A nossa existência, enquanto mulheres, é atravessada desde o início por violências em diversas dimensões. O nosso processo de reconhecimento e entendimento da posição que ocupamos acontece concomitantemente com as opressões a que somos submetidas, de forma estrutural. Ocupar uma sociedade que funciona a partir do objetivo de nos marginalizar diariamente, requer, de maneira urgente, a auto-organização dos movimentos feministas e de mulheres, um fortalecimento da luta social, bem como a participação na construção de políticas públicas que priorizem nossas vidas.
Para entendermos por onde precisamos caminhar, é essencial entendermos onde estamos. Em 2021, o Instituto DataFolha realizou um estudo acerca dos índices de mulheres que sofreram violência, seja física ou psicológica, e trouxe resultados que explicitam parte do que vivenciamos diariamente. Segundo o estudo, um terço das mulheres brasileiras já sofreu algum episódio de violência física ou sexual pelo menos uma vez na vida e, quando são incluídas as violências psicológicas, esse número sobe para 43%. A materialidade desses números não é capaz de traduzir de forma totalmente realista os casos diários, por dois motivos centrais: a quantidade baixa de denúncias, se comparada ao fluxo de violências, e a dificuldade de identificar uma situação de violência de gênero em uma sociedade que a naturaliza.
Conforme Nalu Faria, psicóloga e grande liderança feminista, escreveu em janeiro de 2002, “se queremos entender a condição e as dinâmicas que vivem as mulheres na sociedade, precisamos ter uma visão sistêmica e não apenas centrada nos “temas”, nos “problemas” ou mesmo nos direitos das mulheres. Só assim poderemos estabelecer os marcos necessários para as transformações estruturais que necessitamos”. Para Nalu e para nós, militantes da Marcha Mundial das Mulheres, os debates acerca das estruturas sociais que nos oprimem deve acontecer de maneira aprofundada, indo no cerne da questão, pois compreendemos que, conforme a magnitude das violências que nos são direcionadas, a ideia de combater de maneira paliativa não nos é suficiente, haja vista que o ponto central desse processo deve ser o movimento das camadas estruturantes que nos marginalizam diariamente, validadas, particularmente no cotidiano das mulheres, pelas relações patriarcais estruturantes do capitalismo.
Cientes da necessidade de mudar o mundo para mudar a vida das mulheres e mudar a vida das mulheres para mudar o mundo, é essencial que busquemos, através da auto-organização, o fortalecimento das nossas vidas e articulações nos territórios para o processo de construção de políticas públicas e medidas de enfrentamento à violência. Nesse sentido, tivemos, nos últimos tempos, a implementação de instrumentos que são essenciais para nosso objetivo de transformar o mundo em um lugar seguro para nossas existências.
Apontando aqui a experiência local no Rio Grande do Norte, no último período, duas novas Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM) foram inauguradas no estado, sendo uma delas em Mossoró. Da mesma forma e para além disso, a atuação da Casa de Acolhimento à Mulher, que contempla todo o estado, é um dos espaços que fortalece nossa construção de combate profundo das opressões que nos são direcionadas, pois não andam sozinhos. A movimentação das estruturas só acontece se realizarmos, lado a lado, o processo de debate social acerca dos elementos que impulsionam o sistema, em toda a sua complexidade, que fomenta essas violências. Sem esse aprofundamento, a transformação social que buscamos, não é possível.
Esse mundo novo só será possível se firmarmos, de forma consciente, o compromisso de marchar continuamente pela garantia, não só das nossas vidas, mas pela possibilidade de ocupar todos os espaços que nos são, ainda, negados e avançarmos no acesso aos nossos direitos. Sem deixar nenhuma de nós para trás, seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!
Plúvia Oliveira é Gestora Ambiental pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e militante da Marcha Mundial das Mulheres.