Neste sábado, 17, às 15h, na Livraria Tapera Taperá, em São Paulo, a Fundação Perseu Abramo faz o lançamento da versão impressa da obra “Revolução e contrarrevolução na Alemanha”, uma reedição da publicação que chegou ao Brasil em 1933. Reunindo textos de Leon Trotsky, a edição original chegou ao Brasil em 1933, organizada pelo jornalista Mário Pedrosa. Passados 90 anos, a Fundação Perseu Abramo decidiu reeditar o livro. Em março deste ano, nosso Portal disponibilizou a versão digital da obra, que pode ser acessada aqui.
A edição de 2023 conta com comentários de apresentação de Arlete Sampaio, Markus Sokol, Raul Pont e Valério Arcary, que podem ser lidos, em sequência, logo abaixo deste texto. A atividade de lançamento terá as participações de José Castilho Marques Neto, Isabel Loureiro e Dainis Karepovs. A livraria Tapera Taperá fica na Galeria Metrópole, na av. São Luís, 187, loja 29, no centro da capital.
Nosso caminho será longo e de muita construção
Arlete Sampaio
A presente obra nos indica um caminho: a construção de uma frente única de partidos e organizações de esquerda
Felicito a Fundação Perseu Abramo pela edição do importante livro Revolução e Contrarrevolução na Alemanha de Leon Trotsky. Quando o li pela primeira vez, com Introdução e Tradução de Mário Pedrosa, de janeiro de 1933, me impressionei com a agudeza da análise política de Trotsky diante da situação mundial e em particular da Alemanha.
Relançar este livro, agora com Introdução de Dainis Karepovs e Prefácio de Mario Pedrosa, nos fornece elementos importantes para analisar a presente situação mundial e brasileira. Dainis ressalta o relevante trabalho de Mário Pedrosa em traduzir e organizar esta obra em sua primeira edição e este, em seu Prefácio, ressalta a clara ligação entre os artigos que compõem o livro de Trotsky.
Hoje muito se fala sobre o crescimento da extrema direita fascista no mundo, mas o que de fato acontece? A meu ver o povo anda desiludido com os governos que se alinham às políticas neoliberais, de privatizações e austeridades, e, sem perspectivas, abraçam os que se apresentam como governos com propostas fortes, autoritárias.
A financeirização é a nova cara do capitalismo, com o domínio total do capital financeiro. Nessa fase cada vez mais o capital se apoia em governos autoritários, protofascistas. Na mesma medida cada vez mais a defesa da democracia, com o fortalecimento da participação popular, se coloca como antídoto ao fascismo, ao autoritarismo. Mas, plagiando o texto, não se trata de “salvar o capitalismo” tornando-o mais civilizado e mais brando, mas de como salvar a humanidade do capitalismo. A defesa da democracia participativa deve ser só o começo.
Hoje os partidos tradicionais, que se constituíram a partir da Segunda e da Terceira Internacional não tem mais a relevância do passado. A social-democracia europeia se fragilizou na medida em que adotou como prática de governo o neoliberalismo, frustrando as expectativas populares. Os partidos comunistas, desde o fim da União Soviética, definharam e perderam espaço. Os partidos políticos ou organizações que se reivindicam da esquerda, nem todos eles se reivindicam do marxismo e, em geral, apresentam programas “rebaixados”. Então fica evidente que o nosso caminho será longo e de muita construção.
A presente obra nos indica um caminho: a construção de uma frente única de partidos e organizações de esquerda. As recentes experiências de Portugal e Espanha precisam ser por nós analisadas, como a Frente Amplia do Uruguai. A França está diante dessa possibilidade, a construção do NUPES (Nova União Popular Ecológica e Social) é um ensaio para, quem sabe, se realize a frente de esquerda nas próximas eleições presidenciais.
A experiência recente do nosso partido em construir uma Federação com o PV e o PCdoB tem que ser estendida na busca de uma frente com a Federação PSOL/Rede, o PDT e o PSB. Não é simples, são muitas as contradições, mas é uma necessidade.
A importantíssima vitória do Lula nas últimas eleições precisa estar sintonizada com esta perspectiva. O nosso governo precisa dar certo, com aprofundamento da democracia participativa, com amplo diálogo com a população, mas buscando fortalecer o polo político e social que avance na perspectiva da consolidação de uma frente de esquerda de partidos e organizações sociais. Isso só é possível ser colocarmos em prática nosso programa antineoliberal e de atendimento das demandas de nosso povo.
Aprender com as experiências do passado, mas ancorados na “análise concreta de situações concretas” é um desafio para todos nós. A FPA tem um papel fundamental na contribuição que pode dar ao nosso partido para que possamos trilhar os melhores caminhos na busca de alcançarmos os objetivos, por nós definidos desde a nossa construção: a transformação do nosso país, a retomada da luta pela construção do socialismo democrático no Brasil e no mundo.
Arlete Sampaio foi deputada distrital e vice-governadora do Distrito Federal, integrou o Conselho Curador da FPA
Atualidade de “Revolução e Contrarrevolução na Alemanha”
Markus Sokol
Trotsky nos dá a chave da frente única para coesionar os trabalhadores para vencer o bonapartismo burguês e o fascismo ainda ascendente
Foi com prazer que, depois de meio século, reli esta coletânea oportunamente reeditada pela Fundação Perseu Abramo (que conheci na edição da Laemmert), com notas meticulosas de Dainis Karepovs, além do clássico prefácio de Mario Pedrosa.
Por que atualidade?
Muita coisa mudou desde os anos 30, e dos anos 70, mas o essencial continua: o capitalismo explora selvagemente o operário, mas por causa da sua própria crise, empurra a humanidade para desastrosas guerras por mercados. O regime stalinista acabou, não há mais Internacional Comunista (IC), mas não faltam burocracias partidárias e sindicais retomando a colaboração de classes. A decadente socialdemocracia é uma sombra do que já foi, mas continua sendo um obstáculo em vários países. E, finalmente, fruto do anterior, a discussão sobre a ameaça fascista voltou à cena.
Trotsky nos dá a chave da frente única para coesionar os trabalhadores para vencer o bonapartismo burguês e o fascismo ainda ascendente. Não é frente com qualquer um, é uma frente proletária, como ele diz, para o caso da Alemanha industrializada, com objetivos concretos e métodos como a greve geral.
Finalmente, só a classe trabalhadora, unida, podia evitar a tragédia que se seguiu – a Segunda Guerra Mundial – mas abrindo o caminho à revolução, não à “estabilidade institucional”. Digo isso, em primeiro lugar, porque no Brasil foi muito justa a crítica à recusa de certos círculos que em nome do trotskismo (?), dividiram invés de assumir, em tempo e hora, a defesa do governo de Dilma do PT atacado pelo golpe do impeachment. Mas também, em segundo lugar, a derrota da reação deve ser completa, “sem anistia”, para abrir o caminho da transformação de todas as instituições de Estado, afinal, o caminho da revolução. Se não, eles voltam.
Trotsky explica com clareza a diferença entre o bonapartismo e o fascismo, sem dá-lo por vencedor antes da hora, nem o contornar quando atinge o ponto de almejar o poder. Esta foi a traição da IC, passar do esquerdismo da recusa da frente única com a social-democracia à passividade oportunista, consumada depois nas frentes de colaboração de classes.
A flexibilidade tática com a firmeza de princípios é a marca de Trotsky.
Registro uma passagem da página 180: “O parasita da burguesia, a socialdemocracia, é condenado a um parasitismo ideológico. Ora se apodera de uma ideia dos economistas burgueses, ora procura servir-se de destroços do marxismo”. Muito atual.
Por fim, é notável o esforço de Trotsky, exilado na distante ilha de Prinkipo (Turquia), para ajudar politicamente seus companheiros alemães no quadro da então Oposição de Esquerda, ainda na IC. É parte do legado da Quarta Internacional fundada pouco anos depois, antes de seu assassinato por um agente de Stálin.
Para todos nós que lutamos pela Revolução, essa tenacidade militante é inspiradora.
Markus Sokol é membro da Comissão Executiva Nacional do PT
Reedição atual é de extrema relevância e oportunidade
Raul Pont
A preocupação maior de Trotsky nessa obra é a necessária unidade no campo dos trabalhadores, dos “democratas, social-democratas e dos comunistas”
Está de parabéns a Fundação Perseu Abramo por organizar, em sua linha editorial, a publicação de obras clássicas de Leon Trotsky. Mais ainda, pelo cuidadoso trabalho de pesquisa do historiador Dainis Karepovs que presta uma homenagem a um dos nossos fundadores, o intelectual e militante político Mario Pedrosa. Presença de destaque no Colégio Sion, em 1980, junto com “veteranos” da luta social no Brasil como Sérgio Buarque de Holanda, Lélia Abramo, Apolônio de Carvalho, Florestan Fernandes, Paulo Singer e outros, Pedrosa já nos anos 1930 marcava sua presença na luta pelo socialismo democrático e no combate ao processo de burocratização que avançava na experiência soviética.
Reproduzir agora a obra de Trotsky Revolução e Contrarrevolução na Alemanha, em sua primeira edição no Brasil, em 1933, pelo trabalho militante de Pedrosa, já possui esse significado histórico e homenagem a este grande lutador pelo socialismo.
Mais do que isso, a reedição atual é de extrema relevância e oportunidade. Uma clássica análise de conjuntura na qual a profunda crise do capitalismo (1929/30) desperta os piores fundamentos repressivos e totalitários do sistema, levando de roldão sua face liberal e constitucional na avalanche do autoritarismo racista e da barbárie.
A obra de Trotsky vai além do diagnóstico das condições históricas da formação do fascismo. Sua preocupação maior é a necessária unidade no campo dos trabalhadores, dos “democratas, social-democratas e dos comunistas”. A defesa da frente única dos socialistas e comunistas como condição primeira para barrar a ascensão de Hitler. O desdobramento do processo histórico, por várias razões, caminhou noutra direção e o fenômeno nazista “que não duraria muito tempo”, numa das interpretações daquela conjuntura, levou ao horror da Segunda Guerra Mundial.
Obras como essa são fundamentais para o conhecimento histórico e a formação política dos filiados nos momentos difíceis em que o coletivo partidário é tensionado a buscar alternativas e saídas na oposição ou no exercício dos governos.
Os outros textos, selecionados e publicados por Pedrosa há quase cem anos, que a FPA ora homenageia, sobre a Revolução Espanhola e os desafios de governo na primeira década de gestão da URSS (anos 1920) vão muito além do registro histórico.
Mais uma vez, parabéns à FPA pela inciativa, pela pertinência das publicações e o desafio colocado para todos nós diante da responsabilidade de estarmos mais uma vez à frente do governo nacional.
Afinal, recuperar uma forte identidade programática, atualizá-la permanentemente e acelerar a rica experiência de frente política na federação que estamos vivendo mostra que várias tarefas não são tão novas como parecem na luta histórica dos trabalhadores por uma sociedade socialista.
Raul Pont é membro do Diretório Nacional do PT
Uma das obras mais importantes de Leon Trotsky
Valerio Arcary
Este livro ainda que seja uma análise meticulosa da dramática dinâmica da luta de classes na Alemanha, 90 atrás, permanece uma inspiração para a nova geração
Revolução e Contrarrevolução na Alemanha é uma das obras mais importantes de Leon Trotsky. Reúne um conjunto de ensaios escritos, no calor dos acontecimentos, a partir do terrível impacto da crise econômica de 1929, até a sinistra ascensão de Hitler ao poder em 1933.
Trotsky argumenta à exaustão, diante do perigo de uma derrota histórica diante do nazismo, a necessidade emergencial, insubstituível e incontornável, de uma Frente Única do Partido Comunista com os social-democratas do SPD, as duas maiores organizações da esquerda na Alemanha. Seus alertas foram ignorados e a tragédia se consumou.
Prevaleceu no Partido Comunista da Alemanha, o mais poderoso do mundo no início dos anos 30 do século passado, uma orientação sectária e ultraesquerdista, que pretendia combater, simultaneamente, o nazismo e a socialdemocracia. A acusação de que o SPD seria um partido “social-fascista”, socialismo nas palavras e fascismo nos atos, foi uma das maiores monstruosidades ideológicas do estalinismo. A divisão da classe trabalhadora e seus aliados nas classes populares provocou, irremediavelmente, uma fratura na resistência antifascista. A subestimação do perigo terminal que Hitler representava foi fatal.
A revolução política e social foi o fenômeno histórico novo mais significativo do século 20, e não surpreende, portanto, que os marxistas que não sucumbiram às pressões sociais hostis, porque mantiveram vínculos com o movimento dos trabalhadores, tenham-lhe dedicado sua atenção.
Em nenhuma outra época da história as sociedades recorreram, com tamanha frequência, aos métodos revolucionários para resolverem suas crises. A aceleração histórica das transformações, uma das previsões visionárias de Marx, foi vertiginosa. Encontrou pela frente, contudo, em uma proporção impensável há cem anos atrás, uma força de resistência social e reação política que a humanidade, até então, desconhecia. A expressão mais degenerada da contrarrevolução política e militar do capitalismo no século 20 foi o nazifascismo.
Este livro apresenta uma elaboração original que despertou ásperas polêmicas na esquerda e nos meios marxistas, quando foi escrito, mas passou à prova no laboratório da história. Foi traduzido para o português e publicado, por iniciativa de Mario Pedrosa, logo em seguida. Ainda que seja uma análise meticulosa da dramática dinâmica da luta de classes na Alemanha, 90 atrás, permanece uma inspiração para a nova geração.
O ressurgimento de uma extrema-direita neofascista com influência de massas, no Brasil e em boa parte do mundo, na segunda década do século 21, sinaliza que a permanência tardia do capitalismo é uma ameaça real à vida civilizada. A urgência da luta contra o bolsonarismo permanece um desafio imenso e inadiável. A iniciativa do lançamento do primeiro volume da coleção de obras de Leon Trotsky pela Fundação Perseu Abramo do PT é, portanto, instigante e animadora.
Valerio Arcary é doutor em História pela Universidade de São Paulo