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Copa do Mundo, violência de Estado e as contradições do capitalismo

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Foto: Agência Brasil

Por Clarisse Goulart *

A onda de manifestações pelo Brasil chamou atenção pela forte repressão policial. Enquanto os movimentos sociais e a juventude brasileira denunciam os grandes abusos e repressão desproporcional, os porta-vozes da polícia insistem em qualificar a violência como resposta aos ditos “vândalos” ou aos manifestantes em geral.

A repressão policial é parte do cotidiano daqueles que tencionam os limites do capitalismo e o medo, a violência e o risco de morte são instrumentos de sufoco da luta política. Estes elementos sempre estiveram presentes nas lutas pelos territórios, nas ocupações urbanas, nas contradições geradas nas periferias e favelas, e também nas várias manifestações políticas. No entanto, os grandes eventos como a Copa, trazem novas disputas sobre as noções de segurança, gerando sérios riscos de criminalização dos movimentos sociais e das manifestações políticas, a custa de grandes interesses da indústria armamentista e também com processo cada vez maior de militarização.

Está em discussão na Câmara dos Deputados, um anteprojeto de lei que prevê pena para a ação terrorista, exatamente demandada pela organização da Copa do Mundo no Brasil, podendo responder de 15 a 30 anos de encarceramento, os que praticarem “terrorismo” por “motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial ou ético”. Se já existe legislação que criminaliza práticas de racismo e fascismo, qual o motivo de uma lei “anti-terrorista”, se não a criminalização da luta política?

Além disso, a Copa tem estimulado a produção, venda e disseminação das armas – letais e as ditas não-letais. Só para a Copa das Confederações, o Exército Brasileiro adquiriu mais de R$ 78 milhões em veículos e armamentos. Desde a Rio + 20, já funciona o Centro de Defesa Cibernética que busca controlar a luta política nas redes. Além disso, está previsto que o plano de segurança da Copa do Mundo no Brasil deve ultrapassar o custo de R$ 2 bilhões. Segundo o SIPRI (Stockholm International Peace Research Institute), nos últimos seis anos, o gasto militar brasileiro aumentou significativamente, passando de mais de 35 milhões, para quase 65 milhões.

Há ainda uma ideia disseminada de que as armas não-letais seriam benéficas pois, ao substituir o uso das armas letais, assegurariam a vida das pessoas e, quando bem utilizadas, não ofereceriam nenhum risco aos alvos. No entanto, indícios são observados de que essas armas podem e estão sendo usadas sem escrúpulos. O gás lacrimogêneo, por exemplo, pode ser altamente perigoso para saúde, especialmente se usado em locais fechados. No início de junho, a Anistia Internacional alertou que esse tipo de arma química produzida no Brasil foi utilizado contra manifestantes na Turquia e também durante a primavera árabe em 2011. A empresa Condor Tecnologias Não Letais fornece o gás lacrimogêneo para mais de 35 países.

Além disso, ao menos dois novos armamentos não-letais entram em cena com a Copa no Brasil. O primeiro é a arma de choque, que imobiliza a pessoa alvo a partir de uma descarga elétrica. Em 2012, em Santa Catarina, Carlos Barbosa Meldola morreu vítima dessa arma. A segunda é um canhão sônico. Apelidado de “inferno”, funciona como um alarme, mas ao misturar várias freqüências, gera sensações extremas de tontura, náusea, dores no peito. Ambas impressionam pelo alto grau de violência e são uma verdadeira ameaça ao direito democrático de reivindicação e protesto.

Para completar o quadro, o exército brasileiro tem sido mobilizado na “garantia da paz e ordem” interna. Isso significa que um verdadeiro aparato de guerra existe e é acionado contra as manifestações políticas. Sabemos o quanto a organização do exército e também da polícia são calcadas em princípios androcêntricos e racistas. Nas áreas das favelas e periferias, essas forças organizam verdadeiros genocídios dos jovens negros. Em países com altos conflitos internos, como Colômbia, Haiti e Congo, as mulheres denunciam os abusos das forças armadas, o aumento da violência sexual e da repressão contra as mulheres e os trabalhadores. No Equador, na pequena cidade de Dayuma, em 2008, uma greve de trabalhadores do setor petrolífero terminou em aprisionamento e ataques militares aos mesmos, acusados de terrorismo. Um documentário foi feito com relatos das mulheres da comunidade, mostrando a truculência dos militares, que transformaram o conflito político em questão de “segurança nacional”. Em 2012, na África do Sul, a greve dos mineiros em Marikana, acabou com, ao menos, 34 mortes, além de muitos feridos.

As contradições do capitalismo são escancaradas com a privatização dos bens comuns e serviços públicos, com a estruturação de um sistema amplo de violência e guerra, com a criminalização dos trabalhadores e movimentos sociais e com a sustentação do racismo e do patriarcado. É nosso dever defender o direito ao protesto, à indignação e à luta democrática. É imprescindível repensar o papel das forças armadas e também da noção de segurança. É preciso desnaturalizar e combater a violência contra as mulheres e contra a juventude negra. A noção de segurança não pode estar acima dos direitos de cidadania. É preciso questionar os altos gastos públicos com a indústria da repressão e questionar os interesses atendidos pela Copa no Brasil.  Por fim, é preciso pressionar o capitalismo sempre e construir alternativas coletivas, progressistas, que acumulem forças para o fim da privatização das necessidades humanas e para a radicalização da democracia.

* Clarisse Goulart é Doutoranda em Ciência Política pela UFMG, militante da Marcha Mundial das Mulheres e da Democracia Socialista – PT.

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