O Brasil dormiu de luto no último dia 30 de abril. Beth Carvalho, a madrinha do samba, morreu de infecção generalizada, aos 72 anos, no Rio de Janeiro, deixando 31 álbuns de estúdio gravados ao longo de mais de 5 décadas de carreira.
Com origem na bossa nova, foi no samba que a cantora encontrou morada e marcou a História da música popular brasileira. Explodiu aos 19 anos, no III Festival da Canção, em 1968, tornando-se conhecida em todo o país. A voz de Beth foi ouvida até no espaço: em 1997, sua gravação de “Coisinha do Pai” foi utilizada para “acordar” um robô da NASA em Marte.
Frequentadora assídua de rodas de samba, fez a ponte entre compositores clássicos, como Cartola, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva e as velhas guardas, com a turma dos quintais. Notabilizou-se por revelar gerações de compositores que, sem Beth, provavelmente ficariam relegadas aos escaninhos da memória musical, como afirmou o historiador Luiz Antonio Simas.
Se, na música, o legado de Beth Carvalho é inestimável, suas digitais também estão impressas na política e nas lutas populares. Artista engajada, filha de um funcionário do Ministério da Fazenda cassado pela ditadura militar, Beth sempre se posicionou abertamente sobre os mais diversos temas. Na batalha pelos direitos dos artistas, protagonizou uma conquista inédita no mundo: a numeração dos discos, impedindo que as gravadoras ludibriassem os artistas manipulando os resultados das vendas.
Beth foi filiada ao PDT e brizolista militante. Por diversas vezes, reivindicou-se socialista; ostentava, nas paredes de casa, retratos de Che Guevara e Hugo Chávez. Participou da luta pelas Diretas Já, gravou música e apoiou o MST, apresentou-se em Cuba. Era voz sempre presente nos atos de 1º de maio e apoiou Lula e Dilma nas quatro campanhas presidenciais vitoriosas.
Em 2018, já com a saúde debilitada e locomovendo-se em uma cadeira de rodas, a cantora marcou presença no Festival Lula Livre, no Rio de Janeiro, e participou do histórico reencontro de Chico Buarque e Gilberto Gil no palco. Com sua voz marcante, Beth cantou “o povo quer, o povo decide, o povo diz, nós queremos Lula andando livre no país”, para delírio da multidão.
Beth merece todas as homenagens pelo que representou na música e fora dela. O Brasil perdeu uma cantora brilhante e uma militante incansável. Os movimentos populares e a esquerda perderam uma aliada que nunca titubeou em apoiar as grandes lutas por direitos. Celebrar sua vida e obra e seguir na luta é o maior tributo que podemos prestar.
Bernardo Cotrim é jornalista e militante da Democracia Socialista.