O Brasil vive hoje uma grave crise nacional, de proporções históricas inéditas.
Iniciada com o movimento político de direita neoliberal que protagonizou o golpe do impeachment sem caracterização de crime de responsabilidade em 2016, aprofundou-se durante todo o governo Temer e, agora, com o governo Bolsonaro atinge em meio à pandemia do coronavírus uma clara dinâmica de genocídio e barbárie. Sua solução depende necessariamente do restabelecimento da democracia e aprofundamento do princípio da soberania popular, da eleição de um novo governo com um programa crítico e alternativo ao neoliberalismo e pelo início de um novo ciclo histórico de transformações profundas e estruturais.
A construção do movimento Fora Bolsonaro, em meio a uma situação extremamente complexa e instável, tem o grande desafio de construir as condições políticas para um apoio majoritário e legitimado a esta saída democrática e popular da crise nacional.
Há hoje três pólos políticos em formação e disputa.
O primeiro pólo é formado pelo bolsonarismo que propõe e articula publicamente uma saída para-militar para a crise nacional. Este caminho, com todas as evidências, não é expressão do fortalecimento da sua popularidade, da ampliação do arco das suas alianças, de um novo programa solidamente pactado com as classes dominantes. Mas o contrário disso: as tendências dominantes são de queda da sua popularidade (discute-se o tamanho e o ritmo desta queda), de crescente isolamento político e de fraturas importantes na coalizão neoliberal que o apoiou no segundo turno das eleições e formou o seu governo. O bolsonorarismo e seus generais continuam sem uma saída para a crise. A tentativa de um “pandêmico plano marshal” foi barrada por Guedes.
O segundo pólo político, em processo de rápida articulação, é formada pelos setores majoritários da direita neoliberal, que apoiaram Bolsonaro no fim do primeiro turno e no segundo turno das eleições de 2018, formaram parte de seu governo, centralizaram seu apoio a ele nas reformas econômicas neoliberais durante o primeiro ano e, com a reiteração da posição negacionista de Bolsonaro diante da pandemia e seu curso de radicalização em direção a um golpe, passaram a uma clara postura oposicionista. Este pólo abarca governadores, posições majoritárias nos órgãos do judiciário (que dirigiram e formam a base de apoio corporativo da Operação Lava-Jato), grandes empresas de mídia, partidos como o PSDB e o DEM, além de setores das classes médias que haviam antes apoiado a liderança de Bolsonaro na polarização com as esquerdas. Este pólo ainda não formou uma posição nítida pelo impedimento democrático de Bolsonaro, posterga ou ainda adia este posicionamento, busca a construção de um pacto por cima e o menos democrático possível, preservando os sentidos fundamentais do programa neoliberal.
O terceiro pólo político, em processo inicial de formação, é o democrático-popular que abarca o PT, o PSOL, o PC do B, as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, para as quais convergem centenas de organizações de movimentos sociais e populares, culturais, científicos e religiosos e que busca se reunificar com os partidos de centro-esquerda, em particular o PSB, o PDT e a Rede. O centro da atividade política deste pólo é o Fora Bolsonaro e debate-se as formas constitucionais de seu afastamento. O caminho partidário mais claro é o impedimento democrático do governo Bolsonaro, através do impeachment, buscando construir a brecha de convocação de eleições diretas e formar uma ampla aliança democrática popular, de vocação eleitoral majoritária e em torno de um programa crítico e alternativo ao neoliberalismo de superação da crise do país. O programa que constrói potencialmente esta maioria democrática é aquele que alia a luta pela democracia e a luta contra o programa neoliberal de austeridade, privatização e precarização dos direitos do trabalho, com perspectiva antifascista, feminista, ecológica e de respeito à diversidade da sexualidade e de gênero.
Com o posicionamento tardio mas hoje já bastante generalizado em favor do “Fora Bolsonaro”, este terceiro pólo político tem um amplo potencial de crescimento em sua ação, base social e unidade orgânica. O seu fortalecimento pressionará o segundo pólo, neoliberal de oposição a Bolsonaro, a se distanciar cada vez mais do apoio ao governo Bolsonaro, isolando-o politicamente. Ao mesmo tempo, permitirá disputar com este pólo neoliberal uma saída da crise que interessa aos trabalhadores e ao povo brasileiro.
Identidade classista democrática e unidade contra Bolsonaro
É esta perspectiva de construir uma saída democrática e popular para a crise nacional, que exige uma visão crítica a uma política de alianças que dissolve a sua identidade, a sua unidade e o seu programa em uma aliança com o pólo neoliberal, hoje posicionado na oposição à Bolsonaro.
O protagonismo e a audiência alcançados pelas comemorações do 1º de Maio de 2020, apesar da pandemia e da ausência de atos presenciais, já reflete este novo momento de retomada das forças democráticas e populares e de crise da coalizão neoliberal e da ultra-direita que sustenta o governo Bolsonaro. A CUT teve papel decisivo por organizar um 1º de Maio unificado com várias centrais sindicais. O Ato Nacional (via Internet) teve mais de 50 milhões de visualizações e demonstra assim que a CUT deve ser uma das principais entidades protagonistas da campanha Fora Bolsonaro e seu impeachment.
A CSD – CUT Socialista e Democrática- , defendeu no interior da CUT um 1º de Maio classista e unitário sem a presença de lideranças políticas que sempre defenderam e sustentaram o neoliberalismo no Brasil.
Exatamente por cindir a luta pela democracia da luta contra as políticas neoliberais de austeridade. A proposta defendida pela CSD era de separar a comemoração classista histórica unitária do 1º de Maio de um ato pela democracia, com a participação dos neoliberais de oposição a Bolsonaro.
A participação no 1º de Maio de lideranças políticas centrais do neoliberalismo no Brasil foi certamente um grave erro político e de dimensões simbólicas negativas para as classes trabalhadoras, afastando partidos e organizações políticas do campo democrático e popular.
Nos dias seguintes, as bancadas da esquerda na Câmara Federal novamente se dividiram na votação de um projeto de lei que condicionava verbas necessárias aos estados e municípios no combate à pandemia ao congelamento por 18 meses dos salários do funcionalismo público.
Em ambos os casos, a divisão das esquerdas implicou em quebrar a unidade democrática e popular, cindindo a luta pela democracia da luta contra a absurda austeridade neoliberal, que se mantém apesar da pandemia do coronavírus.
Neste próximo período, o desafio será exatamente fortalecer o pólo democrático e popular. Sem ele não haverá saída democrática para a crise brasileira.
Ações de frente ampla devem ser feitas mas nunca ao custo de romper a unidade democrática e popular e muito menos de forma a comprometer a independência política de classe.
Este desafio tem quatro dimensões decisivas. O primeiro é o de ocupar o centro da cena política do país com atividades unitárias virtuais e simbólicas pelo Fora Bolsonaro, pressionando o presidente da Câmara dos Deputados a abrir um processo de impeachment. Um esforço em particular deve se dar no sentido de coordenar estas ações com os partidos e lideranças de esquerda.
O segundo desafio será o de formar uma coordenação unitária orgânica do Movimento Fora Bolsonaro, aglutinando toda a potência de auto-organização, poder de convocação e coordenação desta ampla frente. Esta dimensão unitária orgânica deve se reproduzir nos planos estaduais, municipais e locais em processos de auto-organização popular e democrática.
O terceiro desafio é ir avançando em uma unidade programática, no campo democrático e popular, de refundação da democracia no Brasil a partir de uma perspectiva anti-neoliberal.
Enfim, o quarto grande desafio – central e de urgência da hora – é o de coordenar, em parceria com as entidades do campo sanitário e com o SUS, ações centrais de prevenção, apoio social, solidariedade e de defesa dos direitos dos trabalhadores para o enfrentamento da pandemia, a exemplo da campanha “Vamos Precisar de Todo Mundo”, lançada pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. O Movimento Fora Bolsonaro só poderá crescer e ganhar apoio popular se souber vincular concretamente a defesa da democracia e a defesa da vida em risco do povo brasileiro. A pandemia exige já ir formando uma coordenação nacional capaz de cobrar energicamente, apoiar com ações exemplares e multiplicadas, as milhares de iniciativas em curso no país que hoje enfrentam a adversidade criminosa e o boicote explícito do governo genocida de Bolsonaro.