A turma da bufunfa vive um dos seus momentos mais tenebrosos. Não no Brasil, claro. Os elevados juros brasileiros e outras benesses garantem lucros relativamente fáceis. Os bufunfeiros tupiniquins não precisam inventar nada nem correr grandes riscos.
Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo
Já os bufunfeiros americanos e europeus vêm registrando perdas gigantescas. Várias instituições financeiras estão com a corda no pescoço, buscando socorro governamental. Algumas já sucumbiram. A última vítima foi o banco Bear Stearns – uma referência internacional.
Normalmente, um bufunfeiro brasileiro não se referia ao Bear Stearns sem que dos seus lábios pendesse a proverbial “baba elástica e bovina da humildade”.
Estamos diante de um grande paradoxo. Os países e bancos que se apresentavam -e eram aceitos- como modelos de governança estão hoje na lona.
Não se duvida mais da gravidade da crise. Segundo o ex-presidente do Federal Reserve Alan Greenspan, “a atual crise financeira dos Estados Unidos deverá ser julgada em retrospecto como a mais violenta desde o fim da Segunda Guerra Mundial”. O número dois do FMI, John Lipsky, numa declaração incomum para um dirigente dessa instituição, chegou a dizer que as autoridades governamentais devem se preparar para “pensar o impensável”.
Como está reagindo o Brasil a esse tumulto? Até agora, surpreendentemente bem. Digo “surpreendentemente” porque o brasileiro está acostumado à vulnerabilidade externa. Nas últimas décadas, o Brasil se mostrou muito suscetível a choques internacionais. É notável que a crise financeira esteja rolando há oito meses sem ter afetado substancialmente o desempenho da economia brasileira.
O que mudou? Basicamente a qualidade dos nossos indicadores econômicos. O Brasil, assim como outros países emergentes, tem hoje uma economia mais forte. A inflação está controlada, as contas públicas não registram grandes desequilíbrios, a dívida pública vem diminuindo como proporção do PIB.
Além disso, as contas externas brasileiras se fortaleceram de maneira expressiva nos últimos cinco anos. Esse é o aspecto crucial. A fragilidade das contas externas era a grande fonte de vulnerabilidade do país e uma das principais causas do crescimento medíocre da economia.
O fundamental é impedir que esse avanço seja revertido pela valorização persistente do real. Já há sinais claros de deterioração do nosso balanço de pagamentos em conta corrente. É verdade que parte dessa deterioração reflete a rápida expansão da demanda interna. Mas a contribuição do câmbio tem sido decisiva.
O Ministério da Fazenda procurou reagir a esse problema com o pacote de medidas cambiais da semana passada. A medida mais importante foi a imposição de um IOF de 1,5% sobre investimentos estrangeiros em renda fixa. Quebra-se assim mais um tabu. O controle sobre o ingresso de capitais especulativos era estigmatizado como medida “heterodoxa”, “de alto risco”, que poderia desestabilizar a economia. O governo ignorou esse vaticínio e foi em frente. Não aconteceu nada. O que se discute agora é se a medida será eficaz ou se os bufunfeiros encontrarão meios de contorná-la.
Cabe agora acompanhar de perto os movimentos do mercado e aplicar a medida com rigor. Evidentemente, tudo ficará mais difícil se o Banco Central insistir em sinalizar aumento dos juros básicos num momento em que as taxas estão caindo rapidamente nos Estados Unidos e em outros mercados.
Paulo Nogueira Batista é economista e diretor-executivo do FMI.