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Crítica ao trabalho indecente e elogio à ação sindic

Márcio Pochmann *

Até recentemente, o tema da juventude assumia a condição de paradoxo no Brasil. Não obstante o reconhecimento internacional por ser um país de população fortemente composta de crianças, adolescentes e jovens, quase não possuía estudos sistêmicos acadêmicos e aplicados, tampouco políticas públicas adequadas a sua importância absoluta e relativa.

Somente com a Constituição Federal de 1988, impulsionada pela transição democrática, as faixas etárias mais precoces da população passaram a ter espaço privilegiado no seio das políticas públicas. Especialmente para o segmento constituído de crianças e adolescentes houve avanços inegáveis por parte das políticas públicas, como no caso da aprovação e implementação do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), do compromisso na educação com a universalização do ensino fundamental e dos apoios na saúde e assistência ao enfrentamento das doenças e mortalidade infantil, entre outras.

Mesmo com o progresso do desemprego e precarização no trabalho juvenil durante as duas últimas décadas do século passado, estimulado pela regressão neoliberal, o tema da juventude continuou no limbo. Poucos estudos e quase sem políticas públicas, salvo pela orientação do pensamento único desregulamentador que tornava a vítima a própria responsável pela tragédia que se abateu na faixa etária em transição da adolescência à condição de vida adulta. Somente precisaria estudar para que automaticamente surgisse um ótimo emprego e alta empregabilidade, mesmo sem a garantia de acesso à escola a todos que assim desejassem e frente à baixa geração de empregos decentes no país. Tanto que para os que mais estudassem, o risco de desemprego terminaria aumentando substancialmente, a tal ponto de haver mais graduados desempregados que trabalhadores analfabetos.

O Brasil conseguiu dar um salto em termos de políticas públicas para a juventude, bem como a literatura especializada tornou-se mais encorpada. As políticas públicas, contudo, chegaram tardiamente. Passaram a atuar mais sobre os efeitos, poucas vezes sobre suas causas. Apenas recentemente, com a expansão mais robusta da economia nacional, que o emprego voltou novamente a crescer, o que permitiu derrubar as taxas expressivas de desemprego juvenil.

É neste contexto que o presente livro de Anderson Campos** chega em ótima hora, pois permite avançar mais na compreensão sobre a situação da juventude, bem como a sua relação com a ação sindical. Em particular, o assunto sindical também se torna estratégico para uma massa juvenil que envolve cerca de 50 milhões de brasileiros, fundamentalmente no momento em que o tema da juventude deve ampliar e transplantar para as questões do presente relacionadas com o passado recente regressivo (desemprego e precarização) para o desafio temático de tratar do presente em relação ao futuro.

Isso porque o mundo do trabalho passa por uma importante transformação, nem sempre presente na condução das políticas públicas. Nesse sentido, sem a vocalização e articulação sindical da juventude e sua pauta de ação, o país pode estar gerando um novo ovo de serpente, com riscos de aprofundamento dos problemas ao segmento juvenil.

Destaca-se que durante a vigência da sociedade agrária brasileira (1500 – 1930) predominou a convivência do anacronismo no uso do trabalho forçado com condições de vida extremamente precárias, limitadas pela prevalência de produtividade nacional praticamente estagnada por longo período. Jornadas de trabalho extremamente longas e expectativa média de vida da população trabalhadora inferior a quarenta anos impuseram a conformação de uma sociedade de extremos entre a elite aristocrática e a massa restante miserável da população.

Na sociedade urbano-industrial, a partir da década de 1930, as transformações no mundo do trabalho foram intensas, porém desacompanhadas das reformas civilizatórias do capitalismo contemporâneo, ou seja, de reformas agrária, tributária e social. Em virtude disso, o salto nos ganhos de produtividade terminou sendo apropriado por parcela ínfima da população, sobretudo a elite branca proprietária e a que emergia do acesso – ainda que limitado – ao sistema educacional portador de passaporte para as melhores oportunidades de trabalho e vida.

No curso da passagem atual para a sociedade pós-industrial, o ensino superior torna-se a base para o ingresso no mercado de trabalho, bem como a educação assume uma medida imprescindível para a vida toda. No Brasil de hoje, cerca de 13% do segmento etário de 18 a 24 anos encontra-se matriculado no ensino superior e a partir do ingresso no mercado de trabalho, em geral, as possibilidades de continuar estudando pertencem fundamentalmente à elite branca.

A postergação do ingresso no mercado de trabalho, acompanhada da universalização do acesso ao ensino médio e superior de boa qualidade a todos os jovens deve assumir centralidade junto ao projeto de Brasil neste limiar do século 21. As condições políticas para que isso venha a ocorrer encontram-se justamente na capacidade do sindicalismo converter o conhecimento existente em políticas públicas. Esse alerta, certamente, o livro de Anderson Campos apresenta com consistência e profundidade no tema abordado com precisão.

* Márcio Pochmann é economista, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

** Clique aqui  [Link Indisponível] para saber mais sobre o livro Juventude e ação sindical: Crítica ao trabalho indecente.

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