Debate não se resume à abertura dos arquivos
Postura dos militares revela estrutura voltada à repressão.
Em um mês, seis fatos: fotografias que pretensamente mostravam Vladimir Herzog sob a guarda do Exército, uma nota do Exército justificando os crimes da ditadura, a saída do Ministro da Defesa, o vice-presidente alçado à condição de Ministro, uma entrevista do ministro do Gabinete de Segurança Institucional na Folha de S.Paulo e o pedido de demissão do presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos da Presidência da República.
A análise desses fatos em conjunto, para além de reforçar o debate – fundamental – sobre a abertura dos arquivos da ditadura militar, evidencia a existência de uma estruturação militar para repressão política. E fica claro que a questão de “abrir ou não abrir” os arquivos é apenas o começo da história.
A reação tímida à nota expedida pelos militares não foi uma oportunidade perdida pelo governo, mas uma opção política clara de não entrar nas questões de fundo. Aquelas que “não são bonitas e ninguém quer ver”, parodiando a lamentável declaração do ministro responsável pelo Gabinete de Segurança, Jorge Félix. Para o deputado federal Orlando Fantazzini (PT-SP), a declaração de Félix soa como chantagem. “Ele dá a entender que há muitas informações sobre a vida privada de gente importante. Isso não interessa à sociedade. O que estamos defendendo é o direito das famílias de saberem o que aconteceu com seus familiares”.
Ou muda o comando…
Ainda da série declarações lamentáveis, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista àFolha de São Paulo, disse: “quando eu estava na Presidência, conversei com o ministro do Exército e ele me garantiu que não há nada que seja comprometedor lá. Não é que não exista documentação. É que, dificilmente, essa documentação estará nos arquivos”, falou FHC sem qualquer constrangimento.
A frase de Fernando Henrique mostra que se a questão for resumida aos arquivos, corre-se o risco de sair do processo pouco se incidindo sobre a estrutura autoritária. “Tem que ocorrer uma mudança no comando das Forças Armadas, principalmente no Exército. A postura desse comando é incompatível com um regime democrático”, diz Fantazzini.
Augustino Veit, o novo presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, tem um histórico de militância na área de Direitos Humanos, e entra com o desafio imediato de analisar 120 casos que tramitam atualmente, de famílias que entraram com o pedido de indenização e pensão. O papel de se posicionar sobre a abertura dos arquivos não cabe apenas à Comissão. Iniciativas combinadas de âmbito parlamentar, partidário e dos movimentos sociais são necessárias para retomar a força na sociedade das reivindicações democráticas que vêm desde a luta contra a ditadura e até hoje não realizadas.
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