Movimento pela refundação e necessidade de um congresso marcam eleição interna.
Em meio à maior crise de sua história, o PT realizou seu processo de eleições diretas (PED), contando com a participação de mais de 300 mil filiados e filiadas. Essa presença expressiva ao longo do processo atestou a vitalidade do partido, e o compromisso de sua militância com a superação da crise. Vale salientar que a maioria dos petistas votou por mudanças na direção e nos rumos do partido já no primeiro turno.
A tese de que “o PT acabou”, sustentada por setores da direita e por setores da esquerda, mostrou-se infundada, dada a disposição da militância petista em defender seu partido. Além disso, a votação majoritária nas chapas à esquerda no primeiro turno e a votação dividida quase ao meio no segundo turno evidenciam o apoio expressivo do base partidária às propostas de inspiração socialista.
Ao longo do processo, demonstrações dessa vitalidade abriram espaço para um movimento de refundação vigoroso e radical. Esse movimento foi capaz de iniciar a crítica política comprometida e transformadora do partido, reivindicando o PT neste que é seu momento mais difícil, além de ter envolvido muita gente, num curto espaço de tempo, nas diversas regiões do país. Também é importante destacar o “retorno” da intelectualidade de esquerda e de uma geração de fundadores do partido para a disputa do PT. Muitos deles participaram ativamente do movimento pela refundação, cuja continuidade é fundamental.
Saídas sectárias do PT
Alguns setores da esquerda abandonaram o PT entre o primeiro e o segundo turno, exatamente no momento em que podiam intervir no resultado, elegendo pela primeira vez um presidente da esquerda. Tomaram essa atitude contra, até mesmo, sua base, que não foi consultada e que havia votado pela mudança, e não pela saída do PT. Foi, por isso mesmo, uma saída solitária, por cima, e organizada por mandatos parlamentares (beneficiados, aliás, pela legislação eleitoral brasileira, uma das mais atrasadas do mundo, que confere ao parlamentar a propriedade do mandato). Caracterizou-se como duplamente sectária: contra a base do partido e contra a esquerda partidária.
O pós-PED
O PT conta com uma nova direção nacional, com mais peso da esquerda e sem maioria automática, dada a redução de forças do antigo campo majoritário. A composição da executiva nacional mostra mudanças importantes na distribuição proporcional dos cargos de mais impacto na condução do partido. Pode-se dizer que o PED abriu um novo ciclo partidário, com possibilidades de ter uma dinâmica que favoreça a retomada e desenvolvimento das posições históricas do partido. Ele passa pela reorganização partidária, pela relação com o governo (a necessária autonomia) e a defesa de um programa de participação popular e de desenvolvimento, que retome os compromissos do PT com as maiorias e abra espaço para a reeleição desse projeto.
Por mais condições que se tenham reunido de tornar vitoriosas as bandeiras da esquerda, não há automatismo entre as mudanças estimuladas pela militância no PED e as decisões nas estruturas de direção e representação do partido. Continua a se desenvolver a luta de concepções partidárias, que opõem o partido eleitoral integrado ao Estado e o partido militante e socialista.
No que se refere à relação do PT com o governo, menos automatismo ainda. Essa relação continua a ser conflitiva. Basta ver as propostas da área econômica logo em seguida ao PED (ver matéria seguinte). Esse processo se desenvolve em duas frentes: nos posicionamentos do PT face às políticas em curso no governo e nas definições de plataforma, candidatura e alianças para reeleição. A sintonia dessas discussões com a polarização política nacional é fundamental. PSDB e PFL buscam protagonizar a volta da direita ao governo, a partir da desconstrução do PT enquanto agente histórico da classe trabalhadora e do questionamento de seus princípios éticos. Esse confronto só poderá ser vitorioso para o PT na medida em que este formule uma plataforma capaz de resgatar a esperança da transformação.
Perspectivas
A mudança anunciada pelo voto da militância precisa ser concretizada em um conjunto de iniciativas.
É de suma importância a democratização da direção nacional do partido, expressando no Diretório Nacional e na executiva a nova realidade emergida a partir do PED. E, assim, responder à sociedade que anseia pelo retorno do PT enquanto um partido de idéias, de programa e de ética socialista e democrática.
Em abril, acontece o 13º Encontro Nacional do PT, com elementos que o aproximam de um congresso, por ter poderes para deliberar acerca de estatuto e programa do partido; mudar a estrutura de participação e de decisão interna e avançar nas definições programáticas. As duas candidaturas que foram ao segundo turno expressaram essa necessidade para a reoxigenação do PT e o reencontro com a sua militância.
Isso possibilitaria – e o PED mostrou que se trata de uma concepção concreta e viável – uma organização partidária pela base. É preciso desencadear um amplo processo de organização militante no partido, que pode começar debatendo uma de suas idéias fundadoras: a organização por núcleos de base.
De forma combinada, um movimento dessa natureza exige a retomada com todo o vigor de um projeto de transformação democrática da sociedade brasileira. Esse debate foi importante no PED e deve ter continuidade agora. Para que a experiência de governo seja devidamente avaliada, corrigida e avançada, o debate programático precisa ser mais amplo e ousado.
O Encontro Nacional será um momento de síntese inicial e de organização da continuidade da renovação programática e organizativa do partido. Será também um espaço privilegiado para a intervenção de um movimento formado a partir do PED, identificado com as teses da refundação e com o significado da candidatura Raul Pont, que vem se desenvolvendo no interior do PT e mostrando fôlego para essa disputa maior. Esse movimento tem um largo espaço para ocupar no partido, e o Encontro Nacional será um importante momento de efetivá-lo.