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Fonte: Marco Weissheimer – Carta Maior
II Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural acontece em Porto Alegre, em março de 2006. Para o ministro Miguel Rossetto, superação da fome e da pobreza no mundo exige retomada de uma agenda global para a questão da terra.
Porto Alegre – O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, lançou neste domingo (4), durante uma entrevista coletiva à imprensa, a 2ª Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, que será realizada na capital gaúcha, de 7 a 10 de março de 2006. Uma iniciativa conjunta da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e do governo brasileiro, o evento ocorrerá 26 anos após a última conferência internacional sobre reforma agrária, realizada em 1979, em Roma.
Neste período de silêncio, as políticas de reforma agrária perderam força na maior parte do mundo, sendo consideradas como instrumentos anacrônicos para o aumento da produção de alimentos no mundo. No entanto, o crescimento das desigualdades sociais, da fome, da pobreza e o inchaço das grandes cidades com a expulsão de populações que viviam em áreas rurais renovaram a atualidade do tema.
A idéia da conferência começou a ganhar forma em abril deste ano, quando o Comitê de Agricultura da FAO aprovou a proposta do governo brasileiro de realizar o encontro no Brasil. Em junho, o Conselho Geral da FAO ratificou, por unanimidade, a decisão do Conselho de Agricultura. O Comitê Organizador da conferência é formado por representantes das setes regiões da FAO (Europa, África, Oriente Médio, América do Sul, América do Norte e Sudoeste Asiático), mais o Brasil que assumiu a organização do evento.
A conferência, que faz parte da agenda da ONU de combate à pobreza e do calendário de cumprimento das Metas do Milênio, deverá reunir de 1.500 a 2.000 delegados, vindos de 150 países, com a presença de chefes de Estado, ministros e autoridades destes países. O secretário-geral da ONU, Koffi Annan, foi convidado para a abertura do encontro. O diretor-geral da FAO, Jacques Diouf, o presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), Lennart Bage, e o diretor-executivo do Programa Mundial de Alimentos, James Morris, também participarão do encontro em Porto Alegre. Também foram convidados, mas ainda não confirmaram presença, os chefes de Estado da Finlândia, Namíbia, Senegal, Moçambique, Congo, Jamaica, Venezuela, Chile, Bolívia e dos países integrantes do Mercosul.
Números da reforma agrária
O Brasil foi escolhido para sediar a conferência, destacou o ministro, em função do reconhecimento mundial dos esforços feitos pelo governo brasileiro para enfrentar a agenda da reforma agrária e do desenvolvimento rural. Entre esses esforços, lembrou o programa Fome Zero, o Bolsa Família e o Plano Nacional de Reforma Agrária que deve cumprir sua meta de assentar 400 mil famílias até o final de 2006. Em 2005, garantiu Rossetto, o Ministério do Desenvolvimento Agrário deverá cumprir e até superar a meta de assentar 115 mil famílias.
As políticas de apoio à agricultura familiar também foram citadas por ele como exemplos de iniciativas reconhecidas internacionalmente. “É no Brasil que essas agendas melhor dialogam com as questões ambientais, é aqui que estamos trabalhando para garantir o direito ao território dos povos indígenas e dos povos quilombolas. Há um reconhecimento de que aqui no Brasil concentram-se esforços como em poucos países do mundo. Mais de 12 milhões de hectares foram transferidos para uma ocupação através do programa de reforma agrária no país”, acrescentou.
Segundo Rossetto, a agenda da conferência está sendo construída a partir da idéia do caráter contemporâneo das questões envolvendo a reforma agrária e o desenvolvimento rural. O ministro citou alguns números para sustentar esse caráter contemporâneo. Cerca de 52% da população mundial vive hoje no meio rural, algo em torno de 3,3 bilhões de pessoas. Destas, cerca de 840 milhões vivem abaixo da linha da pobreza. Segundo dados da FAO, do total da população em estado de má nutrição, 75% vivem nas áreas rurais do planeta. Além disso, aproximadamente 634 milhões de pobres moram em terras marginais, áreas de baixa potencialidade agroecológica.
Os cinco grandes eixos da conferência
Esses números mostram, assinalou o ministro, que pensar uma estratégia de desenvolvimento, de geração de trabalho, de superação da pobreza e da fome em escala mundial, obrigatoriamente exige pensar uma estratégia para o desenvolvimento rural. Para discutir esse problema, o temário da conferência foi organizado em torno de cinco grandes eixos: Melhores políticas e práticas de acesso à terra e à água; Propostas de políticas de acesso à terra, à água, serviços agrários e insumos agrícolas; Revitalização das comunidades rurais; Reforma agrária, justiça social e desenvolvimento sustentável; e Soberania alimentar e acesso a recursos.
A partir do debate sobre esses temas, os organizadores esperam construir uma plataforma permanente global sobre o desenvolvimento rural e a reforma agrária, fazer um diagnóstico das políticas públicas nacionais e internacionais e propor medidas imediatas e parcerias.
Rossetto destacou também a incorporação de temas que não faziam parte deste debate com a força que adquiriram nos últimos anos. Citou como exemplo as questões ambientais, de gênero e étnicas. “Quando falarmos de desenvolvimento rural e de reforma agrária, nesta conferência, estaremos falando sobre o acesso das populações à terra, à água, às políticas agrícolas, às políticas de financiamento que permitem qualidade de vida e renda. Estaremos falando de soberania alimentar, da capacidade de produção de alimentos. Estaremos fazendo um balanço da eliminação de economias agrícolas em muitos países, especialmente ao longo dos últimos vinte anos”, observou.
Também será feito um balanço do resultado das políticas agrícolas, do mercado agrícola internacional e das conseqüências das regras internacionais deste mercado na ampliação da pobreza e da miséria nestes países.
Encontros preparatórios
Encontros preparatórios à conferência, regionais e continentais, começaram a ser realizados em novembro e se estenderão até fevereiro, em 18 países do mundo. Rossetto destacou que, pela primeira vez, em uma conferência de um órgão da ONU, representantes da sociedade civil terão direito de participação. Cerca de 400 delegados de diversos países constituirão um fórum paralelo de acompanhamento da conferência com participação nos trabalhos oficiais.
Representantes de movimentos sociais e de organizações não-governamentais já se organizaram para participar do encontro. Além disso, uma série de atividades paralelas estão sendo programadas, como a Reunião dos Países de Língua Portuguesa, a Reunião do IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), Feira da Agricultura Familiar e da Reforma Agrária do Mercosul, atividades culturais, debates e seminários paralelos.
Os principais debates serão realizados no centro de eventos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), local que sediou as três primeiras edições do Fórum Social Mundial. Pela primeira vez também uma conferência de um organismo da ONU será transmitida ao vivo para todo o mundo. Os trabalhos terão tradução simultânea para o inglês, francês, espanhol, português, árabe e chinês. A segurança do evento será coordenada pelo Ministério da Justiça e das Relações Exteriores, em colaboração com os serviços de segurança locais e dos países participantes. O governo brasileiro reservará 2.500 vagas na rede hoteleira de Porto Alegre para a semana da conferência.
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