Quando Silvio Berlusconi trocou os pés pelas mãos mais uma vez na semana passada, alegando que as propinas são uma parte normal dos negócios no exterior, a Itália esperou uma reação esmagadora de seu principal adversário na eleição deste mês. Mas Pier Luigi Bersani não é um homem dado aos gestos brutos das campanhas políticas e, como de costume, não deu o golpe fatal, preferindo a declaração um tanto frágil: “Chega de propinas, chega de Berlusconi”. Não foi melhor que a atuação normal de Bersani diante das câmeras de tevê, onde o líder da coalizão de centro-esquerda da Itália muitas vezes parece distraído e desconfortável. Mas muita coisa depende de ele se tornar um adversário verossímil para o três vezes primeiro-ministro, enquanto milhões de italianos, e até governos estrangeiros, contam com Bersani para deter um ressurgimento de Berlusconi. Os analistas temem que isso provoque uma paralisia política e leve a Europa e a economia global de volta para o limiar do desastre.
As últimas pesquisas permitidas antes das eleições do próximo domingo mostraram que o apoio a Berlusconi subiu, ficando apenas 5 pontos atrás da coalizão de Bersani, graças a um hábil ataque nos programas de entrevistas na tevê, onde ele não perde tempo. “No máximo, Bersani seria um bom prefeito de Bolonha”, foi um dos comentários preferidos.
Bersani, de 61 anos, um ex-comunista e filho de um mecânico, é ativista político desde criança, quando organizou uma greve de coroinhas em sua igreja para protestar contra o uso pelo padre do dinheiro de doações. Fã da banda de rock AC/DC e formado em filosofia, ele é casado com uma farmacêutica de sua cidade natal na Emilia Romagna. Tudo muito distante das festas “bunga-bunga” e aventuras com dançarinas de Silvio Berlusconi.
Como líder do Partido Democrático, Bersani se viu responsável diante dos sindicalistas que apoiam o partido, e que no ano passado resistiram às tentativas de reforma do mercado de trabalho do primeiro-ministro Mario Monti. Mas ele mesmo se mostrou um reformista, usando seus 18 meses como ministro do governo de Romano Prodi em 2006 para cortar os custos das ligações de telefones celulares, com leis que desafiaram as tendências cartelistas das operadoras italianas — exatamente o tipo de reforma que, segundo muita gente, o governo tecnocrata de Monti deveria ter aprovado mais no ano passado.
Mas os discursos vagos de Bersani, que ele tempera com ditados populares, tornaram-se o alvo preferido de comediantes ao se aproximar a eleição. Até Berlusconi provocou risos ao fazer uma imitação de Bersani em um comício. Bersani ainda poderá vencer a câmara baixa do Parlamento em 25 de fevereiro, mas poderá ser obrigado a uma aliança no Senado com Monti para manter Berlusconi à distância.
Tanto Bersani quanto Monti prometem reformar a economia esclerosada da Itália, juntamente com um afrouxamento dos impostos, mas o acordo poderá ser arruinado pelo aliado de esquerda na coalizão de Bersani, Nichi Vendola, que detesta o apreço de Monti pela austeridade e disse que se recusará a ser o “poodle” em uma coalizão.
Isso deixou Bersani emperrado no meio, exatamente quando Berlusconi gera consenso ao prometer restituir em dinheiro um odiado imposto habitacional criado por Monti no ano passado e conquista manchetes ao contratar Mario Balotelli para seu time de futebol, o Milan, com o ex-atacante do Manchester fazendo um impacto imediato.
Bersani e Monti ficarão gratos que o tempo de televisão para os políticos seja racionado até o próximo fim de semana, enquanto a renúncia do papa e um popular concurso de canto na tevê reduzem ainda mais as chances de Berlusconi fazer promessas chocantes no ar.
Mas um político que continua lotando praças em toda a Itália poderá ser igualmente uma ameaça. O comediante Beppe Grillo, que ataca os políticos corruptos e lucra com uma série de grandes escândalos empresariais, já supera Monti, com 16%. Ele não disputa a eleição, mas o partido Movimento Cinco Estrelas, que ele cofundou, deverá ocupar cerca de 10% dos assentos na Câmara dos Deputados e no Senado.
Grillo foi condenado por assassinato depois de um acidente de trânsito em 1980, o que o proíbe, pelas regras do partido, a disputar o cargo principal. Ele disse que seus candidatos — que nunca serviram no Parlamento — estavam ocupados estudando a boa governança antes de rumarem para os corredores do poder, onde se espera que removam privilégios parlamentares arraigados.
Os “grillini” poderão enfraquecer ainda mais Bersani no Senado e obstruir leis na Câmara, aumentando os temores de que uma coalizão Bersani-Monti, numericamente fraca, desmorone em poucos meses.
Esta semana Grillo planejou um comício na Piazza San Giovanni em Roma, supostamente irritando políticos de centro-esquerda que costumam fazer comícios no local. “A centro-esquerda está percebendo agora que estamos aqui, mas é tarde demais”, ele disse.
Os candidatos
Pier Luigi Bersani
Ex-comunista e líder cordato da coalizão de centro-esquerda que faz os italianos pegarem o controle remoto, provoca bocejos quando aparece na tevê, devido a sua incapacidade crônica de dar ênfase a uma declaração. Apelidado de Gargamel pelo comediante Beppe Grillo por causa do personagem calvo dos Smurfs.
Nichi Vendola
Governador gay da região de Puglia (sul), que chefia o partido Esquerda, Ecologia e Liberdade. Nervoso diante da perspectiva de uma aliança pós-eleitoral com o centrista Mario Monti.
Mario Monti
O primeiro-ministro de saída, que foi recrutado para disputar um governo tecnocrata depois da renúncia de Silvio Berlusconi em novembro de 2011. Professor de economia e ex-comissário da União Europeia, ele foi recentemente ridicularizado por usar a expressão americana “wow” [uau] em um tuíte.
Silvio Berlusconi
Ele disse esta semana na tevê: “A propina é um fenômeno que existe, e é inútil negar a existência dessas situações necessárias”, antes de alegar no dia seguinte: “Eu nunca disse a palavra ‘propina’”. Alguns dizem que ele só quer ser ministro da Fazenda, e não primeiro-ministro, em um novo governo.
Beppe Grillo
Comediante anticorrupção que criou o Movimento Cinco Estrelas, um partido online, cujos comícios lotam praças. Uma condenação por homicídio o impede de disputar o cargo, mas membros de seu partido poderão ganhar 10% dos assentos.