Leia carta das mulheres petistas pedindo a expulsão de Luís Bassuma (BA) e Henrique Afonso (AC), deputados federais que foram submetidos à comissão de ética do partido por, notadamente, desrespeitar e enfrentar resoluções partidárias em defesa da legalização do aborto. O relatório da comissão de ética e a conduta dos dois parlamentares é objeto de discussão da reunião do Diretório Nacional do PT.
Nós, Mulheres do PT, ACUSAMOS os Deputados Federais Luís Bassuma (BA) e Henrique Afonso (AC):
1. De desrespeitarem a decisão do Partido dos Trabalhadores tomada no seu III Congresso sobre a descriminalização do aborto;
2. De ferirem o princípio de laicidade do Estado e do Partido;
3. De desacato a posições históricas e princípios do Partido dos Trabalhadores;
4. De atitudes que põem em risco a vida das mulheres com projetos de lei que prejudicam o direito à autonomia sobre o corpo e a sexualidade.
Por isso, nós Mulheres do PT, EXIGIMOS A PUNIÇÃO desses parlamentares, conforme os estatutos do Partido, com a expulsão.
Consideramos que esses parlamentares, movidos por princípios religiosos e pessoais, retrocedem há muito tempo nos direitos conquistados pelas mulheres e expressam posições contrárias às que são defendidas pelo PT.
A) O PT, em seu 13º Encontro Nacional e III Congresso, reafirmou sua posição favorável à “descriminalização do aborto e regulamentação do atendimento de todos os casos no serviço público”. Reafirmou porque essa posição já foi produto de resoluções anteriores. O contexto desta acusação se refere ao desrespeito às posições partidárias por parte desses parlamentares. Ignorando a posição do PT, eles têm implementado uma verdadeira campanha contra os direitos das mulheres.
Nos anos 80, durante o processo constituinte, um deputado requereu o direito de objeção de consciência para votar contra a descriminalização do aborto, posição já então defendida pelo PT. Naquela ocasião, esse debate foi travado dentro do partido, em suas instâncias, procurando uma convivência democrática e respeitosa entre uma posição partidária e uma convicção pessoal. O resultado foi que, sem se opor publicamente à posição do Partido, o deputado em questão foi autorizado a se abster da votação, em caráter excepcional.
Lamentavelmente, isso não ocorre hoje. Luiz Bassuma e Henrique Afonso têm desencadeado uma campanha nacional contra a descriminalização do aborto, ora estimulando ações, ora presidindo a “Frente Parlamentar em Defesa da Vida”, em uma clara desobediência às resoluções partidárias.
Não podemos admitir que um parlamentar eleito pelo Partido dos Trabalhadores para exercer um cargo público use esse espaço com posições e crenças que ele deveria exercitar em fóruns religiosos e privados.
Além de posição pública e militante contrária à resolução aprovada pela descriminalização do aborto, esses parlamentares assumem uma postura homofóbica, ao tratar a homossexualidade como se fosse uma doença.
B) O princípio da laicidade do Estado quer dizer que as políticas públicas devem ser formuladas e implementadas de maneira independente de princípios religiosos, assegurando efetivamente os direitos consagrados na Constituição Federal. O Estado laico é o resultado de uma ampla e forte luta social e política. A Constituição promulgada em 1988 reafirma a laicidade como princípio.
Parlamentares são eleitos(as) para que possam fiscalizar as ações do Executivo, propor uma legislação que melhore a vida das pessoas, cumprindo seu papel a partir dos preceitos do Estado moderno, com pluralismo, laicidade e democracia. Lamentavelmente, o que temos visto na ação desses dois deputados, representantes do Partido dos Trabalhadores, é uma campanha nacional contra a descriminalização e legalização do aborto evocando suas convicções religiosas.
Essa atitude é uma verdadeira afronta ao exercício de cidadania e de autodeterminação das mulheres sobre seu direito ao seu corpo e a sua vida. A ação desses parlamentares busca enfraquecer, paralisar e até mesmo deter a ação do Estado, que, ao longo dos anos, tem avançado, ainda que a passos lentos, em políticas públicas, na elaboração e na implementação de leis, na não interferência do poder religioso na condução do Estado e um avanço para o conjunto da população, em especial para as mulheres.
O PT é um partido laico, SIM! No Art. 1º do Estatuto do PT: “O Partido dos Trabalhadores (PT) é uma associação voluntária de cidadãs e cidadãos que se propõem a lutar por democracia, pluralidade, solidariedade, transformações políticas, sociais, institucionais, econômicas, jurídicas e culturais, destinadas a eliminar a exploração, a dominação, a opressão, a desigualdade, a injustiça e a miséria, com o objetivo de construir o socialismo democrático”.
Essa característica foi fundamental para construir um partido com a diversidade política e ideológica do PT. O PT reconhece a autonomia da mulher sobre seu corpo e sua vida, partindo do pressuposto que a posição de um partido político não pode ser construída ou mediada por valores inerentes a posições pessoais (religiosas) dos indivíduos, e nem mesmo por uma crença que não é universal na sociedade. Isso é pluralidade e respeito às diferenças.
C) A luta pela autodeterminação e emancipação das mulheres está presente desde a fundação do PT. As mulheres são sujeitos construtores deste Partido, que é a maior experiência popular e de esquerda da história de nosso país. Recentemente, o Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, deu um bom exemplo da postura que deve ser adotada por uma personalidade pública, ao comentar a proposta de descriminalização (lembrando que o presidente sempre se reivindica cristão): “Eu tenho duas posições. Eu tenho a posição de pai e de marido, e de cidadão, e tenho um comportamento de Presidente da República. São duas coisas totalmente distintas. Primeiro, eu tenho dito, na minha vida política, que sou contra o aborto. Tenho dito publicamente. E tenho dito publicamente que não acredito que ninguém faça aborto por opção ou por prazer. É importante que a gente saiba dimensionar quando uma jovem desesperada, numa gravidez indesejada, corre à procura de um aborto… Se nós tivéssemos, no Brasil, um bom processo de planejamento familiar, de educação sexual, possivelmente nós não tivéssemos a quantidade de gravidez indesejada que temos no Brasil hoje. Entretanto, quando ela existe, o Estado precisa tratar isso como uma questão de saúde pública, porque a história também nos ensina que, muitas vezes, no desespero e por falta de orientação, muitas meninas se matam precocemente. Eu conheço casos de meninas que perfuraram o útero com agulha de fazer tricô… O Estado não pode ficar alheio a uma coisa que existe, que é real e não dar assistência para essas pessoas.”
Os dois deputados ignoram e descumprem diversas resoluções de nosso partido, também as que já datam de quase três décadas! Vejamos, somente como exemplo, uma resolução do 1º Encontro Nacional do PT – 8 e 9 de agosto de 1981 – “O PT considera que as discriminações não são questões secundárias, como não é secundário o problema da mulher trabalhadora segregada na fábrica, no campo e, não raro, também no lar. O PT lutará pela superação destes problemas com o mesmo empenho com que luta contra qualquer forma de opressão. Sem isto, a democracia será palavra vazia para os trabalhadores, marginalizados social e politicamente, de ambos os sexos e de qualquer raça e cultura”.
D) O que esses senhores têm feito ao organizar e impulsionar a “Frente Parlamentar em Defesa da Vida e contra o Aborto”, ou ao lutar pela instauração da CPI do Aborto, ou ao ajudar na organização do Encontro Internacional Contra a Legalização do Aborto, que teve lugar no Brasil, é uma afronta clara às resoluções partidárias sobre o tema. Além de organizar manifestações públicas com recursos públicos destinados a outro tipo de atividade, como ocorreu recentemente. É um desrespeito a toda luta e organização das mulheres do PT.
É importante destacar as deliberações do 13º Encontro Nacional que, por unanimidade, aprovou que os parlamentares do PT deveriam deixar a “Frente em Defesa da Vida e contra o Aborto”. Ou mesmo a decisão da última reunião do Diretório Nacional, na qual é explicitado que o PT é contrário à instauração da CPI do Aborto.
A condição de filiação dos referidos deputados deve se expressar em sua concordância com o Estatuto do Partido e demais resoluções partidárias. O que temos acompanhado na ação parlamentar e política dos filiados Luís Bassuma e Henrique Afonso é que ambos estão em choque com as posições partidárias. Vejam algumas delas:
Luís Bassuma
– PL 1413 – Proibindo a distribuição da pílula do “Dia Seguinte”
– PL 478/07 – Dispõe sobre o Estatuto do Nascituro
– PL 5364 – Dispõe sobre a punibilidade do aborto no caso de gravidez resultante de estupro
– RPC 09/2008 – Requer a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar denúncia feita pelo Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, em entrevista no Programa Roda Viva da TV Cultura, no dia 16 abril de 2007, sobre a existência do comércio clandestino de substâncias abortivas e da prática do aborto no Brasil.
Henrique Afonso
– PL 1763 – Dispõe sobre assistência à mãe e ao filho gerado em decorrência de estupro.
– O deputado Henrique Afonso assume também uma conduta homobófica, objeto de solicitação de providências pelo setorial nacional LGBT.
Por todos os elementos aqui apresentados, associados aos depoimentos das demais testemunhas de acusação à Comissão de Ética do partido, pedimos que o Diretório Nacional do PT adote uma medida disciplinar exemplar. Não é possível conviver com tanto desrespeito, com falta de ética partidária e, principalmente, o não cumprimento das regras e resoluções partidárias.
Para nós, mulheres do PT, a presença dos filiados deputados federais Luís Bassuma e Henrique Afonso são incompatíveis com o nosso Partido. O PT não é legenda para agentes conservadores nele se instalarem e dele fazerem um auto-falante privilegiado de posições atrasadas que condenam a mulher à subordinação.