Por Rodger Richer
A juventude negra cotidianamente resiste às elevadas taxas de extermínio e encarceramento em massa. A seletividade racial e geracional dos homicídios e prisões no Brasil é um dado preocupante em diversas cidades, sobretudo nas periferias dos grandes centros urbanos. A “guerra às drogas”, na prática, é uma guerra contra pretos e pobres. Nas escolas e Instituições de Ensino Superior percebemos o extermínio da produção de conhecimento negro: o epistemicídio. Constatamos a pouquíssima presença de professores negros e professoras negras. A “democracia racial”, corroborando com as formulações do sociólogo Florestan Fernandes, trata-se de um mito. Em todas as esferas da vida social, infelizmente, a população negra encontra-se majoritariamente em situação de vulnerabilidade social e econômica. Apesar de tudo isso, resistimos!
“O mundo é diferente da ponte pra cá” (Racionais MC’s)
Fundada em 1937, a União Nacional dos Estudantes (UNE) sempre encampou lutas importantíssimas na história do país. Nos anos 40 a UNE foi uma das protagonistas da campanha “O Petróleo é Nosso”; a partir de 1964 resistiu às arbitrariedades da Ditadura Militar; em 1984 participou ativamente da campanha pelas “Diretas Já”; lutou contra o governo Collor; sempre esteve na luta contra o neoliberalismo; contribuiu para a aprovação da Lei de Cotas nas Universidades Federais; esteve presente nas manifestações de junho de 2013, entre outros.
O movimento estudantil sempre cumpriu um papel importante junto às forças democráticas e populares no Brasil e no mundo. Todavia, infelizmente ele padece de patentes contradições: pouca presença de negros e negras na direção das entidades estudantis e secundarização das políticas de promoção da igualdade racial em detrimento das “pautas gerais”. A partir da ampliação de vagas nas Instituições de Ensino Superior (IES), das Políticas Afirmativas, do Programa Universidade para Todos (ProUni) e do Programa de Financiamento Estudantil (FIES), o perfil estudantil mudou significativamente. Há mais negros(as) nas salas de aula, participando dos grupos de pesquisa e da política estudantil. Entretanto, essa presença ainda é incipiente. Apesar de sermos parte significativa das delegações que votam nos Congressos, não estamos presentes na direção de acordo com a “proporcionalidade étnico-racial”.
“Juventude Negra Resiste das Favelas às Universidades”
Ao mesmo tempo em que passamos a adentrar nas IES, trazemos uma série de demandas e perspectivas de mundo que infelizmente não são incluídas adequadamente na produção do conhecimento acadêmico. O Racismo é cruel: além de sermos sistematicamente exterminados(as) fruto de uma cultura de violência tanto física quanto simbólica, nossa produção de conhecimento também é aniquilada ao constatarmos a pouquíssima quantidade de referenciais teóricos elaborados por negros(as) nos currículos acadêmicos.
É tempo de mudar essa história, de construir novas narrativas e de potencializar a construção de quadros negros(as) para assumir os principais lugares da sociedade. É inadmissível que ao longo da história apenas um negro tenha sido eleito para presidir a UNE, em 1995. É assustador perceber que o Congresso Nacional seja majoritariamente branco, masculino e heterossexual. É ridículo que até mesmo entre as organizações e partidos de esquerda a perspectiva étnico-racial seja tão desdenhada ao ponto de termos uma quantidade irrisória de candidaturas negras para disputar eleições para cargos Executivos e Legislativos. É lamentável evidenciar que o Judiciário brasileiro segue uma lógica onde a população negra possui pouco acesso.
Em todas as esferas da vida social, quando se trata de negro(a), sempre somos secundarizados(as). Afinal, “a questão racial não é prioridade”. Você já parou para se questionar porque tudo que é voltado para negros(as) têm pouco orçamento? Grandes eventos, políticas públicas, secretarias de governo, ministérios, entre outros, em relação às outras pautas, sempre serão menores a depender da “boa vontade” dessa atual hegemônica classe política.
O Capitalismo no Brasil super explora principalmente a população negra que é a maioria da classe trabalhadora. Construir uma nova correlação de forças que acumule na elaboração de um novo Bloco Histórico capaz de implementar uma nova hegemonia no Brasil e no mundo é uma tarefa de grande responsabilidade que cabe a nossa geração. Essa tarefa necessariamente perpassa pelo protagonismo da população negra.
“Pode rir, rir, mas não desacredita não” (Racionais MC’s)
A Diretoria de Combate ao Racismo coordenou em 2016 o 5º Encontro de Negros, Negras e Cotistas da União Nacional dos Estudantes, realizado nos dias 5 a 7 de agosto no Centro de Esportes da UFBA, que cumpriu um papel muito importante de dar uma cara preta nas lutas contra o golpe e potencializar a luta em prol da superação do Racismo no Brasil e no mundo. A narrativa de que a nossa presença incomoda e que, portanto, é necessário que nós, negros e negras, estejamos em permanente mobilização para conquistar direitos e afrontar o Racismo sensibilizou mais de 2.500 pessoas – movimentos sociais, estudantes, grupos de poesia, grafiteiros e grafiteiras, trançadeiras, cooperativas de economia solidária, hip-hop, entre outros – para dizer que queremos mais direitos e mais democracia. Foram 2469 inscrições online e mais de 1000 presenciais, evidenciando um salto significativo de mobilização em comparação às edições anteriores. A nível da construção nos Estados, este foi o maior em termos de realização de pré-ENUNEs: mais de 10 Estados mapeados e cerca de 60 pré-ENUNEs realizados.
A linha política do ENUNE foi extremamente plural: reafirmamos que é fundamental que a população negra organize uma opinião sobre o papel que podemos cumprir na ampliação da democracia; a necessidade de atualizarmos os métodos do movimento negro através das novas linguagens para a luta antirracista; a defesa de que as mulheres negras não devem ser invisibilizadas enquanto sujeitos muito importantes para a sociedade brasileira; a luta contra o hiper encarceramento e genocídio da população negra; a reivindicação por mais direitos para a população negra LGBT; a luta em defesa da paridade racial na direção da UNE; das cotas na pós-graduação; do combate ao epistemicídio acadêmico, dentre outras.
É com muita alegria que afirmamos que realizamos o maior encontro de negros e negras da UNE, do Brasil e da América Latina, apesar de todas as dificuldades enfrentadas em um ambiente político pós-golpe. O 5º ENUNE junto ao 2º Festival de Cultura e Juventude Negra AFROTOMBAMENTO foi um espaço importante de articulação e síntese das diversas perspectivas em que a juventude negra brasileira se organiza, sendo a maior agenda do movimento negro no mês de agosto. O que nos resta saber é a seguinte pergunta: Quais desdobramentos o 5º ENUNE terá na conjuntura brasileira? A resposta são as diversas chapas de CAs; DAs; DCEs; UEEs com a direção composta majoritariamente por negros e negras; o programa das chapas refletir a nossa linha política, o protagonismo que o povo negro teve nas ocupações secundaristas e universitárias a atualização da agenda do movimento estudantil sob o prisma racial.
“Declare guerra a quem finge te amar”
A partir dos enfrentamentos provocados pela população negra no país, avançamos em alguns aspectos fundamentais para garantir minimamente a igualdade de oportunidades. Porém, esses avanços encontram-se ameaçados diante das medidas anti populares do governo golpista Temer. O que está posto para o povo brasileiro é a possibilidade de o Brasil retroceder em séculos rumo à ainda mais profundas desigualdades. A conjuntura exige dos setores progressistas mais do que “pautas mínimas e programas recuados”. É preciso colocar o dedo na ferida, reivindicar as bandeiras históricas do movimento negro e brigar pela efetivação das nossas pautas máximas.
O (des)governo Temer fez com que muitas pessoas adoecessem psicologicamente: aumento do desemprego, repressão aos movimentos sociais e pouca esperança para o futuro. É preciso que a esquerda se atualize, saia do lugar comum, se reinventem a partir das novas experiências. As organizações tradicionais passam por tensionamentos com relação aos métodos utilizados, e a questão fundamental é a seguinte: em um cenário pós-golpe, ou nos reinventamos, ou seremos enterrados pelas velhas estruturas. Em face de uma fragmentação crescente, é importante construir novas metodologias que unifiquem as pessoas a partir de valores, opiniões e perspectivas de futuro. A juventude negra durante um bom tempo afirma que a reinvenção necessariamente perpassa pelo empoderamento político da população negra, solidariedade e atualização de um projeto de país efetivamente democrático, participativo e inclusivo.
Diante do acirramento da luta de classes e do recrudescimento do Racismo, é fundamental construirmos cada vez mais vínculos de solidariedade entre nós para declararmos guerra aos nossos reais inimigos: o Racismo e o Capitalismo.
Permaneceremos com o “bicão na diagonal” reivindicando o aprofundamento da democracia; o fim do Estado Policial; em defesa das cotas na pós-graduação; da paridade racial na direção da UNE e na luta pela construção de mais quadros negros para a disputa dos principais espaços da sociedade brasileira.
PazEntreNós!
GuerraAoRacismo!
* Rodger Richer é estudante do curso de Ciências Sociais da UFBA, diretor de Combate ao Racismo da UNE.
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