partido é a que guarda maior continuidade em relação às eleições de 2007. Depois de realizar dois encontros nacionais e se firmar como corrente de opinião interna, ela se fortaleceu com a elaboração programática, uma melhor organização e, de forma muito importante, com a participação de novos coletivos regionais. A lista da Mensagem é encabeçada pelo companheiro José Eduardo Cardozo.

A lista que tem como presidente o companheiro José Eduardo Dutra representa a antiga chapa Construindo um novo Brasil, que, em 2007, foi liderada pelo atual presidente Ricardo Berzoini. Ela agrega duas correntes que compuseram, com o Movimento PT, a chapa então liderada por Jilmar Tatto. Denominada agora “Partido que muda o Brasil”, dá a impressão de buscar reerguer, em novo formato, um “campo majoritário”. Isso, no entanto, parece depender de fatores regionais – em diversos estados, setores que a compõem disputam entre si – e, sobretudo, nacionais que exigirão respostas para as quais parece haver pontos de vista diferentes no seu interior.

Encabeçada pelo companheiro Geraldo Magela está a lista apresentada pelo Movimento PT: “Partido para Todos”. Ela foi enfraquecida pela saída dos antigos aliados de 2007 e por uma perda de unidade nacional, sendo que setores estaduais importantes não acompanham o movimento nacional.

A lista que tem como candidata a presidente a companheira Iriny Lopes reúne, de modo geral, as correntes que apoiaram Valter Pomar e Gilney Viana em 2007, apresentando-se agora como “Esquerda Socialista”. Na Bahia, a corrente EDP, que havia apoiado Valter Pomar em 2007, deslocou-se para a chapa “Partido que muda o Brasil”.

A corrente O Trabalho dividiu-se em duas, que se expressam através das candidaturas a presidente dos companheiros Markus Sokol e Serge Goulart.

As demais chapas não apresentam candidaturas a presidente e tendem a expressar diversos alinhamentos regionais. O mais destacado desses é o de Minas Gerais, com a chapa “Partido para Todos – Unidade na Diversidade”, que reúne antigos setores das correntes Construindo um novo Brasil e Movimento PT, e cujo eixo é a defesa da candidatura do ex-prefeito Pimentel a governador do estado.

A nova direção – como as anteriores – depende da capacidade de realizar sínteses, de responder aos problemas políticos e organizativos do PT. Nesse sentido, ela é mais que a expressão numérica – ou “correlação de forças”, no sentido mais vulgar – estabelecida pela eleição interna. O curto período que separa o PED da realização do 4º Congresso será decisivo nessa definição, pois a agenda inclui a formação da Executiva Nacional e a construção da plataforma de 2010 (programa e tática eleitoral).

Teses à esquerda

As principais chapas convergem no objetivo estratégico de conquistar o 3º mandato presidencial do PT com Dilma Rousseff e na idéia de um governo mais à esquerda. Esse cenário corresponde a uma conjuntura mais à esquerda, com o Brasil saindo da crise com uma plataforma antineoliberal. E, talvez, reflete uma tendência mais geral observada ao longo da trajetória do PT, que é a de que o partido não só influencia, mas é bastante influenciado pelo movimento geral das forças sociais e da sociedade brasileira. De todo modo, é um cenário positivo e que pode vir a ter a melhor expressão no 4º Congresso.

Nosso governo vem superando a experiência desenvolvimentista clássica na América Latina ao conduzir o desenvolvimento em conjunto com distribuição de renda. Mais do que isso, é possível dizer que a distribuição de renda – sobretudo através da elevação da renda do trabalho, como mostra o artigo a seguir, de Marilane Teixeira e Anderson Campos, – é um dos fatores centrais que vêm dando sustentação ao ciclo de desenvolvimento atual. Uma das críticas de esquerda mais fortes ao desenvolvimentismo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, da ONU) foi justamente à idéia de ter considerado que a superação da desigualdade viria de forma quase automática com o desenvolvimento econômico. E uma das consequências decisivas desse processo é o fortalecimento da classe trabalhadora na sociedade brasileira.

As alterações no modo de desenvolvimento rural, com a constituição de um pólo baseado na agricultura familiar, vêm criando uma alternativa ao modelo baseado no agronegócio. Essa mudança permite retomar a atualização da reforma agrária.
Os avanços nas políticas sociais, na sua universalização e no potencial de qualificação democrática – isto é, de expressarem mudanças de qualidade a favor das maiorias nas relações sociais de poder – são outro componente estrutural da via democrática do desenvolvimento brasileiro.

A consolidação da política internacional de esquerda não só ocupa espaços abertos pela crise interna e do papel dos Estados Unidos no mundo, mas atua para dar mais consistência ao novo modelo de desenvolvimento.

De outro lado, uma das travas a que todo esse processo não venha ocorrendo de forma plena é a continuidade da gestão monetária neoliberal do Banco Central. Com sua legitimidade combalida pela crise neoliberal e por sua atuação conservadora na crise econômica recente – como demonstra o artigo de Juarez Guimarães no DS/EmTempo 23 – o Banco Central precisa de nova orientação que combine soberania nacional e defesa da moeda com gestão anti-especulativa e pró-desenvolvimento do sistema financeiro. Os passos dados durante a crise e ao longo dos nossos governos no sentido de fortalecer o sistema financeiro público dão mais viabilidade para essa mudança.

Um dos avanços deste PED e do 4º Congresso pode ser o de reatar a elaboração do programa de governo com a perspectiva socialista democrática do partido. Essa relação foi evidente e forte nos programas de 1989 e 1994, e bastante diluída nos programas seguintes. A condução do governo frente à crise econômica definiu a vitória do programa antineoliberal. E abriu novos espaços para retomar com mais clareza os vínculos entre o programa de governo e a construção de um caminho em direção ao socialismo democrático. Esse é o grande aspecto positivo da conjuntura que estamos atravessando.

Desenvolvimento e democracia

A tese da Mensagem ao Partido acentua a importância estratégica da democracia participativa para a construção de uma via de desenvolvimento socialista e democrática para o Brasil. Vincula a esse projeto a reforma política conquistada a partir da pressão da sociedade (e não a partir da via legislativa, como concede a tese do “Partido que muda o Brasil”). E propõe levar em frente, incluindo no programa de governo, a convocação de uma Assembléia Constituinte para definir um novo e democrático ordenamento constitucional para um Brasil pós-neoliberal.

A tese do “Partido que muda o Brasil” defende que a democracia participativa já está sendo realizada, esquecendo-se que um dos seus pressupostos é justamente o de que as decisões, antes controladas pelo parlamento ou pelo executivo, passam a ser exercidas por mecanismos de participação direta da população. É o exemplo do orçamento participativo. Aliás, esse subdimensionamento da participação popular aparece também na sua visão de como conquistar a reforma política, que é vista como um assunto da alçada do poder legislativo.

A questão das alianças

Quanto mais claro e mais definido nosso programa como de esquerda, melhores condições teremos de resolver a política de alianças. Frente a um cenário de “abertura ao centro” (leia-se PMDB), nosso programa é um elemento fundamental – mas não único e nem “salvador” – para a afirmação de uma identidade de esquerda para a candidatura Dilma. É necessário enfrentar concretamente a questão das alianças.

A “abertura ao centro” (e, às vezes, a setores de direita) parece corresponder ao fracasso na realização da reforma política e na construção da democracia participativa, de um lado. E, de outro, a uma relativa separação entre eleição e governo, com as alianças sendo pensadas em função do primeiro e cobrando o seu preço na hora de realizar o segundo. E isso se dá em um ambiente em que o sucesso do nosso governo atrai forças políticas oportunistas, inclusive ao interior do PT.

Frente a esse problema, as teses principais defendem a importância e prioridade de uma frente de esquerda, o que é um avanço. Elas variam na relação a ser estabelecida com o PMDB. A tese do “Partido que muda o Brasil” chega a propor palanques “unitários” nos estados, uma hipótese já superada nos debates recentes sobre tática eleitoral no âmbito da Executiva Nacional. As demais teses principais acentuam a primazia do bloco de esquerda popular. A tese da Mensagem admite a relação com o PMDB no âmbito nacional, sem impor subordinação aos estados.

Há muitas indicações de que essa questão dependerá do desenvolvimento concreto da polarização entre PT e PSDB e dos alinhamentos estaduais. Nenhum automatismo ou fórmula pré-definida parece dar conta de antecipar o cenário que teremos nas disputas de 2010.

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Campanhas. Tarso Genro, pré-candidato ao governo do RS, com Raul Pont e Cardozo em atividade do PED.

A reorganização do PT

Ainda que a organização do PT não seja o ponto central da agenda, podemos e devemos afirmar que só há política de esquerda quando existe um partido socialista efetivo na sua organização, no seu programa e na sua ética. Aliás, sobre a ética, prevalece, com honrosas exceções, como a tese da Mensagem ao Partido, um silêncio retumbante por parte das demais teses principais. O silêncio preocupa, sobretudo, neste momento, em que o partido tem como desafio tirar do papel o Código de Ética recentemente aprovado no DN. Esse fato deve nos chamar a atenção para o risco de não correspondência entre uma visão mais à esquerda sobre o governo e o atraso na construção do partido, que continua com enormes problemas organizativos (dentre eles, o mais grave é o das filiações em massa).

Devemos dar atenção a uma afirmação da tese “Partido que muda o Brasil”, que diz “É preciso fortalecer uma política que cada vez mais condicione o direito de voto dos filiados à sustentação material e participação em ações de formação. (…) é preciso que o PT esteja mais forte e mais protegido de interesses a ele estranhos” (Caderno de Teses, p. 42). Essa conclamação tardia – depois de conciliar e se beneficiar de filiações em massa, como em Manaus – não deixa, no entanto, de ser importante. Nosso companheiro José Eduardo Cardozo apresentou nos debates a proposta de alterar o estatuto e o funcionamento interno de modo que a filiação não corresponda automaticamente ao direito de voto: este deve estar submetido à participação e ao compromisso de sustentação do partido (o que vale também para as instâncias partidárias). A questão central não é o crescimento do PT: precisamos crescer e enraizar no Brasil inteiro. A questão é como e quem se beneficia desse crescimento.

O Código de Ética é um instrumento central nesse desafio e naquele que se refere à proteção do PT frente a “interesses a ele estranhos”. É também central na defesa e na prática da democracia interna. Esperamos que a nossa honrosa exceção ao defendê-lo seja compartilhada pelas demais correntes e pela base do partido.

CARLOS HENRIQUE ÁRABE é Secretário Nacional de Formação Política do PT, e integra a executiva nacional do partido representando a “Mensagem ao Partido”.


 

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