Até conservadores intelectualmente honestos admitem que o mercado é um mecanismo capacitado a criar riquezas, mas incompetente para distribuí-las com equidade e que, por isso, a tendência histórica do capitalismo de livre mercado é o aumento da concentração, mesmo que relativa, de estoques e fluxos de riqueza, inter e intranações.
A rica experiência dos séculos XIX e XX demonstra que períodos de maior aumento da desigualdade em nível mundial estão diretamente relacionados à liberalização, seja ela comercial ou financeira. As ilusões do liberalismo, subitamente perdidas nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial e na dèbâcle de 1929, não conseguiam esconder, ainda na sua Era Dourada, uma sucessão de grandes crises econômicas e um enorme aumento da desigualdade social, conforme descrito na literatura de Dickens, nos escritos econômicos de Marx e nos diversos relatos da destruição das tradicionais indústrias têxteis da China e Índia, subjugadas então pelo colonialismo europeu.
A partir dos anos 80 do século passado, quando iniciamos um novo período de forte liberalização da atividade econômica – e desta vez com ampla hegemonia do capital financeiro -, mais uma vez o mundo testemunhou uma explosão da concentração de renda e riqueza, inclusive com o desmonte dos diversos mecanismos de proteção social criados nos países industrializados a partir de 1930.
A lição que aprendemos nestes duzentos anos de história econômica é que a intervenção do Estado é absolutamente necessária para os fins de combate à iniquidade gerada pelo funcionamento rotineiro do capitalismo.
A história de nosso país, inclusive em sua recente e inédita experiência democrática, serve de boa ilustração a nosso argumento. A combinação da herança colonial escravocrata com derrotas políticas dos setores populares abortaram, por todo século XX, amplos processos de mudança social por essas bandas. O resultado é sermos uma das sociedades mais desiguais do mundo.
Nossa sina, cruzemos os dedos, parece estar mudando. Segundo um documento publicado esta semana pelo IBGE, denominado Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) 2012 e elaborado com base na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), as desigualdades do país se reduziram drasticamente entre 2001 e 2011 graças à valorização do salário mínimo, do crescimento econômico e dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. Com isso, no ano passado, o Brasil alcançou sua menor desigualdade de renda em 30 anos: o Coeficiente de Gini passou de 0,583 em 1981 para 0,508 em 2011. Note-se que, em 2004, esse índice ainda era de 0,559. O Coeficiente Gini mede a distribuição de renda de um país e quanto mais próximo do zero, maior a igualdade.
Na década em questão (2001- 2011), os 20% mais ricos tiveram sua participação na renda nacional diminuída de 63,7% para 57,5%, enquanto os 20% mais pobres pela primeira vez viram sua participação aumentar, passando de 2,5% para 3,5% do total da renda. Neste período, a razão entre a renda familiar per capita dos 20% mais ricos em relação aos 20% mais pobres da população caiu de cerca de 24 para 16,5 vezes. Apesar dessa melhoria, não se pode ter a ilusão de que a desigualdade foi vencida, visto que os 20% mais ricos ainda detêm quase 60% da renda nacional.
Acredito estarmos no caminho certo. Os índices coletados pela SIS 2012 indicam uma melhoria geral de condições de vida em diversos setores. As mulheres e os trabalhadores informais foram os mais beneficiados. No período em questão, elas tiveram 22,3% de ganhos reais e trabalhadores informais, 21,2%. Já a formalidade entre as mulheres no mercado de trabalho cresceu de 42,3% para 54,8%, e a proporção de pessoas com 16 anos ou mais com carteira assinada foi de 45,3% para 56%. O segmento entre 16 e 24 anos foi o que mais aumentou na formalização do trabalho, passando de 40,8% em 2006 para 53,5% em 2011.
Também é significativo notar que a expansão dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, resultou no aumento do rendimento médio do trabalho das famílias de baixa renda. Para quem ganha até ¼ do salário mínimo, o rendimento médio do trabalho cresceu de R$ 273 para R$ 285. E subiu de R$ 461 para R$ 524 para os que estão na faixa de ¼ e ½ salário mínimo.
Na área da Educação, a SIS revelou que o percentual de crianças de zero a cinco anos nas escolas cresceu de 25,8% para 40,7%. Em relação à escolarização dos adolescentes entre 15 e 17 anos, o crescimento foi menor – de 81% para 83,7% –, mas o avanço na taxa de frequência desses jovens ao ensino médio foi mais significativo para aqueles que pertencem às famílias com menores rendimentos (de 13% em 2001 para 36,8% em 2011) e entre negros e pardos (de 24,4% para 45,3%). Hoje, felizmente, é consenso que a diminuição da desigualdade social é um fator fundamental para que a democracia se fortaleça e se consolide no país. E o Brasil, por decisão eminentemente política de seu povo, finalmente começou a avançar nesta direção.
* Claudio Puty é deputado federal (PT/PA) e membro da Coordenação Nacional da DS.