Confira a Carta Aberta divulgada pela Mensagem ao Partido, e subscrita por dezenas de lideranças partidárias, dialogando com as posições políticas críticas apresentadas pela companheira Marina Silva e propondo ações que garantam a incorporação no programa eleitoral e partidário da questão do desenvolvimento compatível com a sustentabilidade do planeta.
Companheira Marina,
Vinte e dois anos depois de sua fundação, o Partido dos Trabalhadores, liderando uma frente de partidos e movimentos sociais, venceu eleitoralmente a perspectiva neoliberal que paralisara o país por duas décadas. Ao assumir a Presidência da República em janeiro de 2003, o governo Lula tinha diante de si duas tarefas gigantescas: retomar o crescimento e superar as marcas fundamentais que definiram os ciclos de desenvolvimento do século XX. Sabemos todos que o Brasil foi um dos países que mais cresceram durante o século XX, se considerarmos o PIB. No entanto, crescemos, sob ditaduras; crescemos, concentrando renda; e crescemos depredando os recursos naturais.
Ao longo desses quase sete anos de governo podemos afirmar que o governo Lula cumpriu o compromisso que o Partido dos Trabalhadores e o próprio candidato estabeleceram com a sociedade brasileira: retomamos o crescimento depois de duas décadas de estagnação. A retomada levantou para nós o triplo desafio para qualificar o ciclo do século XXI: desenvolver o Brasil aprofundando as conquistas democráticas; desenvolver o Brasil com distribuição de renda combatendo as criminosas desigualdades sociais e regionais; e desenvolver o Brasil incorporando a sustentabilidade socioambiental à cultura do novo ciclo.
Os dois primeiros desafios estão encaminhados: vivemos uma experiência democrática em que as instituições funcionam e se amplia a participação popular nos processos de tomada de decisão; vivemos uma dinâmica de investimento do estado no combate às desigualdades sociais e regionais que nos permite dizer ao mundo, como na recente pesquisa do IPEA, que no Brasil as camadas mais pobres da população elevam sua qualidade de vida em meio à crise mundial. O terceiro desafio não está encaminhado satisfatoriamente. O novo ciclo de desenvolvimento ainda não incorporou a dimensão da sustentabilidade socioambiental à sua cultura, ao seu comportamento. Mesmo considerando as conquistas alcançadas na formulação e condução das políticas socioambientais sob sua responsabilidade ao longo de cinco anos e meio à frente do Ministério do Meio Ambiente. Temos, portanto, aí um grande desafio a vencer para conferir uma nova qualidade à continuidade do nosso projeto. Evidentemente, é indispensável ouvir as razões de Marina Silva.
As razões de Marina Silva
Há pelo menos três razões para que ouçamos com discernimento e fraternidade o clamor em defesa da Terra – o frágil planeta que recebemos da humanidade que nos precedeu – e nos chega pela voz da companheira Marina Silva neste momento decisivo de sua trajetória.
Durante muito tempo a esquerda ouviu com uma sensibilidade menor e uma apenas discreta atenção os argumentos daqueles que puseram no centro de sua agenda, de suas angústias e esperanças, a luta pela sobrevivência do planeta. Mesmo quem examinava os argumentos, com sincera boa vontade, não deixava de sentir que havia ali, talvez, as marcas de um diagnóstico excessivo, de uma urgência artificiosa ou, quem sabe, de um viés tendencioso ou algo messiânico.
Agora, não temos mais este direito, depois do que viemos a saber, do que ficou inapelavelmente confirmado por cientistas de todo mundo, com destaque para o Relatório da ONU sobre as Mudanças Climáticas, do que é afirmado pelas consciências mais lúcidas. A causa da sustentabilidade socioambiental deve estar no centro da agenda no século XXI, configurando junto com a paz e a superação das desigualdades sociais e raciais, de gênero e de regiões, um novo paradigma de civilização.
Esta é a primeira razão de Marina: a sua exigência por uma opção radical que urge e que emociona a sua voz serena.
A companheira Marina há de concordar que o governo Lula é o governo da história republicana brasileira que mais fez por um programa ecológico. Não se conhece outro no qual a tensão entre desenvolvimento econômico e a preservação da natureza tenha ido ao centro de sua dinâmica. Entre suas conquistas estão a redução consistente no desmatamento da Amazônia, o alargamento inédito das áreas de preservação, a busca de alternativas econômicas para a “floresta em pé”, por meio da Lei de Florestas Públicas, o encaminhamento reconhecido internacionalmente dos compromissos relativos ao combate ao aquecimento global. Pela primeira vez na história, o Estado brasileiro começou a regular os investimentos econômicos pela lógica da sustentabilidade. A Resolução do Conselho Monetário Nacional proposta pela então Ministra Marina Silva que condiciona a liberação de recursos para empreendimentos do agronegócio nas áreas da fronteira agrícola, aos critérios de sustentabilidade socioambiental, produziu uma forte reação deste setor. Este é apenas um exemplo.
Mas estes avanços históricos são ainda insuficientes diante do novo ciclo de desenvolvimento brasileiro iniciado nessa primeira década. Mais carros, mais combustíveis, mais consumos extras e supérfluos , mais pressão sobre a Amazônia e as fronteiras agrícolas, reprodução em escala ampliada de padrões de consumo típicos de países capitalistas centrais. A agenda ecológica estará perdida se condenada a lutar apenas na resistência, caso a caso, na regulação e na contenção das vertentes mais agressivas do crescimento. O que se requer é um novo paradigma de desenvolvimento: a economia verde do século XXI. Não apenas uma contenção e regulação, mas uma reposição e uma programatização ampla dos fundamentos socioambientais do desenvolvimento brasileiro.
Esta é a segunda razão de Marina: ainda não temos este paradigma. É preciso construí-lo.
O PT foi o primeiro partido socialista brasileiro a incorporar, como contribuição inestimável da geração da qual Chico Mendes e Marina fazem parte, a temática do desenvolvimento sustentável. Provavelmente estão na extensa rede de militantes, filiados e simpatizantes do nosso partido a maior parte dos que sustentam a utopia verde. Há uma crescente sensibilidade em relação à consciência ecológica por parte das lideranças do PT. Mas ela ainda é uma agenda setorial, isto é, não vertebra, não estrutura, não orienta as suas prioridades.
Esta é a terceira razão de Marina: o PT ainda não é um ator central na construção da utopia verde que necessitamos com urgência, capaz de se traduzir num projeto político nacional, sul-americano, que responda, num horizonte visível, aos desafios de formular um novo paradigma de desenvolvimento que supere os padrões – insustentáveis – de produção e consumo que nos conduziram à grande crise ambiental em que a humanidade se debate nos dias de hoje.
Liberalismo ecológico?
O claro diagnóstico da comunidade científica internacional, a pressão da opinião pública internacional, a sensibilidade crescente diante dos desastres ecológicos tem feito surgir um fenômeno novo, no centro e na periferia do mundo capitalista: um liberalismo ecológico. Isto é, a formação de uma consciência e de um programa que pretende unir capitalismo e ecologia, mercado e regulação, absorvendo a consciência ecológica em um paradigma de uma humanidade ainda organizada para a produção de mercadorias. Este fenômeno não deixa de ser relevante para a causa da sustentabilidade do desenvolvimento.
No Brasil, há hoje, com todos os cálculos voltados para as eleições de 2010, um claro esforço por parte de empresários, por parte do PSDB e de setores ecológicos anti-socialistas, de abraçar uma agenda verde. Nada mais patético do que a série de filmetes, repetidos em horário nobre, por exemplo, do Banco Bradesco contando a história de Chico Mendes e das causas ecológicas da Amazônia.
Mas esse Eco-liberalismo apresenta grandes limites. O primeiro é que, centrado em uma base empresarial, terá como horizonte sempre a regulação do mercado, de sua potência agressivamente destrutiva, e não a formação de um novo paradigma que não pode estar assentado na exploração e na maximização do lucro. O segundo, e de implicações mais graves, é o que separa o grito do planeta – cuja expressão está sob nossos olhos com as catástrofes climáticas – do grito dos oprimidos, o grito da Terra e o grito dos pobres, a causa da sustentabilidade ambiental e a causa social! Isto é, na direção contrária que aponta a grande Teologia da Libertação de Leonardo Boff.
No Brasil, esta separação entre a causa ambiental e a causa social, entre a luta ecológica e movimento sindical, o Movimento dos Sem-Terra, as CEBs , os Movimentos Negros e de Mulheres e toda a rede social que organiza a luta dos pobres contra a exploração, seria uma tragédia. A luta em defesa da sustentabilidade socioambiental soma, mobiliza, sopra para além das esferas de um só partido. Ela requer grande ambiência social, um espírito novo de convergência, de horizontes e cores tão plurais como as da complexa sociedade democrática que estamos construindo. Por isso não pode ser neutra, pretender eqüidistância da luta dos que têm fome e sede de justiça!
Trazendo para o chão da política a sociedade brasileira estará posta diante da escolha: dar continuidade ao projeto que elegeu Lula por duas vezes ou interrompê-lo. E fazer dele à luz da História, como já disse alguém, apenas um breve intervalo nos quinhentos anos de mando dos senhores de escravos e seus herdeiros sociais. Vivemos numa democracia, a precária democracia que conquistamos a duras penas nos últimos trinta anos. Não vemos suas angústias e dúvidas publicamente colocadas como um escândalo, portanto. Só os sectários não percebem o que a trajetória de vida e de militância política de Marina Silva significam para a afirmação da agenda socioambiental no Brasil. E, em torno desta agenda, o debate incontornável para desafiar a imaginação da sociedade na busca da qualificação do novo paradigma de desenvolvimento que desejamos para o país e para o planeta.
Os setores sociais e políticos que desejam interromper o processo que inauguramos com os dois mandatos do Presidente Lula, desejam encontrar um lugar na disputa dos rumos do país, contando com uma voz respeitada no Brasil e no mundo quando se trata das questões ambientais. Uma voz com credibilidade. Por uma razão muito simples: a mensagem de Marina Silva é a vida de Marina Silva. Essa voz serena e lúcida, ancorada numa vida militante identificada com o impulso dos mesmos movimentos sociais que deram berço ao PT, à CUT, ao CNS, ao MST : aqui reside sua força e não em outro lugar. São estes movimentos e outros tantos disseminados nessa fabulosa rede que anima as lutas populares em todos os recantos do país, que vêm mudando a face do Brasil – ainda que de maneira insuficiente – nos últimos trinta anos.
Ouvir a voz de Marina Silva e debater com ela
As esquerdas têm o dever de ouvir a voz de Marina Silva. As razões de Marina Silva. Ela, que já deu tanto à nossa geração, receba, agora, por todos os lados, a nossa mão estendida. As mãos que teceram ao longo de três décadas a rede de sonhos e esperanças que nos mobilizou a todos; a capacidade de organizar nossa ação na base da sociedade para reivindicar direitos sociais por meio da CUT; levantar bandeiras ambientais como nos “empates” liderados por Chico Mendes para deter a voracidade dos desmatadores da Amazônia; ou para formular e conduzir políticas públicas de desenvolvimento sustentável no Ministério do Meio Ambiente, liderados por ela. Nós que já sonhamos tanto por uma sociedade de harmonias, livre das opressões, precisamos também saber compor com as harmonias da Terra.
Que o programa de governo a ser apresentado pelas forças políticas que defendem a continuidade do processo inaugurado com o governo do Presidente Lula incorpore a dimensão da sustentabilidade socioambiental à cultura do novo ciclo de desenvolvimento. E estabeleça, explorando até o limite das nossas consciências e criatividades, um novo paradigma que supere o padrão de produção e consumo definido pelo capitalismo liberal.
Que o próximo Congresso Nacional do PT marcado para fevereiro de 2010 – nos trinta anos da nossa fundação – leve o nome do companheiro Chico Mendes como forma de trazer para o centro do debate das esquerdas a centralidade da agenda que ele prefigurou com sua vida e sua militância e selou com sua morte, projetando o Brasil na liderança mundial por um novo paradigma de civilização no século XXI.
Brasília, 15 de agosto de 2009.
Juarez Guimarães – professor UFMG
Hamilton Pereira – Conselheiro da Fundação Perseu Abramo
Paulo Vannuchi – Secretário Especial de Direitos Humanos
Tarso Genro – Ministro da Justiça
Guilherme Cassel – Ministro do Desenvolvimento Agrário
Miguel Rossetto – Presidente da Petrobras Biocombustível
José Eduardo Cardozo – deputado federal PT – SP
Paulo Teixeira – deputado federal PT – SP
Henrique Fontana – deputado federal PT – RS
Pepe Vargas – deputado federal PT – RS
Arlete Sampaio – DN – PT
Carlos Henrique Árabe – Executiva Nacional PT
Elói Pietá – DN – PT
Joaquim Soriano – DN – PT
Gilmar Machado – deputado federal PT-MG
Francisco Praciano – deputado federal PT-AM
Eudes Xavier – deputado federal PT – CE
Dr. Rosinha – deputado federal PT – PR
Raul Pont – deputado estadual PT-RS
Ronaldo Zulke – deputado estadual PT – RS
Daniel Bordignon – deputado estadual PT – RS
Janete Pietá – deputada federal PT – SP
Margarida Salomão, professora da UF Juiz de Fora
Zilha Abramo – Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo
Jorge Bittar – secretário de Habitação da prefeitura do Rio
Alessandro Molon – deputado estadual
Jorge Mario – prefeito de Teresópolis
Marcello Zelão – prefeito de Silva Jardim
Beto Bastos – suplente do Diretório Nacional do PT
Antonio Fidelis – Secretário de Meio Ambiente do PT/SP Presidente do DM Diadema
Alberes Lima – Presidente do DM PT Rio
Inês Pandeló – deputada estadual
Cristina Dorigo – secretária de mulheres PT-RJ
André Victor Singer – professor da USP
Arquimedes Diógenes Ciloni – ex-reitor da Universidade Federal de Uberlândia
Ricardo Duarte – ex-deputado estadual – MG.
Artur Scavone – PT – SP
Ricardo de Azevedo, membro DN