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Crise de Direção no PT: a culpa é das cotas?

1828262LOUISE CAROLINE

A proximidade do Congresso do PT, cuja continuação da 5ª edição será celebrada em junho, em Salvador/BA, reunindo centenas de representantes petistas de todo o país, abre um saudável período de debate interno, sempre atentamente acompanhado por espectadores externos, dada a dimensão social do nosso partido.

De início, cabe o registro sobre a peculiaridade de um partido que mantém vivas suas instâncias de reflexão coletiva, correndo sempre o risco de se expor aos ataques dos que querem nos dividir, mas com a virtude de se permitir mudar a partir de intensas discussões, que, ao final, fortalecem nossa unidade.

A ideia de que “ou o PT muda ou acaba”, portanto, tomou maior dimensão justamente pelo contexto negativo em que foi exposta, já que a constatação é óbvia. Em um processo histórico, de largo prazo, mudar é exigência a qualquer partido político democrático, ciente das imensas transformações por que passam o Brasil e o mundo.

No caso do PT, ainda mais. Doze anos governando o país, em um sistema político-econômico muito estranho às nossas formulações teóricas, com as contradições de uma política de alianças adversa, e com o envelhecimento (natural dos dirigentes, e conjuntural da estratégia) de um partido que celebra, em fevereiro, seus 35 anos. Mudar é imperativo.

O Brasil não é aquele de 1980, quando o Partido dos Trabalhadores foi fundado. Seja pelas transformações de um mundo cada vez mais conectado, seja pelo desenvolvimento e crise do modelo neoliberal, ou seja, inclusive, pelos acertos do próprio PT em seus governos, com a ascensão de milhões de pessoas às classes mais incluídas, e também pelos erros da caminhada.

Para mudar, entretanto, é preciso acertar o diagnóstico. O funcionamento do PT está burocratizado? Sim! Os quadros dirigentes têm tido dificuldade de elaborar um discurso de enfrentamento para a atual fase de desgaste? Sim! A culpa é das cotas? Não!!!!!

A burocratização partidária e suas dificuldades de diálogo com a sociedade atual residem exatamente na falta de renovação dos processos e da estratégia partidária. Não é possível criar uma identificação com a sociedade do século XXI a partir da linguagem dos anos 80!

Não é possível agregar ativistas e sonhadores em torno de uma estratégia pragmática, em que o partido se submete ao governo e assume para si as contradições do sistema que deveria combater!

Os dirigentes que têm mais dificuldades em dialogar com a sociedade contemporânea não são os recém-empossados jovens, mulheres e negros/as”cotistas”, mas sim os sempre-empossados homens, brancos, com mais idade que o próprio PT. Evidentemente que aqui não se pretende criar uma categoria generalista em que todos os homens brancos e velhos sejam conservadores e que todos os jovens mulheres e negros/as sejam progressistas. Seria imbecil fazê-lo. Como também é o raciocínio contrário, que tenta atribuir ao pequeno e recente suspiro de renovação os problemas que já nos acompanham há tempos, cada vez mais profundos.

As cotas constituem justamente o remédio para os sintomas já identificados anteriormente. A má aplicação delas, no entanto, pode ser uma boa explicação para os limites que temos encontrado na renovação, pessoal e política, com elas pretendida.

Senão, vejamos alguns números divulgados pela Secretaria Nacional de Organização (SORG/PT): a paridade de gênero nos Diretórios Municipais é cumprida em apenas três estados da federação, com destaque positivo a Roraima, que ultrapassa os 50%, e negativo a Pernambuco, meu estado, que se aproxima dos 30% de mulheres. A cota étnica, 20% das vagas destinadas à população negra e indígena, é cumprida pela metade dos estados, destaque positivo ao Rio de Janeiro, que chega quase aos 35% e negativo a Santa Catarina, que beira aos 5% (talvez por condições sociológicas específicas que merecem um recorte especial). Já a cota “geracional”, assim chamado o percentual de 20% de vagas destinadas para os jovens até 30 anos, é cumprida nos diretórios municipais de apenas quatro estados (o mais alto percentual é novamente Roraima e o mais baixo é Goiás, com menos de 5% de jovens).

Ora, ora! Então as “cotas”, tidas como grandes vilãs da ineficiência dirigente, na verdade não são cumpridas? Mas se não estão lá as mulheres, os negros, nem os jovens, quem é responsável pela burocratização e dificuldade de diálogo social?

Mesmo quando as cotas são cumpridas, infelizmente não é raro ver no PT um comportamento muito utilizado no processo eleitoral brasileiro e sempre condenado por nosso partido. Indicam-se mulheres filhas, esposas, amigas, ou de algum modo subordinadas aos mesmos homens brancos não-jovens que ocupavam a vaga anteriormente. A situação é tão grave que até se referem à “fulana” como a “representante de fulano” na direção.

Francamente, companheiros e companheiras, como as cotas, que têm o objetivo de promover a oxigenação das pessoas e ideias podem funcionar se não são preenchidas e muitas vezes, quando são, fazem cartorialmente, mantendo-se a representação das mesmas pessoas e ideias?

Ou, como podem funcionar quando as decisões são tomadas em conversas e acordos paralelos que excluem os novos dirigentes, tratando-os como “pequenos aprendizes” que ainda não têm maturidade para debater os assuntos sérios? Mas como aprenderão sem participar, sem orientação, sem troca?

Nos casos em que as cotas são preenchidas por dirigentes mulheres, jovens, negro/as e indígenas com inserção em movimentos sociais e liberdade política para atuar, o partido tem sim tido mais condições de dialogar com a sociedade e modificar práticas engessadas pelo modelo histórico.

Não é que se queira promover uma guerra geracional, ou de gênero, ou étnica. O que se defende é justamente a convivência saudável entre os diferentes pontos de vista, as diferentes identidades e linguagens. E isso fará bem a todo o partido, porque lhe dará mais fôlego, mais vida, mais chances de sobreviver a longo prazo.

Especialmente sobre a renovação geracional, de todas as cotas a que mais sofre ataques, cabem alguns números, também do relatório da SORG/PT: quando fundado, em 1980, o partido tinha 10% de filiados entre 16 e 18 anos, 35% entre 19 e 25 anos e 25% entre 26 e 30 anos. Ou seja, 70% do quadro de filiados tinha até 30 anos. Em 2014, pasmem: são 10% dos filiados entre 26 e 30 anos, 5% entre 19 e 25 anos e a faixa entre 16 e 18 anos sequer pontuou no levantamento! Ou seja, são apenas 15% de filiados até 30 anos, hoje, no PT.

Não é preciso ser jovem, nem um gênio, para concluir o que está acontecendo. Estamos envelhecendo – o que é bom, porque desejamos vida muito longa a nossos dirigentes fundadores, nossos ídolos muitas vezes, que construíram esse partido e nos atraíram para a luta política – mas não estamos renovando, substituindo, reoxigenando. Ora, se a população se renova e o PT não, isso quer dizer que estamos fadados à morte, enquanto projeto coletivo. Aí sim faz sentido a frase “ou o PT muda ou acaba”.

Mas essa mudança, ao contrário do que defendem alguns, inclusive a autora da frase, deve ser para mudar mais e não para mudar menos. Deve ser para avançar e não para retroceder. Deve ser para renovar e não para estagnar. É compreensível que em momento de dificuldade se tente voltar a um modelo que funcionou no passado. Acontece que não estamos no passado.

Ficou evidente nos Protestos de Junho de 2013 que a direção partidária não conseguia compreender o que estava se passando. Porque as identidades geracionais carregam consigo linguagens e compreensões de cada tempo. Não é que pretendamos fazer um socialismo dos jovens. No fundo, boa parte dos sonhos de um mundo sem desigualdade, de liberdade, de direitos e inclusão que motivaram nossos fundadores nos motivam também. A luta da esquerda pelo fim da opressão de classe é a mesma em todos os tempos.

No entanto, é preciso se entender com o povo. E, em nosso caso, é urgente mudar para sermos os mesmos. Por mais que seja duro pedir a alguém que dedicou toda sua vida à construção de um projeto que dê passagem para que outros ocupem “sua vaga”, necessitamos de uma pactuação respeitosa e coletiva no PT que convença a todos nós que a renovação da direção partidária é condição para a continuidade desse projeto que custou a vida de tantos companheiros que nos trouxeram até aqui.

Por isso, embora possamos apresentar muitas outras perspectivas para analisar a crise de direção partidária, esta contribuição pretende afirmar apenas que se as cotas têm alguma coisa a ver com isso, é justamente pela sua não implementação plena. Que o 5o Congresso nos ajude a fazer os diagnósticos corretos, aplicando as medidas que nos levem ao futuro e à esquerda.

Desburocratizar o PT! Mais jovens, mulheres, negro/as e indígenas no poder!

*Louise Caroline, 31 anos, é cientista política e dirigente nacional do PT. No twitter @loucarolinepe

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