Esta nova edição do FSM mantém a sua principal característica, qual seja, o de possibilitar um processo inovador de articulação internacional da resistência contra-hegemônica em um espaço que expressa a diversidade dos movimentos sociais contemporâneos, no qual essa diversidade é um elemento central da luta que combina o principio da igualdade com o do reconhecimento da diferença.
“A utopia do Fórum Social Mundial é uma utopia radicalmente democrática. É a única utopia realista depois de um século de utopias conservadoras. O outro mundo possível pode ser muitas coisas mas nunca um mundo sem alternativas”. (Boaventura de Souza Santos in El Viejo Topo, jan.2008)
Lucio Uberdan e Paulo Marques *
O Fórum Social Mundial completa 10 anos em 2010. A realização da primeira edição desta utopia radicalmente democrática, nas palavras de Boaventura Santos, teve lugar em Porto Alegre no verão de 2001, simbolizava um contraponto ao Fórum Econômico de Davos, encontro que reúne anualmente na Suíça chefes de Estado e lideranças do capitalismo mundial. A idéia força que motivou a organização do FSM, foi a necessidade de expressar a resistência ao ideário neoliberal de Davos e, ao mesmo tempo, apresentar as possibilidades e alternativas que demonstravam que “um outro mundo é possível”, consigna que se tornou o slogan do FSM.
Economia Solidária marcha no Fórum Social Mundial 10 Anos
Dentre essas possibilidades, a experiência política de uma década de governo de esquerda em Porto Alegre, inaugurou práticas inovadoras como O.P., tornando-se uma referência mundial de democracia participativa, aprofundada com o governo da Frente Popular no Estado do Rio Grande do Sul, o que consolidou a cidade de Porto Alegre como a Anti-Davos. A proposta do Fórum Social Mundial foi, portanto, o resultado da resistência dos movimentos sociais à década neoliberal – em que o levante Zapatista de 1994 e as mobilizações contra a OMC em Seattle em 1999 recolocaram a luta de massas no cenário internacional – e também como espaço de confluência de práticas inovadoras de radicalização da democracia, o que conferia a tais iniciativas um caráter contra-hegemônico.
Após a edição inaugural de Porto Alegre seguiram-se muitos outras reuniões dos movimentos sociais anti-globalização: fóruns globais, regionais, temáticos, nacionais. Até hoje foram realizadas 9 edições do Fórum Social Mundial, destas uma edição na Ásia (2004), uma policêntrica em diversas partes do mundo (2006) outra na África (2007). Neste período de dez anos houveram mudanças significativas na conjuntura política internacional. Enquanto na Europa vemos um refluxo dos movimentos anti-globalização e o avanço de governos de direita, a América Latina, que foi o continente mais castigado pelas políticas neoliberais, ao contrário, viu ressurgir movimentos com novos protagonistas (povos originários, piqueteros e sem-terras) que levaram à derrota diversos governos neoliberais.
As vitórias da esquerda no campo político eleitoral na América Latina, inauguradas pela vitória de Chávez na Venezuela (1998), seguida com Lula (2002), Kirchner na Argentina (2003), Tabaré Vázquez no Uruguai (2005), Evo Morales na Bolívia (2006), Rafael Corrêa no Equador (2007), Daniel Ortega na Nicarágua (2007), Fernando Lugo no Paraguai (2008), Maurício Funes em El Salvador (2009) representaram o novo cenário político do continente. Malgrado as diferenças entre estes governos, dado as características de cada realidade, é inegável que muitas das ações que foram realizadas por estes governos estavam na pauta do FSM desde sua primeira edição, como a luta anti-imperialista refletida na não assinatura da ALCA, no rompimento com a lógica de subordinação aos EUA, o avanço dos processos de integração regional (são exemplos a UNASUL, Banco do Sul, TeleSUR, a criação da ALBA) e fundamentalmente a retomada do papel protagonista do Estado na economia.
Cabe destacar que as experiências mais avançadas de democratização do poder e da economia, levado a cabo por governos como da Venezuela, Bolívia e Equador, estão em consonância com as linhas estratégicas do FSM, e que inclusive fazem parte hoje das novas Constituições destes países, como as novas formas de participação e protagonismo dos trabalhadores(as) nos processos decisórios (Orçamentos Participativos, Conselhos Comunais, Plebiscitos) e as formas alternativas de organização do trabalho e da produção antagônicas a lógica do capital, como as experiências de economia dos trabalhadores(as) via autogestão e economia comunal, baseada nas tradições dos povos originários e projetos de desenvolvimento endógeno.
Entretanto, mesmo com esse cenário de transformações em curso na América Latina, o capitalismo global segue avançando com transformações que mantem a lógica de exploração dos trabalhadores(as) e pauperização da vida no planeta, que se aprofunda na crise atual do sistema. Conforme dados do relatório intitulado Atualização das Tendências Mundiais de Emprego, de maio 2009, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, aumentou suas projeções sobre o desemprego, apresentando a estimativa que existe entre 210 e 239 milhões de desempregados(as) em nível mundial em 2009. Isso corresponde a taxas de desemprego mundial de 6,5% e 7,4%, respectivamente. O relatório assinala um aumento entre 39 e 59 milhões de desempregados(as), comparado aos dados de 2007.
O diagnóstico quanto ao significado do capitalismo para a humanidade não têm grandes divergências entre os movimentos contra-hegemônicos. A questão fundamental que está colocada é como sair do capitalismo, quais os caminhos em direção a uma nova sociabilidade, qual a estratégia de contrapoder capaz de enfrentar o poder hegemônico do capital? Nesse aspecto é inegável a importância do Fórum Social Mundial como espaço de confluência de movimentos sociais e alternativas, é, portanto uma realidade e uma necessidade.
Todavia, ao completar uma década, o FSM se vê em uma encruzilhada, com propostas distintas quanto a suas perspectivas. A partir da atual conjuntura, marcada pela emergência de novos atores sociais no protagonismo da luta de classes e as experiências dos governos de esquerda da América Latina, surgem proposições como as de Hugo Chávez sobre a construção de uma V Internacional de partidos de esquerda ou a de Garcia Linera, importante intelectual da América Latina e Vice-Presidente da Bolívia, que propõe uma Internacional de Movimentos Sociais. De outra parte verifica-se a posição do conjunto de ONGs internacionais que compõe a secretaria internacional do FSM em manter o fórum com o formato atual.
Estes serão, portanto, alguns dos principais debates que estarão em pauta nesta edição comemorativa dos 10 anos, na medida em que procuram responder aos desafios atuais e as perspectivas da luta anticapitalista do movimento dos movimentos. Para tanto, a programação apresenta como temas prioritários o balanço do fórum, a conjuntura e os elementos de uma nova agenda para a ação.
Esta nova edição do FSM mantém assim a sua principal característica, qual seja, o de possibilitar um processo inovador de articulação internacional da resistência contra-hegemônica em um espaço que expressa a diversidade dos movimentos sociais contemporâneos, no qual essa diversidade é um elemento central da luta que combina o principio da igualdade com o do reconhecimento da diferença. Nesse sentido, tão importante quanto comemorar os anos passados, será a construção dos próximos dez.
* PAULO MARQUES – Pesquisador, Mestre em Sociologia pela UFRGS e doutorando em sociologia na Universidade de Granada/Espanha com pesquisa sobre movimento social da Economia Solidária.
* LUCIO UBERDAN – Militante da Economia Solidária, Coordenador da Setorial Estadual de Economia Solidária do PT/RS, e da Executiva Estadual do Fórum Gaúcho de EPS.