*Por Mariana Jorge e Bruna Rocha
Desde que, a partir de políticas públicas criadas nos governos Lula e Dilma, nós, mulheres, LGBTs e juventude negra passamos a ocupar alguns espaços, percebemos que nossa presença incomoda. A universidade está no centro dessa reflexão. Qualquer cotista saberá falar do vazio, do sentimento de deslocamento total, da completa sensação de não-pertencimento que o primeiro dia de aula na universidade nos traz. Nossa experiência não foi diferente. Adentrar num ambiente elitista como a Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia parecia um programa de auditório onde todas as provas são colocadas para nos eliminar. Desde a falta de informação e acolhimento que nos deixam perdidas entre os murais com as milhares de disciplinas, cujos nomes nos fogem ao repertório de nossas vidas, até às rodas de amigos advindos das grandes escolas particulares, cujo construtivismo de mil reais mensais nunca caberiam no bolso de nossos pais.
De incomodadas a incomodantes, noiz segue resistindo na Universidade. Temos muita clareza sobre qual projeto de educação está colocado pelo governo golpista e qual carne será cortada junto ao orçamento. Assistência estudantil é a bola da vez, pois sem política pública não conseguimos continuar estudando. O pacote de maldades de Temer, seus aliados e dos seus adversários que pretendem o derrubar através de eleições indiretas que emposse um capataz mais competente para aprovar as reformas reacionárias que tramitam no congresso, ataca diretamente a vida dos e das estudantes pobres, negros e negras, que mais necessitam das políticas de permanência. E o debate de permanência precisa ser qualificado, como tão bem debatemos no IV Encontro de Negros e Negras da UNE e aprofundamos no quinto encontro.
Passamos os últimos dois anos sendo tragadas e tragados pelas ofensivas aos direitos conquistados. Lutamos contra a redução da maioridade penal, contra o fim da pílula do dia seguinte, abraçamos a Dilma, organizamos grandes marchas em Brasília para resistir o golpe e denunciamos o seu caráter misógino, construímos a maior greve geral dos últimos anos para dizer que a aposentadoria fica e Temer sai, estamos vigilantes para barrar a reforma trabalhista. Mas, para além da resistência, também somos potência. Somos ação, proposição e temos um projeto de país para disputar com a sociedade brasileira. Temos um projeto de educação e afirmamos, através da UNE e de toda a rede de entidades do movimento estudantil e de estudantes autoorganizados em diversas expressões sociais, que temos política para apresentar.
Foi assim que conquistamos a destinação de 10% do PIB e 100% dos royalites do Pré-Sal para a educação. Foi assim que conquistamos a Lei de Cotas, o ProUni, o Reuni e tensionamos o estado brasileiro a abrir as portas do ensino superior para o povo, para o nosso povo. Metemos o pé na porta. O ingresso de trabalhadores e trabalhadoras na universidade é um acontecimento que ainda não pode ter seus impactos dimensionados com precisão no desenvolvimento do país, mas temos certeza que esta foi a política de reparação social mais consistente dos governos petistas. É importante avaliar os indicadores para compreender o impacto dessa política na vida da população brasileira. Com a Lei de Cotas, o número de estudantes oriundos das escolas públicas, subiu de 27% para 43% em cursos valorizados como Medicina, Arquitetura e Urbanismo, Direito, Comunicação, Odontologia e as Engenharias. Este é um dado de 2005, trabalhado no artigo Os Impactos das Cotas no Brasil, de Glaucia Pereira, o qual vale a pena folhear e está disponível para download na internet. Outra publicação fundamental para observar a experiência das cotas em diversos estados é o livro “O impacto das cotas nas universidades brasileiras”, organizado pelo professor Jocélio Teles dos Santos e publicado em 2013 Centro de Estudos Afro-Orientais – CEAO da UFBA.
Nossa presença não representa apenas uma mudança na composição social da universidade, mas também uma mudança qualitativa nos rumos da produção do conhecimento. É crescente o número de trabalhos de conclusão de curso, artigos científicos, pesquisas e trabalhos de extensão na área dos direitos humanos e das pautas de maiorias subalternizadas, como a questão racial, de género, sexualidade. A interiorização do ensino superior é outro fator fundamental na alteração da concepção de desenvolvimento regional em diversos estados brasileiros, sobretudo do nordeste. A criação da UNILAB e da UNILA colocaram o Brasil em outro patamar de relações internacionais e deram aos e às estudantes uma oportunidade ímpar de reconfigurar sua identidade afro-latina, um sentimento de pertencimento e protagonismo na construção de um novo mundo academico.
Eles temem esse novo mundo. Eles temem tudo que escrevemos, eles temem tudo que pesquisamos, eles temem tudo que denunciamos das velhas estruturas que conservam poder na academia. Eles temem a nossa investigação de outros paradigmas epistemológicos e nossa vontade de ocupar os espaços de poder na universidade, por um modelo de gestão democrática e participativa.
Por isso querem congelar os investimentos em educação por 20 anos. Por isso querem exterminar essa geração contaminada de esperança, ousadia e coragem para lutar por direitos e não retroceder. A juventude brasileira tem uma grande tarefa pela frente: derrubar Michel Temer, barrar as reformas da previdência e das leis trabalhistas, e construir uma agenda de avanços sociais que protejam a dignidade e cidadania do povo brasileiro.
O 55 Congresso da UNE será um grandioso momento para que as experiências de resistência nas universidades de todo o país produzam uma plataforma contundente em defesa da educação e da democracia. Não há saída para o Brasil que não as Diretas Já, para que o povo possa eleger um ou uma representante que retome o programa de distribuição de renda, participação social e inclusão produtiva das camadas populares de nossa população.
Aos golpistas, deixamos um recado: noiz vai montar comitês de resistência em cada universidade desse pais! Cada centro academico, cada DCE, cada coletivo será um núcleo de enfrentamento, de pressão pelas eleições diretas e defesa irrestrita da democracia! Onde houver estudante, haverá luta! E da universidade nós não sai, da universidade ninguém nos tira.
*Mariana Jorge é diretora de Comunicação do DCE da UFBA e Bruna Rocha é Diretora de Mulheres da UNE.