Enquanto a Grécia comemorava sua integração à zona do euro, advertimos que as enormes desigualdades existentes entre as economias desenvolvidas da Europa do norte e as relativamente débeis da Europa do sul, associado a um predomínio das forças políticas conservadoras nos governos nacionais do continente, conduziriam, inevitavelmente, a uma enorme pressão sobre os salários.
Yannis Almpanis *
Neste caso, a esquerda e os movimentos sociais predisseram o futuro. Enquanto a Grécia comemorava sua integração à zona do euro, advertimos que as enormes desigualdades existentes entre as economias desenvolvidas da Europa do norte, como a Alemanha, e as relativamente débeis da Europa do sul, como a Grécia, associado a um predomínio das forças políticas conservadoras nos governos nacionais do continente, conduziriam, inevitavelmente, a uma enorme pressão sobre os salários. A integração à zona do euro não permitia desvalorizar a moeda, e a zona do euro não dispunha de mecanismos para compensar as enormes diferenças econômicas entre as economias européias, o que faria com que todos os esforços nas políticas de ajuste econômico acabassem recaindo sobre a variável do custo da mão de obra direta e indireta. Dez anos mais tarde, essa previsão sinistra (que, naquele momento, foi acusada de “esquerdista” e “dogmática”) se confirmou.
Durante o sonho idílico dos Jogos Olímpicos de 2004, fomos poucos os que resistimos à “nova grande ideia” de nossa gloriosa e histórica nação. O resultado da “poderosa Grécia” foi uma catástrofe: foram desembolsados entre 20 e 30 milhões de euros (ninguém sabe o valor exato) em investimentos totalmente improdutivos. Agora, Atenas está repleta de enormes estádios fechados que ninguém usa.
No entanto, quando chegou o dia do Juízo Final, quase ninguém se lembrava dos discursos dos políticos neoliberais e dos meios de comunicação há alguns anos. E assim: uma parte apresenta a Grécia como um país indefeso (poderoso há alguns anos) vítima da especulação estrangeira. De outra parte, o novo governo “socialista” conseguiu encontrar os bodes expiatórios para as dificuldades financeiras. De outro lado, a crise seria resultado de problemas estruturais crônicos da economia grega: um setor público superdimensionado, com excessiva quantidade (e bem paga) de empregados e empregadas. A quebra, pois, é inevitável se o país não tem capacidade de encontrar 24 milhões de euros entre abril e maio para financiar seu déficit público ou se continua adquirindo empréstimos nos mercados internacionais com juros de 6,3%. Para evitar a quebra, o país se viu obrigado a recuperar a confiança da União Europeia e dos mercados internacionais a fim de encontrar dinheiro a baixo custo para financiar sua dívida pública. E o melhor meio de ganhar a confiança dos “mercados” consistiu em adotar dolorosas medidas contra seu próprio povo. Mediante chantagem: se os trabalhadores não aceitassem as medidas de austeridade, o país afundaria.
O pacto de estabilidade e desenvolvimento do programa elaborado pelo governo grego e pela União Europeia (EU) é, realmente, uma barbaridade: cerca de 10% de redução dos salários no setor público, aumento de 2% do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), 10% de redução do gasto público, ampliação em 2 anos da idade de aposentadoria, 100 milhões de euros de redução do orçamento da educação. O objetivo do governo é economizar 4 milhões de euros e enviar à UE e aos mercados internacionais a mensagem de que está fiel ao dogma do fundamentalismo neoliberal.
Porém, apesar de seu caráter antipopular, o plano não parece convencer os mercados internacionais, e as taxas de juros na Grécia continuam muito altas (6%). Como consequência, o plano de resgate está à espera. Ainda que, no momento, não se conheça a forma concreta do dito plano, estamos bastante convencidos de que a “ajuda” europeia, somada às políticas do nosso governo, conduzirá a uma quebra social inevitável. As previsões do Deutsche Bank são terríveis: recessão de -7,5% do PIB de agora até 2012 e 20% de desemprego (cerca de 1 milhão de pessoas). O único que vai salvar o plano de estabilidade e desenvolvimento dos programas são os benefícios dos especuladores internacionais e o patronato grego. Na realidade, esse programa não é outro senão aquele reivindicado pela Federação Patronal há 20 anos.
Está claro que havia alternativas e que outra política econômica é possível. Embora a dívida pública da Grécia (113% do PIB) seja a mais elevada das dívidas públicas da zona do euro, e se soma-se a ela a dívida privada, o total alcança 173% do PIB. O Japão, por exemplo, tem dívida além de 200%. Antes da era euro, em 1993, a Grécia utilizava 14% do seu PIB para financiar sua dívida. Agora o custo é de 6%. Assim pois, a dívida grega não é tão grande. O verdadeiro problema é que a zona do euro repousa sobre regras neoliberais extremamente rígidas que exageram a importância da dívida pública e tornam difícil seu financiamento (por exemplo, não se pode conceder empréstimos orientados para o mercado interno).
Além disso, o governo grego tinha outros meios de resolver-se com os fundos necessários. Por exemplo, atuando frente aos produtores de navios comerciais (a Grécia é a maior produtora mundial, com cerca de 4 mil navios sob bandeira grega, recuperando o IVA dos produtos que compram nos portos gregos, que representa cerca de 6 milhões de euros que o Estado perde por ano, quando as economias previstas no plano de estabilidade são estimadas em 5 milhões. No ano passado, os armadores gregos juntos pagaram menos imposto do que pagaram os e as imigrantes para obtenção da “carta verde”. Além disso, a maioria do patronato grego transferiu seus ativos para sociedades cipriotas (taxa de juros de 10%); a igreja ortodoxa não paga impostos, quando nossos guias espirituais são os campeões nacionais do setor imobiliário por conta de suas propriedades florestais, de terras, lagos e milhares de imóveis. A cada ano, o patronato frauda mais de 8 bilhões do Sistema de Seguridade Social; 800 mil pequenas e médias empresas pagam a mesma quantidade de impostos que seus trabalhadores, cujo salário é de 2 mil euros. Os bancos gregos receberam 28 bilhões de euros dos fundos públicos no início da crise e agora especulam com a dívida pública (na realidade, a maioria dos especuladores “internacionais” são gregos, alemães e franceses), e a cada ano se dedica 4% do PIB para gastos militares (10 bilhões transferidos aos EUA e à EU para a produção de armas).
Todos esses dados mostram que o governo poderia tomar o dinheiro dos ricos, mas prefere saquear o povo pobre. Trata-se, pois, de uma opção de classe em nome da urgência internacional.
Enfim, esse é o nível europeu. A catástrofe social que sofre, hoje em dia, o povo grego é produto da estrutura neoliberal da união financeira e monetária da Europa. Uma moeda comum sem orçamento comum, um mercado unificado sem nenhum mecanismo de transferência de recursos da gente rica para a gente pobre, um pacto de estabilidade baseado no mais puro dogma neoliberal, cujo único objetivo é o benefício privado, sem preocupação com o povo. A crise mostra que é impossível viver sob as regras de Maastricht.
A Grécia sempre foi um país de enormes desigualdades sociais. Assim, embora o poder de compra na Grécia seja 92% da média da zona do euro, os salários não passam de 70%. Agora, é claro, a situação social criada pelas novas medidas não pode se manter de pé. Não só porque o povo não aceita reduções salariais, nem porque o mercado interno se estancará por anos, mas sim, sobretudo, porque não há nenhuma confiança em que possamos sair desta miséria. Um sentimento de desespero agravado pela amargura de se sentir abandonada pela União Europeia. O que se conhece por “ajuda” europeia é, na verdade, uma ajuda ao estilo do FMI, que vai conduzir a uma crise social terceiro-mundista. Desde o fim da guerra civil dos anos 40, não se havia conhecido, na sociedade grega, uma falta de esperança como a atual.
É certo que o desespero não conduz automaticamente à resistência. Muita gente pensa que não se pode fazer nada , que se já é difícil derrubar os planos do governo, é praticamente impossível de fazê-lo, ao mesmo tempo, contra a UE e o FMI, Alemanha, França, os misteriosos “mercados” internacionais… contra o mundo inteiro que se uniu contra a classe trabalhadora grega.
De outro lado, há cada vez mais gente que dá as costas para o governo e as mobilizações são cada vez maiores. Vivemos duas exitosas greves gerais, enormes mobilizações em todas as cidades, ações de todo tipo, formação de coordenações de base dos sindicatos e de comitês locais, e uma resistência tenaz às políticas provocativas.
Os trabalhadores e trabalhadoras se mobilizam inclusive contra a vontade dos dirigentes da Confederação Geral. E, neste momento, o que parece é que, às medida que as pessoas vão padecendo por efeito das novas medidas, maior será a resposta dos trabalhadores.
* Yannis Almpanis é militante grego, integra a Rede por Direitos Políticos e Sociais e o comitê do Fórum Social Grego. Este artigo foi publicado no boletim eletrônico “Correo internacional de los movimientos sociales”, e traduzido do espanhol por Alessandra Terribili.