por Fernanda Sucupira – Carta Maior
Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade saiu de SP, em 8 de março, e chegou em Burkina Faso nesta semana, passando por 53 países. Fim da viagem foi marcado por manifestações como a da capital paulista, onde se defendeu a valorização do salário mínimo e se criticou o lucro dos bancos.
São Paulo – No dia 8 de março, como parte das comemorações do Dia Internacional da Mulher, uma manifestação que reuniu 30 mil feministas na cidade de São Paulo marcava o início de uma longa viagem. Naquele dia, uma carta partia do Brasil rumo à Argentina, de onde rodaria o mundo, parando em outros 51 países. Era a Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade, que exigia o fim da opressão, da dominação, da exploração, do egoísmo e da busca desenfreada pelo lucro, que produzem injustiças, guerras, ocupações e violências. O documento – resultado de um longo processo que envolveu organizações feministas de 50 países que compõem a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) – rejeita o mundo como se encontra e propõe a construção de um outro mundo, a partir de cinco princípios básicos: igualdade, liberdade, justiça, paz e solidariedade (leia mais “Feministas lançam Carta Mundial para Humanidade“).
Nesta segunda-feira (17), a carta chegou a sua parada derradeira, a capital de Burkina Faso, Ougadougou, um dos países mais pobres do mundo, onde as diversas formas de violência contra a mulher fazem parte do cotidiano. Mobilizações feministas nos 53 países por onde o documento passou marcaram o último dia da jornada, reafirmando o compromisso com os valores contidos na carta. No Brasil, as mulheres se manifestaram em 14 estados pela valorização do salário mínimo, como passo importante para se chegar a uma distribuição de renda verdadeira, e por mudanças na política econômica do governo federal que tem garantido lucros vergonhosos aos bancos e desemprego ao povo.
Ainda que a MMM trabalhe mais com outros temas como a luta contra o livre comércio, a militarização, o tráfico e a prostituição, e a violência em geral ou pela legalização do aborto, a coordenação brasileira decidiu dar prioridade ao salário mínimo ainda que também aborde as outras questões. “Em breve vai haver a votação do orçamento e o ano que vem é o último do governo Lula, se nós ainda quisermos arrancar alguma vitória, temos que nos mobilizar agora”, justifica Nalu Faria, membro da coordenação da MMM no Brasil. Desde julho de 2003, a Marcha Mundial das Mulheres faz uma campanha pelo aumento do salário mínimo no país, como uma estratégia para combater a pobreza, que sofre um processo de feminilização, e de enfrentar as desigualdades entre mulheres e homens. As mulheres da MMM vão participar, na quarta-feira (19), de uma marcha da Central Única dos Trabalhadores (CUT) que irá pressionar pelo aumento do salário mínimo no orçamento e também vão levar essa questão à Assembléia Popular, em Brasília, de 25 a 28 de outubro.
Para Sonia Maria Coelho, do comitê paulista da MMM, essa é uma medida fundamental para aumentar a renda feminina, já que a maioria das mulheres que trabalham ganham apenas um salário mínimo. “Temos que ver também que a maior parte das pessoas que recebem os menores valores na nossa sociedade são mulheres negras”, completa. No centro de São Paulo, as manifestantes fizeram um ato em frente aos bancos Itaú e Bradesco para protestar contra a concentração de riqueza e a política econômica de juros altos que aprofunda essa situação e favorece o lucro dessas instituições.
Foi também realizado, na segunda-feira, um ato internacional em Burkina Faso, abordando a questão da violência contra as mulheres da África e do não pagamento da dívida externa dos países pobres, como uma medida para melhorar as desigualdades no mundo. As mulheres da região estão fazendo um levantamento da situação dos conflitos no continente africano, que recebe tão pouca atenção da opinião pública mundial. Em dezenas de outros países, a manifestação se repetiu. No Japão, as mulheres protestaram contra as bases militares, em Yohohama, a segunda maior base dos Estados Unidos. Em Chiapas, no México, fizeram um ato divulgando os valores contidos no documento.
Carta das Mulheres
A carta – que propõe a construção de um outro mundo onde a integridade, a diversidade, os direitos e liberdades de mulheres e homens sejam respeitados – esteve em todos os continentes, parando, inclusive, em regiões de conflito, como a Palestina e o Afeganistão. Ela partiu de São Paulo, subiu pela América do Sul e América Central até a América do Norte. De lá, foi para a Europa, Ásia e Oceania, até chegar à África, seu destino final. No decorrer desse trajeto foram realizadas diversas atividades, em cada lugar por onde ela passava, como oficinas e manifestações.
Países próximos também se uniram em mobilizações nas fronteiras. Um exemplo disso foi o que aconteceu na Índia, uma das paradas previstas na jornada. “As mulheres do Paquistão também queriam muito participar e não estavam na rota, então elas viajaram para a Índia e uma das ações planejadas era atravessar a fronteira entre os dois países com a carta. Foi uma ação política com grande significado, por causa das guerras que ocorreram entre os dois países que fizeram muitos mortos. Como as mulheres se vêem como construtoras da paz, fizeram essa ação altamente simbólica e perigosa”, conta a canadense Elsa Beaulieu, integrante da MMM, vinda de Quebéc.
Não foi só a Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade que circulou pelo mundo e foi sendo passada de mão em mão pelas feministas de diferentes nacionalidades. Uma grande colcha de retalhos também veio sendo costurada desde março. Cada país que estava na rota contribuiu com um dos pedaços que compõem a colcha, com imagens significativas para a população feminina dos povos representados nela. Em um determinado momento da viagem a colcha se perdeu e as mulheres dos países que já haviam recebido a carta começaram a fazer uma nova versão de seu retalho, mas a colcha foi reencontrada antes que a substituta fosse concluída.
Para as integrantes da MMM, a longa viagem da carta, indo de país em país, e a construção coletiva da colcha mostram a capacidade de organização e articulação das feministas no mundo todo. “A nossa proposta era justamente uma ação mundial de diálogo com a sociedade, que começava no dia 8 de março e terminava hoje, uma mobilização mundial. A gente não se propôs a ir frente a nenhum organismo internacional, como o FMI e a ONU. Até porque a Marcha já fez isso em 2000 e avaliamos que a mudança de que a gente precisa é global, não virá de nenhum desses organismos. A gente quer debater com a sociedade e convencê-la sobre a importância disso”, afirma Nalu.