São ataques em todas as frentes, unificados de forma mais efetiva pela vigência da Emenda Constitucional do Fim do Mundo (a EC 95), que assegura, na prática, a impossibilidade de que o Plano Nacional de Educação de 2014, aprovado por unanimidade no Congresso, seja tirado do papel.
Se nesse cenário de guerra identificamos a movimentação obscurantista dos “partidários” da “Escola Sem Partido”, mais o clamor (vitorioso na Base Nacional Comum Curricular — BNCC) dos que se opõem à discussão da categoria de gênero na escola, a algaravia pode nos aturdir e prejudicar a compreensão do processo que está em curso.
Essa desconstrução da Constituição de 88, a perversão do direito à educação cidadã, laica e universal, transformada em mercadoria barata ou fina, é parte prioritária do movimento do governo. Sua plena compreensão requer, entretanto, que todas estas iniciativas sejam inscritas na onda de radicalização neoliberal que, no mundo, elege como sua inimiga a democracia.
Já existe abundante literatura acadêmica sobre a invasão, nos mais prestigiosos centros universitários internacionais, do entendimento de que a finalidade essencial da educação é a formação de capital humano.
O advento da quarta revolução tecnológica e o predomínio incontrastado do capitalismo financeiro em todas as órbitas econômicas impõem essa outra derrota ao Iluminismo: não se trata mais de formar o “cidadão autônomo” para habitar uma esfera pública em que o seu conhecimento e a sua opinião sejam elementos da soberania popular; trata-se agora de formar um indivíduo que se produz e se legitima exclusivamente pelo seu valor de mercado. O ideal de uma educação democrática e popular, mesmo sob fogo cerrado, é a bandeira a desfraldar.
Margarida Salomão é deputada federal (PT-MG)
Originalmente publicado em O Globo