Bruno Linhares *
A figura do ex-presidente, com todo o capital político que acumula, serviu para simbolizar aos olhos das grandes massas a essência de uma reorientação histórica em nosso país. Após os cinco séculos de opressão, nas barbas das elites mesquinhas que tanto usufruíram e usufruem dos benefícios econômicos e sociais de uma sociedade profundamente desigual e excludente, algumas mudanças foram gestadas nesses oito anos.
Se quisermos ser rigorosos, devemos admitir que não foram profundas ou radicais as mudanças. Seu principal mérito esteve em interromper a marcha dos representantes das elites a contrapor-se às políticas e práticas que levavam a sociedade rumo ao mais do mesmo – mais desigualdade, mais pobreza, mais alienação. Seu caráter histórico está no ineditismo da troca de sinais, da reorientação de prioridades, em um país com uma estrutura social e econômica complexa, onde a ocupação do espaço político e o exercício da hegemonia pelas classes dominantes nunca foi generoso com os de baixo.
A esperança desencadeada nas camadas subalternas, em sua sabedoria histórica, portanto, não foram sem razão. Um novo fenômeno, um novo movimento se gesta a partir de uma nova realidade política. Porque, mais do que conquistas econômicas e sociais, abrem-se novas possibilidades políticas para o avanço dos trabalhadores e do povo, para que, aí sim, consigamos maiores e mais vigorosas vitórias e conquistas. Os representantes diretos das elites estão sem discurso, foram derrotados e seus aliados internacionais do capitalismo central estão em profunda crise econômica e social. Mas, evidentemente, não estão paralisados, como pudemos sentir tão bem na pele nos últimos embates.
Essa dialética passa despercebida ao esquerdismo que, incapaz de abandonar fórmulas esquemáticas, deixa de enxergar o quadro completo e as possibilidades que se abrem quando os setores dominantes são golpeados com tanta persistência, como nas últimas três eleições presidenciais, apesar de toda a energia que aplicaram para vencer e por todos os recursos empregados.
É certo também que boa parte do PT, sem falar em outros partidos com referência nas classes populares, se limita às perspectivas mais imediatas, fruto do abandono das perspectivas utópicas e da rendição à ideologia burguesa. Mas o fato é que as possibilidades de transformação da sociedade existem, a despeito mesmo da vontade dos atores mais reticentes dentro do campo popular. A dinâmica das transformações, caso as ações políticas e sociais sejam desencadeadas na perspectiva certa, pode persistir e evoluir com uma força insuspeita. Isso é o que assusta as elites, por isso a contínua guerra de desgastes desencadeada pelo PIG (o “Partido da Imprensa Golpista”) e pelos representantes mais lúcidos e aguerridos desse setor social.
O avivamento desse movimento, a busca da continuidade da luta pela Hegemonia é o que se coloca na atual fase. Representa o componente necessário para a continuidade das mudanças e a finalidade maior do que empreendemos em todos esses oito anos de participação no Executivo. Sua linha essencial é a promoção dos valores socialistas e a implementação de propostas que levem à eliminação da pobreza, ao crescimento do país e à remoção dos entraves para a democratização da sociedade, em todos os aspectos. Apresentada em uma linguagem condizente com o atual nível de consciência das massas e sob uma perspectiva que possa ser compreendida pela base do lulismo.
A partir daí se coloca a questão do Governo Dilma: a montagem do Ministério não dá maiores pistas, sejam positivas no sentido das transformações, sejam negativas. Se é verdade que importantes ministérios saíram da influência peemedebista, ainda se mantêm figuras controversas como o Ministro Jobim. Se aparentemente estabeleceram-se como dominantes os setores desenvolvimentistas, com a saída de Meirelles, por outro lado, o “desenvolvimentismo” é insuficiente resposta para o atual estágio de necessidades. Novas necessidades devem ser endereçadas ao Governo e um plano mais amplo deve ser estruturado para além do “desenvolvimento”.
A afirmação de políticas alternativas ao neoliberalismo é essencial, assim como a reconversão dos maiores entraves ao crescimento, como a ultrajante taxa de juros e o câmbio elevado, além da continuidade da política de valorização do salário mínimo e dos esforços conscientes para a manutenção do nível de emprego – fatores já por demais conhecidos. As aspirações dos novos segmentos sociais beneficiados com o crescimento econômico devem ser endereçados, com melhorias substantivas na Educação, na Saúde e na Habitação. Mas o grande desafio também se coloca no campo da política, com a promoção das reformas váriadas, do fortalecimento dos movimentos sociais e da criação de mecanismos de participação no aparelho do Estado.
Estará o Governo à altura de tais desafios? As contradições no interior do Governo e da sociedade poderão ser vencidas com o esforço consciente e com clareza de objetivos e determinação? A conferir, pois não se trata de uma trajetória simples ou de um percurso rápido. Abre-se um período mais longo de enfrentamento no interior do Executivo e do Legislativo, com idas e vindas, vitórias e derrotas parciais no caminho. Há que se avaliar permanentemente a consecução de tais desafios. A nós, participantes mais conscientes desse processo, cabe persistir e avançar na ação institucional e na ação de massas.
* Bruno Linhares integra a coordenação estadual da DS no Rio de Janeiro.