A pequena ilha no Mediterrâneo oriental é responsável por apenas 0,2% do PIB da União Europeia. Mas a arquitetura do novo plano de “resgate” para o Chipre faz renascer o medo sobre o futuro do euro. Como isso é possível? Adiantando conclusões, o plano de recuperação para o Chipre implica três grandes perigos.
Primeiro, destrói as expectativas que se tinham sobre a união bancária proposta para a Zona Euro. Além dos problemas de supervisão sobre os bancos, a crise cipriota revela que, se os banqueiros são sagrados, os depósitos não. Segundo, reaviva os temores de efeitos de contágio sobre outros países na Zona Euro, entre eles a Itália e a Espanha, desta vez no comportamento dos depositantes. Terceiro, abre um novo flanco no teatro da crise Europeia ao envolver a Rússia.
A economia cipriota sofreu gravemente com a crise Europeia. Seus dois principais bancos sofreram fortes perdas pela reestruturação da dívida na Grécia e a recessão levou ao colapso a arrecadação. O presidente do Chipre, Nicos Anastasiades, voltou no fim de semana passado de Bruxelas com um pacote de recuperação. O acordo, para este pequeno país, apresentava grandes dificuldades. Primeiro, a dívida não inclui grandes portadores de bônus que pudessem ser candidatos em um esquema de reestruturação ao estilo grego. Segundo, qualquer corte no principal dos bônus soberanos significaria a quebra de bancos cipriotas que são os mais expostos. Por isso se optou por outro enfoque.
Em troca de uma injeção de 10 bilhões de euros, o governo em Nicósia se comprometeu em estabelecer um imposto sobre depósitos bancários. Segundo esse plano as contas de mais de cem mil euros deveriam pagar 9,9%, enquanto abaixo desse montante pagariam 6,75%. Esperava-se que o montante arrecadado alcançasse 5,8 bilhões de euros.
Ao escrever estas linhas foi anunciado que o parlamento cipriota rejeitou o imposto projetado e com isso se desintegrou o plano de resgate. Mas independentemente do curso que tomem os acontecimentos (com um novo plano de resgate), o drama cipriota revelou vários ângulos desagradáveis sobre a crise Europeia e sobre a natureza da união monetária.
A base da economia cipriota está precisamente nos serviços financeiros: o tamanho do setor bancário é 8,35 vezes o PIB da ilha. Para ser mais claro, há anos o Chipre se converteu em um gigantesco paraíso fiscal no qual se podem abrir contas bancárias com rapidez, discrição e baixo custo. A minimização de custos fiscais é acompanhada da possibilidade de penetrar na esfera do euro. Por isso há mais de 1.400 empresas russas registradas no Chipre, incluídas algumas das maiores, como Gazprom, Norilsk e Lukoil.
As operações de lavagem de dinheiro também são facilitadas, uma vez que o Chipre é um espaço preferencial para a máfia russa. O governo russo, com Vladimir Putin à frente, deixou claro sua contrariedade a respeito do que considera um imposto confiscatório. Calcula-se que os depósitos realizados por pessoas e empresas russas na ilha ultrapassam os 30 bilhões de dólares, aproximadamente 40% dos depósitos. Diz-se que, na verdade, que o Chipre tem sido há anos o cavalo de Troia que a máfia russa usou para penetrar na zona do euro. Não por nada, há pouco Moscou outorgou ao Chipre um crédito de 2,5 bilhões de euros e já está envolvido com as empresas que descobriram grandes reservas de gás natural na Zona Econômica Exclusiva do Chipre.
Naturalmente, o acordo com a troika (Banco Central Europeu – BCE, Fundo Monetário Internacional – FMI e Comissão Europeia. N. do T.), ia acompanhado das demais condições que estiveram afundando a Grécia, a Itália, a Espanha, Portugal e Irlanda. A austeridade fiscal (4,5% do PIB) e a contração salarial aprofundaram a recessão. Mas o imposto sobre os depósitos é o que mais chama a atenção e revela a podridão que é o projeto neoliberal de união monetária na Europa.
A troika mostrou suas cartas e deve estar furiosa. Ensaiaram-se muitas opções na crise Europeia, mas até agora haviam evitado impor um gravame sobre depósitos bancários porque estas medidas são consideradas confiscatórias. E é verdade que algo disso tem esta disposição. Mas, como os bancos cipriotas estão reciclando recursos enviados pelas grandes companhias (e a máfia) russas, a troika decidiu que desta vez os depositantes poderiam suportar o custo do ‘resgate’. Ao fazê-lo mostraram que até os depositantes ocupam um lugar secundário em suas prioridades.
A rejeição do parlamento cipriota ao plano de resgate servirá para manter contentes os grandes ‘investidores’ russos na ilha. Parece que o objeto de resgate de todos, incluindo os parlamentares, é o status de paraíso fiscal. A troika não só castiga povos inteiros para salvar os bancos, mas também está comprometida com o resgate de paraísos fiscais, ainda que tenha que trair alguns de seus princípios (se é que alguma vez os teve).