Publicada originalmente na Agência Carta Maior. Se prefeir, clique aqui e leia a entrevista no seu local original.
Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o presidente da CPMI dos Sanguessugas, Antonio Carlos Biscaia, diz que investigações seguirão 2 linhas. Petistas serão investigados, mas também o conteúdo das denúncias envolvendo o PSDB. Deputado afirma que não há indícios de que Lula tinha conhecimento da compra do dossiê.
Maurício Thuswohl – Carta Maior
RIO DE JANEIRO – Para quem nem imaginava um dia ser parlamentar, ele acabou, logo no primeiro mandato completo, se transformando num dos ícones dessa conturbada e desde já histórica Legislatura. Candidato à reeleição, o deputado federal Antônio Carlos Biscaia deve ser o mais votado do PT no Rio de Janeiro, mas vem tendo pouco tempo para fazer campanha em seu Estado, já que pouco tem se afastado de Brasília. Sua atenção está voltada para a CPMI dos Sanguessugas, da qual é presidente e aonde vem tendo desempenho elogiado até mesmo pela oposição.
Em relação ao recente episódio da tentativa de compra de um dossiê contra os ex-ministros da Saúde tucanos José Serra e Barjas Negri, Biscaia mais uma vez pede que as investigações sejam sérias e não contaminadas pela disputa eleitoral. Ele garante que a CPMI vai investigar os petistas envolvidos, mas também quer aprofundar as investigações sobre o conteúdo do dossiê e das novas revelações feitas pelo chefe da Máfia das Ambulâncias, Luiz Antonio Vedoin, a quem sempre acusou de sonegar informações para tentar negociar vantagens. Biscaia afirma que nenhum documento analisado pela Comissão sugere que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tivesse conhecimento do contato com Vedoin e afirma que não vai deixar que a CPMI dos Sanguessugas seja transformada em palanque pela oposição, como aconteceu com a CPMI dos Bingos.
Animado em tentar um novo mandato na Câmara, apesar das decepções e das ameaças de morte que vem sofrendo, Biscaia elogia o Ministério Público e a Polícia Federal, fala do futuro do PT e faz críticas ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio de Mello, e ao colega de CPMI Fernando Gabeira. Leia abaixo, na íntegra, essas declarações na entrevista exclusiva concedida pelo deputado à Carta Maior.
Carta Maior – Quais os caminhos que deverá seguir a CPMI dos Sanguessugas daqui pra frente, após esse escândalo da tentativa de compra de um dossiê das mãos do chefe da Máfia das Ambulâncias, o dono da Planam Luiz Antonio Vedoin? A CPMI pretende convocar para depor esses novos nomes que surgiram no episódio, como Jorge Lorenzetti, Barjas Negri ou Freud Godoy, por exemplo?
Antônio Carlos Biscaia – Nós já temos entendimento sobre duas linhas de investigação a partir do dia 3 de outubro, data da próxima reunião da CPMI. Uma das linhas de investigação é apurar os fatos que constam no tal dossiê, na documentação. De acordo com o que a CPMI já tem conhecimento, o início do processo criminoso da Planam foi no Mato Grosso, através do deputado Lino Rossi, que na época era filiado ao PSDB. Nós temos que aprofundar essas investigações para verificar qual é o envolvimento dos ex-ministros da Saúde José Serra e Barjas Negri. A outra linha, efetivamente, vai investigar a tentativa de compra do tal dossiê, que é um fato conexo e um procedimento reprovável e criminoso que envolve algumas pessoas filiadas ao PT. Temos essas duas linhas de investigação.
CM – Os documentos aos quais a CPMI teve acesso sugeriram em algum momento o envolvimento do presidente Lula, ou de assessores próximos a ele, com os Vedoin ou com o esquema da Planam? Você acredita que Lula tinha conhecimento da tentativa de compra do dossiê?
ACB – Não há nada nesse sentido. Eu posso afirmar com absoluta segurança que essa operação desastrada desses que figuravam na coordenação da campanha foi feita com o desconhecimento completo do presidente Lula. Percebe-se claramente que, embora [a tentativa de compra do dossiê] seja um fato condenável, ele está sendo superdimensionado e estão esquecendo do conteúdo do dossiê em si. Fazem parecer que não houve nada, parece que o único fato é a tentativa de compra do dossiê. Por isso nós queremos investigar as duas linhas e queremos por toda maneira tratar disso logo após as eleições de 1º de outubro.
CM – Os parlamentares de oposição querem trazer para a CPMI dos Sanguessugas alguns temas paralelos, como os depósitos feitos pela firma de Marcos Valério em favor da empresa da mulher de Freud Godoy ou as verbas governamentais repassadas a uma ONG ligada a Jorge Lorenzetti. Existe o risco de que as maiores qualidades até aqui demonstradas por essa CPMI – sua objetividade e resultados rápidos – acabem indo por água abaixo se o foco das investigações se dispersar? A CPMI dos Sanguessugas corre o risco de virar um espetáculo midiático sem resultados práticos como aconteceu com a CPMI dos Bingos?
ACB – Eu vou continuar na linha de evitar por todas as formas que a CPMI se transforme num palco de disputa político-eleitoral. Normalmente, quando isso acontece, a CPMI não chega ao resultado esperado pela sociedade. A aprovação do relatório final com apenas um voto discordante só foi possível exatamente porque não houve até aqui disputa política na CPMI dos Sanguessugas.
CM – Como você analisa as dificuldades de relacionamento político dentro da CPMI? Primeiro houve divergência com o relator, senador Amir Lando (PMDB-RO), em relação ao número de parlamentares a ser incluído no relatório. Depois, um ruído com um dos sub-relatores, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), por conta de ele ter avisado previamente à imprensa que iria inocentar o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT)…
ACB – As divergências sempre existiram, mas nós procuramos manter o trabalho sempre fora de qualquer disputa política. Agora, o procedimento do deputado Gabeira ao anunciar o arquivamento da investigação contra o senador Antero Paes de Barros sem que a matéria fosse debatida foi inaceitável. Tanto é que ele mesmo acabou se retratando e dizendo que foi mal interpretado e que as investigações sobre o senador avançam. Já existem elementos nesse sentido…
CM – Por reiteradas vezes você manifestou publicamente sua preocupação com a possibilidade de que os Vedoin pudessem ocultar informações à CPMI para tentar negociá-las no varejo com os envolvidos, fazer chantagem e tentar obter dinheiro ou outros benefícios. Isso agora se comprovou na prática. O que você tem a dizer sobre isso?
ACB – Inúmeras vezes eu me manifestei no sentido de que os Vedoin relatavam fatos verdadeiros e comprovados. Eles prestavam depoimento e apresentavam uma prova. Na Justiça Federal em Cuiabá, o depoimento de Luiz Antônio Vedoin durou doze dias, foi muito longo. Tudo aquilo que estava mencionado em interceptação telefônica ele detalhava e comprovava. Em determinado momento, ele disse que perdeu arquivos de documentos, mas eu sempre assinalei que, ao contrário do que ele dizia, eu sabia que ele não havia perdido, mas estava sonegando. A última vez que estive com Luiz Antônio Vedoin, no dia 6 de setembro, eu o adverti, na presença de policiais federais e de outros parlamentares, que ele devia acabar com esse procedimento. Disse que, se ele ainda estivesse com alguma prova guardada, ele deveria entregar imediatamente tudo o que possuía ao juiz de Cuiabá e depois à CPMI. Senão, ele iria voltar para prisão, perder o benefício da delação premiada e poderia ser condenado a 20 anos de cadeia. Ele me disse que não tinha mais nada, mas mentiu nisso e continuou na tentativa de negociação. Tudo indica que ele ofereceu esse material primeiro para pessoas ligadas ao PSDB em São Paulo e depois manteve contato com pessoas ligadas ao PT. Os fatos revelados são esses, inaceitáveis e intoleráveis. Existiam formas legais de se obter esses documentos sem ser com um procedimento criminoso e reprovável como esse.
CM – A oposição criticou a Polícia Federal por não ter mostrado imagens do dinheiro apreendido. Qual sua avaliação sobre o trabalho da PF?
ACB – A atuação da Polícia Federal tem sido um dos pontos altos do governo do presidente Lula. Isso é inquestionável. Até agora, ninguém havia criticado. Nesse episódio do dossiê, o sigilo foi mantido e a PF não permitiu o estardalhaço que a oposição queria fazer, por isso eles passaram a criticar. Mas, isso não tem a menor procedência.
CM – E qual sua avaliação sobre o desempenho da Procuradoria-Geral da República no governo Lula?
ACB – Esse é outro fato que tenho destacado sempre. O presidente Lula nomeou dois procuradores-gerais da República – primeiro o Cláudio Fontelles e agora o Antônio Fernando de Souza – que são pessoas independentes e que estão apurando todos os fatos que chegam ao conhecimento da instituição. Nunca houve isso na história do país. Em contato recente que tive com o atual procurador-geral, fiz esse comentário e ele me disse que nunca sofreu no cargo nenhum tipo de pressão de quem quer que seja. Ele ofereceu denúncia contra 40 pessoas – algumas das quais integrantes do primeiro escalão do governo – e fez isso com absoluta independência, assim como também trabalhou o Fontelles. No governo Lula, nós temos o Ministério Público que a Constituição exige. Ao contrário de governos anteriores, onde não tínhamos procuradores-gerais, mas ‘engavetadores-gerais’ da República. Tanto a Polícia Federal quanto o Ministério Público vem tendo uma atuação de destaque, de independência e de firmeza no governo Lula. Atuação que está revelando todos esses fatos. Não só revelando, mas apurando com absoluta isenção, o que é um indício de plenitude democrática.
CM – Eu gostaria que você comentasse as declarações do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio de Mello, que comparou o caso do dossiê contra Serra à crise do watergate, que acabou derrubando o presidente Richard Nixon, dos Estados Unidos…
ACB – Um princípio básico de jurisdição reza que o juiz não pode se manifestar sobre casos concretos que poderão ser submetidos ao seu julgamento. A própria representação que o PSDB e o PFL apresentaram no TSE – e que busca incriminar o presidente Lula – não pode mais ser apreciada pelo presidente do Tribunal, ele está impedido. O juiz não pode se manifestar previamente. Isso é um preceito básico de jurisdição e ele, ao meu ver, está impedido de apreciar qualquer coisa relacionada a essa investigação.
CM – Em sua trajetória no Ministério Público e, mais tarde, na Câmara dos Deputados, você sempre foi identificado com a luta pela ética. Como você se sente, na condição de petista, depois de mais esse episódio? O que você imagina que possa ser feito no PT a partir de outubro, após a eventual reeleição de Lula?
ACB – Eu estou confiante na vitória do presidente Lula em 1º de outubro e acho que no dia seguinte nós temos que iniciar um movimento partidário para o expurgo de alguns do comando do partido ao mesmo tempo em que as condutas reprováveis sejam submetidas ao conselho de ética do partido. Nós temos que buscar os princípios e valores que sustentaram o PT. O único aspecto positivo dessa lambança toda pode ser esse. Nós teremos um novo comando no partido já no início de outubro, e isso será a sinalização e o caminho de uma transformação que todos nós estamos esperando.
CM – Diante dessas decepções com a direção do PT e do quase esfacelamento moral do Congresso, por quê tentar renovar o mandato de deputado?
ACB – Eu refleti muito sobre que decisão tomar e, quando decidi pleitear um novo mandato, eu fiz isso porque acho que posso contribuir. Primeiro, para uma reformulação do Congresso Nacional e de algumas práticas que são adotadas. Para isso, nós teremos que buscar entendimento entre as pessoas de bem. A minha trajetória nesse mandato me fez conseguir angariar a respeitabilidade de diversos segmentos de outros partidos. Então, eu tenho um papel importante a cumprir para o Poder Legislativo e também para que o governo do presidente Lula possa ter uma base de sustentação não fisiológica, não integrada por segmentos espúrios. Nós vamos contribuir para que o segundo mandato do presidente Lula, na sua relação com o Legislativo, tenha uma outra postura.