A defesa de uma reforma política já voltou aos discursos durante a campanha eleitoral. É essencial que a idéia avance. Nossa experiência democrática amadurece como nunca, define mais claramente o contorno dos projetos sociais apresentados ao país e seu aprofundamento é uma das causas da intensa disputa política hoje em curso. Por isso, tentar espalhar o desânimo ou a descrença seria muito injusto para com essa dura conquista da sociedade brasileira. O que precisamos é ampliá-la.
ARTUR HENRIQUE
A CUT defende uma reforma política que radicalize a democracia, que extrapole o momento do voto e que estabeleça a presença de todos os segmentos da sociedade na elaboração e na gestão das políticas públicas. Concretizada, uma reforma assim será uma arma letal contra a corrupção, pois vai colocar a vontade da maioria acima de interesses de grupos.
A proposta tem dois pilares principais. Um deles é o orçamento participativo. Onde foi consolidado, descortinou um novo modo de fazer política. Trabalhadores, banqueiros, industriais, donas de casa, estudantes e outros atores sociais, organizados, elegem representantes para discutir e decidir, no voto, o destino dos recursos públicos. Porto Alegre é um dos mais bem-sucedidos exemplos dessa prática, apesar de ainda não incluir toda a verba orçamentária no sistema de gestão participativa. Na cidade, o orçamento municipal tornou-se assunto em rodas de bar e nos almoços em família.
Tamanha proximidade do povo com a política produziu um fenômeno que merece destaque. Ao longo do tempo, as tradicionais reportagens sobre corrupção e desvios de finalidade cessaram, por falta de assunto, e deram lugar, na imprensa local, a debates sobre a melhor forma de gerir a cidade. Ao contrário do que pregavam seus opositores, o orçamento participativo não engessou a execução de verbas nem a administração do município. Evidência do acerto do orçamento participativo é o fato de ter sido mantido, mesmo após a troca de partido no comando da prefeitura. A prática também foi adotada em nível estadual, o que mostra que a participação popular e a democracia direta não se aplicam apenas a pequenas localidades. É uma pena que uma mudança positiva de tais dimensões não tenha alcançado visibilidade nacional.
O mesmo conceito, em nossa opinião, deve ser disseminado através da presença de representantes de segmentos da sociedade em conselhos e demais órgãos que definem a execução de todas as políticas públicas.
O outro pilar da reforma que defendemos é inspirado em projeto de lei elaborado pelo jurista Fábio Konder Comparato, que ele mesmo defendeu durante encontro de nossa Direção Nacional, e que pretende regulamentar o artigo 14 da Constituição, aquele que trata de plebiscitos e referendos. O projeto, em linhas gerais, define que o povo tem o direito de avaliar, através de plebiscito, se programas econômicos ou financeiros de iniciativa governamental devem ou não ser executados, assim como se a venda de patrimônios públicos ou a implementação de projetos de vulto devem ocorrer.
Um plebiscito dessa natureza ocorreria por iniciativa popular, através de pedido assinado por, pelo menos, um por cento do eleitorado nacional ou por 10% do eleitorado de cada unidade da federação envolvida no debate, dependendo do caso. O Senado e a Câmara também teriam a prerrogativa de convocar plebiscitos, dentro de certas regras representativas. Além das regras – que deverão ser definidas democraticamente – , o mais importante, neste momento, é deixar claro o espírito que move a idéia: nenhuma decisão que vai afetar os destinos de toda sociedade poderá ser tomada sem que esta mesma sociedade seja consultada. O princípio deve valer para estados e municípios.
Na mesma lógica, referendos seriam convocados para avaliar outros temas, como emendas constitucionais. A partir da fixação de uma consulta popular, as forças políticas organizadas e a população passariam a debater as diferentes visões sobre os temas e a decisão seria soberana, através de voto. Processo de início bastante trabalhoso, sem dúvida, mas que seria paulatinamente incorporado pela sociedade e nos elevaria ao necessário patamar de transparência e ética na política.
A despeito de concordarmos com algumas das propostas de reforma política tradicionalmente defendidas em época de eleição – como o financiamento público de campanhas – não acreditamos que, sozinhas, vão mudar significativamente as práticas em vigor. Forças políticas podem acomodar-se a elas, e contorná-las. É preciso implementar a democracia direta e participativa. Se as velhas elites não concordarem com isso, não será por acaso.
Artur Henrique é presidente nacional da CUT.
Publicado originalmente no Portal do PT
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